5 motivos contra a PEC 206/2019

5 motivos contra a PEC 206/2019

Por: Redação ·

Por Bruno Fales, militante do Núcleo de Universidades Privadas - UJC Ceará

A PEC 206/2019, de autoria do General Peternelli, prevê a cobrança de mensalidades em Universidades Federais, tomando como argumento central fazer justiça à sociedade, pois essas universidades seriam compostas por jovens de "classe alta", e aqueles que não pudessem pagar as mensalidades seriam isentos, ou seja, o gasto público seria desigual e favoreceria os mais ricos [1]. Traz como referência um relatório de 2017 do Banco Mundial, Um Ajuste Justo [2].

A fim de elucidar as falácias que justificam a proposta, trouxemos 5 motivos mais evidentes para que sejamos contra essa PEC que é um ataque direto contra a educação pública no Brasil e que facilita o caminho para uma total e completa privatização das universidades públicas.

  1. Motivo nº 1: O perfil dos estudantes das universidades federais brasileiras tem mudado nos últimos dez anos.

Em 2012 a Lei de Cotas foi instituída, repercutindo em mudança significativa do acesso a universidades federais ao reservar 50% das vagas aos estudantes egressos de escolas públicas com renda familiar per capita de 1,5 salário mínimo e/ou declaração de raça e etnia. As universidades federais têm aumentando de forma crescente o número de estudantes oriundos da classe trabalhadora, que em sua maioria tem raça e poder aquisitivo bem distintos do perfil elitista encontrado nos anos 90. Essa mudança de perfil socioeconômico acompanhou um aumento do nível de excelência das universidades federais, o que se demonstra pela ascensão da média das notas nas aplicações do ENADE [3, 4]. Trazendo um exemplo específico, na Universidade Federal do Ceará, em pesquisa realizada em 2018, 74,9% dos estudantes apresentavam renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo [5]. De maneira mais abrangente, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), 70,2% dos estudantes tinham renda mensal familiar per capita de até 1,5 salário mínimo em 2018 [6].

  1. Motivo nº 2: O relatório "Um Ajuste Justo" traz equívocos conceituais e metodológicos, bem como inferências sem comprovação e afirmações erradas e irresponsáveis.

Como exemplo, o documento traz na página 122 que "em 2014, após uma década de rápido crescimento, as despesas com educação chegaram a 6% do PIB. Já em 2010, os gastos com educação no Brasil eram superiores à média dos países da OCDE (5,5%), do BRICS (5,1%) e da América Latina (4,6%)". Isso demonstra um erro conceitual importante, pois confunde um valor financeiro referente a um percentual do PIB com despesas em educação no Brasil. Na verdade, o Brasil aplica um dos menores valores por matrícula em educação dentre os países da OCDE. Dentro dessa discussão, também se superestima os gastos com estudantes (chegando a afirmação de que "50% dos recursos poderiam ser economizados") ao desconsiderar que estes gastos nas universidades contemplam não só os estudantes matriculados em cursos de graduação, mas também os investimentos, despesas correntes, laboratórios, servidores, aposentados, pensionistas, pós-graduandos, muitos dos residentes dos hospitais universitários e muitos dos próprios hospitais universitários, etc. Todo esse aparato presta serviços gratuitos dos mais diversos à sociedade, como assistência à saúde. Muitos outros erros dos mais diferentes tipos compõem o documento do Banco Mundial [7]. Vale ressaltar que os estudantes de Instituições de Ensino Superior públicas representam uma minoria no contingente de universitários brasileiros, já que, segundo o Inep, 77,5% das matrículas do ensino superior pertencem a Universidades Privadas [8].

  1. Motivo nº3: Falta dinheiro? A austeridade fiscal como mais uma estratégia para sucatear a educação pública.

O apelo para cobrança de mensalidades se apoia também na necessidade de financiamento das universidades federais, muitas delas em franco estado de sucateamento, mas foi justamente a aprovação da então vigente Emenda Constitucional 95 (EC 95) - a emenda do Teto de Gastos ou, como ficou conhecida, a "PEC da morte" - que previsivelmente aprofundou o desfinanciamento da educação pública, impossibilitando a implementação do Plano Nacional de Educação 2014-2024 [9]. Os impactos da EC 95 prejudicam em muito a formulação de políticas educacionais, promovendo uma amarração institucional que privilegia os credores da dívida pública [10]. As políticas de austeridade visam desmontar o público no intuito de prover uma fatia de mercado ao setor privado, o mesmo acontece com a proposta da PEC 206/2019: uma desculpa para intensificar a privatização das universidades brasileiras.

  1. Motivo nº4: A cobrança de mensalidades já provocou um grande problema de endividamento estudantil, tal como ocorre no Chile.

No caso do Chile, o governo ditatorial de Pinochet alavancou a privatização do ensino superior e o governo pós-ditadura autorizou as instituições de ensino privadas com financiamento público a cobrarem mensalidades. Em 2006, o Crédito com Aval do Estado (CAE) foi implementado. Isso aprofundou uma avassaladora onda de endividamentos estudantis pela impossibilidade de pagamento dadas as altas taxas de juros [11, 12].

  1. Motivo nº5: A aplicação da cobrança de mensalidades que pudesse suprir os custos universitários teria como consequência um enorme comprometimento da renda daqueles que teriam de pagar.

Tomando como referência a indicação do Banco Mundial, 30% dos recursos arrecadados para IES públicas não seriam oriundos do tesouro nacional, nesse caso presumivelmente da cobrança de mensalidades proposta na PEC 206/2019. Isso só poderia ser aplicado se, para todos aqueles com mais de 2 salários mínimos, fossem captados 24,3% da renda bruta familiar de cada estudante, isto é, para manter apenas uma pessoa da família estudando. Esta é uma proporção absurda e insustentável da renda familiar, dado o quadro de concentração de renda, de desigualdade social, que se apresenta no Brasil, sendo um dos sete países mais desiguais em 2019. Portanto, grande parte das famílias brasileiras não poderiam pagar mensalidades nas Universidades Federais [13, 14].

Embora a PEC 206/2019 tenha saído da pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tenha sido derrotada nesse sentido graças à grande mobilização que se formou entre o movimento estudantil, compreendemos que isso não significa uma vitória final. Por isso, enfatizamos a necessidade de ampla mobilização para o arquivamento da proposta e, consequentemente, sua total inviabilização.

Por fim, ressaltamos que os representantes desta nefasta Proposta de Emenda à Constituição, General Peternelli (PSB/SP) e  Kim Kataguiri (PSL-SP), políticos da burguesia, escolhem dar uma falsa solução ao sucateamento das universidades públicas, responsabilizando os estudantes e buscando tirar do bolso destes estudantes os recursos necessários para manter e melhorar a estrutura das instituições, sob um pretexto de se buscar fazer somente os mais ricos pagarem. Entretanto, calam em relação à ampliação de cotas, à taxação de grandes fortunas para que se destine os investimentos em educação e à depreciação das políticas de bolsas de estudos e de permanência estudantil. Portanto escolhem enganar os trabalhadores, sacrificando uma parcela significativa da sua renda para nem começar a resolver o problema.

Referências Bibliográficas:

  1. Texto proposta PEC 206/2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1843720&filename=Avulso+-PEC+206/2019
  2. Relatório do Banco Mundial. Um Ajuste Justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf
  3. A importância das cotas raciais e sociais no Brasil: uma reparação histórica necessária. Relatório Técnico… Disponível em: https://repositorio.unifesp.br/bitstream/handle/11600/62422/A%20importancia%20das%20cotas%20raciais%20e%20sociais%20no%20Brasi.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  4. V Pesquisa Nacional de Perfil socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das IFES - 2018. Disponível em: https://www.andifes.org.br/wp-content/uploads/2019/05/V-Pesquisa-Nacional-de-Perfil-Socioeconomico-e-Cultural-dos-as-Graduandos-as-das-IFES-2018.pdf
  5. V Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes das Universidades Federais - Graduandos da Universidade Federal do Ceará. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiODIwYjU3YzAtMzA5OS00YmMwLThhMGQtYzMxM2U3ZjAyNDMxIiwidCI6IjRhOTBhNTk2LTViYTEtNDQ5Ny05OTNhLTg4NGFjM2Y4NWE2MSJ9
  6. V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos (as) Graduandos (as) das IFES – 2018. Disponível em: https://www.andifes.org.br/?p=79639
  7. AMARAL, N. C. Uma análise do documento “Um Ajuste Justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”.  Disponível em: https://souciencia.unifesp.br/images/docs/pesquisas/analise-critica-bm-2017.pdf
  8. Inep. CENSO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR | 2020. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/estatisticas_e_indicadores/notas_estatisticas_censo_da_educacao_superior_2020.pdf
  9. AMARAL, N. C. PEC 241/55: a “morte” do PNE (2014‑2024) e o poder de diminuição dos recursos educacionais. RBPAE - v. 32, n. 3, p. 653 - 673 set./dez. 2016. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1qC4QlrlBnr5E55QAN4M2dhQDvItSxR4g/view
  10. TITO, B. FERRERIA, R. F. A. M. FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016: O IMPACTO DE UM NOVO REGIME FISCAL NA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO. Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, Vol.93, N.01 - Anno CXXX, 2021. Disponível em:  https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/article/viewFile/244372/38228
  11. RISSI,  L. M. S. et al. A EDUCAÇÃO CHILENA SOB A LÓGICA DE MERCADO VISTA COMO VITRINE PARA AMÉRICA LATINA. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2017/25082_12183.pdf
  12. ANTUNES, A. As feridas abertas do neoliberalismo chileno. Disponível em: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/feridas-abertas-do-neoliberalismo-chileno
  13. AMARAL, N. C. A Hora da Verdade para as Universidades Federais brasileiras: Metas do PNE (2014-2024) e 10 Mitos a serem debatidos e desvendados (Texto elaborado para discussão no âmbito das Universidades Federais brasileiras e, em especial na Andifes). Disponível em: https://www.anped.org.br/sites/default/files/images/10_mitos_un_fed_bra_prof_nelson_ufg.pdf
  14. CHAVES, H. L. A. ARCOVERDE, A. C. B. Desigualdades e privação de direitos na sociabilidade capitalista e suas expressões no Brasil. Serv. Soc. Soc. (141), 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/jK8Jvp8DJFPsS6FHGcBXSnt/?format=pdf&lang=pt

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