A Big Data e o controle do capital sobre o consumo

A Big Data e o controle do capital sobre o consumo

Por: O Poder Popular · Imagem: IBGE e Universidade de Londres

Sanjay Roy - Analista indiano. Tradução - Resistir.info Adaptação para o português brasileiro - Equipe Poder Popular

A necessidade crítica de auto-valorização do capital não é apenas a expansão da produção de valores, mas também um domínio de circulação igualmente em expansão que realiza os valores produzidos através do consumo. À medida que o capitalismo cresce, esta expansão da produção e do consumo está relacionada não só com a expansão do consumo do que pode ser chamado de "luxos", mas também com a criação de maiores necessidades que são cada vez mais incluídas nos hábitos cotidianos. Trata-se, em todo o caso, de um processo dinâmico. Com o aumento do rendimento, o que hoje é considerado um luxo pode tornar-se uma necessidade amanhã.

A exploração capitalista da mais-valia não exige uma diminuição absoluta das necessidades de consumo da classe trabalhadora, mas pode continuar com o aumento dos salários reais dos trabalhadores. O que está em causa é a rede de valores que os trabalhadores produzem para o capitalista e o que recebem como salário e, portanto, ambos aumentam em proporções diferentes, podendo a componente "não paga" aumentar. Por outras palavras, os bens e serviços consumidos pelos trabalhadores em termos físicos e espirituais podem aumentar devido ao aumento da produtividade, mas os seus valores podem diminuir.

Marx nunca defendeu que os bens e serviços necessários à subsistência do trabalhador são fixos para sempre, sendo antes determinados por fatores sociais, culturais e históricos e, finalmente, pelas contestações políticas que determinam a sanção social do que deve ser incluído na cesta básica de consumo da classe trabalhadora. Por conseguinte, o aumento das necessidades de consumo dos trabalhadores é um requisito e não algo que prejudique o capitalismo.

O processo de aumento das necessidades envolve o aumento quantitativo do consumo de bens e serviços existentes e também a criação de percepções de necessidades potenciais inexistentes. Nesta direção, o capital tem de aumentar continuamente a produtividade através de novas tecnologias que aumentem a produção de bens e serviços existentes e reduzam os valores desses produtos, enquanto, por outro lado, utiliza tecnologias para fazer com que os bens e serviços pareçam ser ou sejam essencialmente diferenciados. As novas tecnologias no âmbito das relações de capital servem a este importante objetivo do capital de forma mais eficiente.

PROCURA PERSONALIZADA

Uma das contribuições fundamentais da tecnologia para a civilização humana é a sua capacidade de reduzir o trabalho direto exigido para atender o mesmo nível de produção. Isto implica, de fato, a que os mesmos bens e serviços podem ser produzidos utilizando menos tempo com a introdução da tecnologia. Mas como a cesta básica de consumo se expande ao longo do tempo, é necessário mais tempo de trabalho para produzir, mesmo com tecnologia melhorada.

Há duas dimensões envolvidas neste processo de produção. Uma delas é a criação de novas necessidades e também o fato de envolver mais horas de trabalho para produzir as necessidades acrescidas. No capitalismo, a posse de bens e serviços por vizinhos de alguém estimula a procura dos mesmos por parte de outros, levando-os a ganhar mais e, uma vez que poucos possuem os meios de produção, os demais têm de vender a sua força de trabalho para obter maiores ganhos.

Em segundo lugar, ainda que a mesma mercadoria possa ser produzida em menos tempo, o capitalista quer realizar o valor da tecnologia recém-introduzida antes da sua obsolescência o mais rapidamente possível e, portanto, envolve mais tempo de trabalho mesmo com a nova tecnologia. Dessa forma, ainda que a tecnologia aumente a produtividade, o capitalista absorve o mais possível o tempo de trabalho dos trabalhadores existentes com o aumento do nível de produção e de circulação.

Neste processo, uma das dimensões mais importantes é a diferenciação contínua de produtos específicos à escolha dos consumidores, o que se designa por personalização (customisation). A nova tecnologia aumentou imensamente o poder de personalização e de seleção de vários grupos de consumidores. A tecnologia ajuda a ampliar o âmbito da circulação através deste processo, o que também abriu possibilidades mais vastas de cobrar preços diferentes de bens e serviços com base no preço de reserva do consumidor.

Da mesma forma que os produtores podem classificar os seus consumidores e procurar satisfazer as suas necessidades diferenciadas, os governos utilizam igualmente estas tecnologias para classificar as populações de acordo com as suas necessidades. Os programas de assistência social e as transferências de dinheiro dirigidos a diferentes segmentos da população, nomeadamente os cultivadores de determinadas culturas, as mulheres de uma determinada idade, as meninas, os estudantes, as comunidades específicas definidas por casta, raça ou profissão, etc, são categorizados utilizando ferramentas de processamento estatístico adequadas e com grande precisão, visando-os de acordo com as suas necessidades específicas.

A execução dos programas governamentais depende em grande medida da análise dos dados e da categorização das pessoas. Isto aumenta essencialmente a reciprocidade e o controle, uma vez que as disposições diferenciadas parecem ser mais valiosas para os respectivos segmentos do que as disposições universais, pois considera-se que o governo se preocupa particularmente com os respectivos grupos beneficiários.

Este fato também aumenta o retorno político nos intercâmbios eleitorais, o que reforça ainda mais este processo de personalização da provisão e prestação de serviços públicos. Este modo de transação também cria um fetiche da tecnologia que permite justificar a negação de benefícios. Isto, de certa forma, torna o poder invisível, como se fosse o processo tecnológico, que se supõe não ter falhas, a explicar a negação de certos direitos ou acessos. Assim, as dimensões político-econômicas da acessibilidade e da negação parecem ser resultados neutros da tecnologia.

PROCURA DIFERENCIADA E BIG DATA

Influenciar o comportamento dos consumidores e aumentar a sua procura diferenciada é outro aspeto da intervenção da tecnologia no capitalismo atual. O recurso crítico neste processo são os dados, os quais são mobilizados a partir de um fluxo infinito de transações e trocas realizadas pelos consumidores na internet através de portais e plataformas de redes sociais.

As gigantescas empresas tecnológicas quase não produzem nada e tampouco precisam de possuir os meios de produção. Mas são elas que criam o mercado, facilitando e fazendo corresponder consumidores a produtores de todo o mundo. A informação essencial que recolhem das transações digitais é a matéria-prima essencial que possuem. Estes grandes volumes de dados de numerosos consumidores e produtores são recolhidos em cada transação e pesquisa e são analisados e agrupados para oferecer características granulares de vários consumidores, classificados por idade, sexo, localização e vários outros parâmetros que fornecem informações sobre os consumidores a potenciais vendedores.

Os dados estão sendo obtidos gratuitamente junto dos consumidores e a análise do comportamento do consumidor é fundamental para influenciar os mercados futuros. A tecnologia permite que os governos e as empresas identifiquem, categorizem e estudem as necessidades dos consumidores e dos cidadãos de forma mais precisa do que nunca, o que aumenta o seu controle sobre as pessoas.

O problema, evidentemente, não é a tecnologia, mas sim as relações de capital, uma vez que o poder do conhecimento e da tecnologia se manifestam como o poder do capital, através do qual o capital afirma um maior controle sobre os trabalhadores ou os consumidores.

As novas tecnologias estão sendo utilizadas para expandir o domínio da circulação, oferecendo bens e serviços personalizados e facilitando também a disponibilidade de crédito barato aos clientes. Não só são capazes de canalizar as escolhas dos consumidores para objetivos comerciais específicos, como também podem condicionar as escolhas humanas, compreendendo o seu comportamento.

A inteligência artificial e os grandes volumes de dados estão sendo utilizados para condicionar as escolhas futuras dos consumidores, o que aumentaria imensamente o poder do capital, tanto no domínio da produção como da circulação. O imenso poder de condicionar o comportamento dos consumidores não só para o presente, mas também para orientar as preferências futuras, é o objetivo do grande capital.

Mas este controle da tecnologia através dos direitos de propriedade também restringe o potencial das novas tecnologias que se desenvolvem com base em trocas humanas livres e na reciprocidade no seio da comunidade de utilizadores e criadores. Um controle social da informação, por outro lado, libertaria uma imensa capacidade de estabelecer prioridades e calibrar a utilização dos recursos de acordo com as necessidades sociais, em vez de servir apenas para ganhos privados.

28 de Janeiro de 2024

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