A cruzada contra as instituições federais de ensino e ciência

A cruzada contra as instituições federais de ensino e ciência

Por: Redação ·

Por Ian Kelvin Mattos Costa

A burguesia não tira férias. Os ataques aos direitos da classe trabalhadora e o desmonte dos serviços públicos continuam. No dia 12 de julho, quando comecei a escrever este texto, estava em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 1583/2022. Esse PL foi enviado em junho pelo governo Bolsonaro à Câmara dos Deputados a fim de atacar, novamente, os resquícios do que poderia garantir uma autossuficiência na produção de diesel e gasolina, o Pré-Sal brasileiro. Consequentemente, outro alvo do mesmo ataque é o Fundo Social que foi criado em 2010, o que direciona (por enquanto) 50% dos recursos que vinham dos royalties do Pré-Sal para a educação pública básica, superior e para a saúde pública.

O governo Bolsonaro e o Congresso Nacional, atendendo as demandas da burguesia, estão cotidianamente na mobilização para acabar com esses investimentos na já precária educação e saúde pública. Nessa jogada, a intenção é privatizar todo excedente do Pré-Sal, que pertence à União, abrindo mão do recurso que deveria ser repassado aos serviços públicos como forma de investimento para garantir um serviço digno aos cidadãos, entregando-o ao setor privado. O texto do Projeto de Lei diz: “autoriza a União a ceder, de forma integral, o direito à sua parcela do excedente em óleo proveniente de contratos de partilha de produção e de acordos de individualização da produção em áreas não contratadas na área do pré-sal ou em áreas estratégicas”.

O Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) aponta que o governo Bolsonaro estima arrecadação de R$398 bilhões com a entrega do Pré-Sal, possibilitando um caixa de R$40 bilhões. Dinheiro que, claro, será usado para agraciar os membros do “centrão” (direita) e manter a ofensiva contra a classe trabalhadora, desmantelando direitos e serviços públicos, tudo isso a fim de manter a taxa de lucro, domínio econômico e político de uma infame e mínima parcela de indivíduos. Sendo um serviçal da burguesia e do Partido Fardado, Bolsonaro também age em troca de algum tipo de apoio buscando a reeleição.

No então Fundo Social, a saúde pública recebia 25% e a educação 75% dos repasses do Pré-Sal. Com o desmantelamento do regime de partilha, o governo federal busca beneficiar as petrolíferas privadas, retirando mais uma ferramenta de investimentos da União para serviços públicos. Isso apenas reafirma que o Estado Burguês, suas ferramentas institucionais, jurídicas e de força coercitiva estão a serviço da concentração de renda, reprodução do capital e a garantia da sua manutenção. O governo federal ainda afirma que não haverá prejuízos nas áreas, ao mesmo tempo em que a realidade expressa outra situação. Pelo Fundo Social, há uma estimativa de que só a educação perderia R$200 bilhões de investimentos. Interessante é ver que ao mesmo tempo em que propõe o fim do investimento da União em serviços públicos através do Fundo Social do Pré-Sal, a base governista está desesperada por aprovar um pacote eleitoreiro de benefícios sociais (que duram até o fim de dezembro) na esperança de algum aumento na popularidade de Bolsonaro.

Sobre as instituições de ensino, no dia 24 de junho o governo federal fez um corte de R$600 milhões do orçamento das instituições federais, mesmo depois de ter sido aprovado no orçamento, enviou essa verba através de uma portaria do Ministério da Economia diretamente para o Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (Proagro). De acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional (Conif), só no fim de junho R$217 milhões deixaram de ir para as universidades federais. Estamos presenciando os maiores cortes e bloqueios de verbas nas instituições federais, prejudicando profundamente os IFs e as Universidades Públicas com a finalidade de desmantelar sua função social e mercantilizar a pesquisa e o ensino.

Com isso, no dia 06 de julho, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 96/2019 de autoria da deputada Fernanda Melchiona (PSol). A proposta adiciona o parágrafo 19 no artigo 166 da Constituição Federal a fim de tornar obrigatória o cumprimento do programa orçamentário no que diz respeito ao desenvolvimento e manutenção do ensino. Logo após esse movimento institucional visando a garantia de cumprimento do orçamento da educação, no dia seguinte, a base governista mandou um novo texto para a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para 2023, que ainda está em processo para a sanção. O texto afirma que os recursos da educação, assistência estudantil, ciência, tecnologia e outros não podem ser contingenciados, ou seja, bloqueados, apenas realocados. (Como o desvio de verba da educação para o agronegócio). Para 2023, foi cortado do orçamento do MEC R$300 milhões para os institutos federais, tendo como previsão orçamentária de R$2,1 bilhões, representando mais uma queda comparado ao orçamento de 2022 para os institutos federais que fechou em R$2,4 bilhões.

Há instituições de ensino superior que já estão afirmando que não vão conseguir manter-se em funcionamento a partir de agosto. Por exemplo, no nordeste, o IF da Bahia e a Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB) já afirmaram que caso o “bloqueio” das verbas continue, irão suspender as atividades em setembro. Aqui no Rio Grande do Sul, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e o IFSul afirmam que podem não iniciar o semestre em agosto. Com os cortes, além da possível paralisação do funcionamento das instituições, o congelamento de salário dos servidores atinge diretamente a função social dessas instituições, precarizando o ensino, a pesquisa e extensão, atacando a produção do saber científico e o fomento cultural que as instituições deveriam fazer.

Para além de prejudicar os servidores e o próprio risco de parar o funcionamento, precarizam a manutenção das instituições impedindo reformas estruturais: também falta dinheiro para a limpeza, higiene e até para a segurança. O governo da burguesia ataca as bolsas de monitoria e pesquisa, auxílio permanência como alimentação, transporte e moradia. Os grupos sociais que são os prejudicados com essa precariedade planejada têm corte de raça e de classe: a classe trabalhadora e as populações negras, PcDs, LGBTQIA+, quilombolas, indígenas e ribeirinhas que lutam para manter-se inseridos nessas instituições, são vítimas da exclusão elitista, da mercantilização do ensino, da pesquisa e produção científica na qual as universidades e demais instituições de ensino estão condicionadas pela ideologia neoliberal que estão imersas. Sem falar da PEC 206 que trata da cobrança de mensalidades nas universidades públicas, podendo voltar a pauta a qualquer momento, servindo apenas para ampliar a exclusão no acesso ao ensino superior.

De forma breve, quero chamar atenção para o estado que se encontra uma das maiores universidades públicas do país, a UFPel. No dia 11 de junho, tivemos uma audiência pública chamada pela vereadora Fernanda Miranda (PSol) na câmara de vereadores da cidade de Pelotas, onde estava em pauta para discussão os cortes sofridos pelas instituições federais. Estavam presentes representantes dos docentes e discentes, bem como a reitora da UFPel e demais administradores do IFSul Pelotas. Isabela Fernandes Andrade, a reitora (intervencionista, pois não foi eleita) da UFPel, afirmou na audiência que a universidade em 2021 teve uma redução de 18,5% no orçamento, tendo um déficit de R$5 milhões para iniciar o ano de 2022. Apontou que o orçamento de 2022 está praticamente nivelado com o repasse que o governo federal deveria fazer à instituição, sendo este semelhante ao repasse de 2019. Ela afirmou também que a partir do novo corte de 7,5% feito pelo governo Bolsonaro, não será possível sair do déficit orçamentário de R$11 milhões que a universidade se encontra.

Por fim, a reitora da UFPel disse que não será possível a expansão dos programas de assistência estudantil bem como será necessário realizar cortes que irão precarizar o funcionamento da instituição, como o exemplo citado pela reitora, os veículos de transporte estudantil da universidade ficarão sem manutenção e consequentemente paralisando o serviço de transporte. Além disso, a servidora afirma que a universidade estará impossibilitada de efetuar quaisquer investimentos e aquisição de equipamentos e reposição de materiais. Afirmou também que estão trabalhando para tentar identificar maneiras de garantir o ensino presencial nesse próximo semestre de 2022. Apesar de ser uma situação local, ela expressa às condições políticas, econômicas e materiais que estão condicionadas às instituições públicas e o trato do Estado Burguês, do governo Bolsonaro, Congresso Nacional e os demais aparatos institucionais a serviço da precarização das instituições públicas de ensino e pesquisa, com a finalidade de privatização desses setores.

Na mesma audiência, o professor do IFSul André Luis Pereira citou que só na cidade de Pelotas, aproximadamente 35 mil estudantes foram embora durante a pandemia, pois as instituições federais não tiveram a capacidade de garantir a estrutura para a permanência destes estudantes. O professor também fez o indispensável exercício de lembrar a conciliação da esquerda feita nos governos anteriores, que resultou no processo de precarização que estamos vendo. E eu complemento relembrando que a entrega da educação pública é um processo que foi avançando cada vez mais em todos os governos, mesmo com o ex-ministro Fernando Haddad nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) (que aliás, ainda se orgulha do processo de privatização que promoveu, dando de mãos beijadas a educação para o setor privado com o Todos Pela Educação criado em 2006), esse grupo educacional composto por vários sujeitos do setor privado e do “mercado educacional” foram inseridos no governo Lula e imersos na estrutura estatal fazendo a operação de praticamente toda política educacional até os dias de hoje. Também podemos relembrar a criação de programas de financiamento pelo setor privado, como os conglomerados como Cogna Educação e Vitru Educação, repassando dinheiro público para esses grupos bilionários através do ProUni e Fies, por exemplo. Posteriormente surge o Future-se para aplicar e aprofundar a reprodução da ideologia empreendedora. Ou seja, foi decidido, principalmente pelos governos ditos para a classe trabalhadora, em financiar o setor privado e neoliberal ao invés de investir e expandir a estrutura pública, garantindo um ensino de qualidade, crítico, laico e gratuito.

Também na audiência, o camarada e professor Giovanni Frizzo fez uma análise importante sobre os cortes nas instituições federais. Na totalidade da questão, quando abordamos a pauta dos cortes, temos de lembrar que são cortes na educação pública, ou seja, os repasses de verbas públicas para o setor privado mantém-se em funcionamento desde os governos FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Afetam apenas o serviço público. Não há cortes, contingenciamentos nem realocação de verbas do financiamento público na educação privada. Outro ponto importante que o camarada trouxe: os cortes orçamentários são uma expressão de um processo de formatação das instituições federais de ensino, onde todos os governos citados acima possibilitaram o condicionamento que estão levando as instituições públicas de ensino para dentro da bolha do “mercado educacional”, transformando a educação em mercadoria e com isso, permitindo as políticas do Estado Burguês em formatar um novo modelo de universidade. Como o camarada Frizzo apontou, através da retirada de recursos públicos acontece a diminuição da qualidade dos serviços, intensificação e precarização do trabalho docente, empobrecimento da qualidade de ensino, buscando assim equiparar as universidade públicas com as universidades privadas através da inserção de mecanismos e ferramentas, políticas e parcerias vindas do setor privado.

Essas manobras institucionais são nada mais que investidas da burguesia e do Estado neoliberal para precarizar ao máximo as instituições e os serviços públicos, torná-los mercadorias através da gradual privatização. Assim, jogam toda a verba pública para o setor privado através de financiamentos, como os famosos "vouchers", prejudicando tudo o que deveria ser, ou um bem 100% público, ou um direito 100% assegurado para a classe trabalhadora. As instituições públicas de ensino e ciência não estão cumprindo suas funções e o pouco que cumpre, é de forma pauperizada, pois estão sendo condicionadas, (como a UFPel, por uma reitoria intervencionista obediente ao governo Bolsonaro). Devemos defender as instituições públicas, lutar pela promoção do ensino e pesquisa científica, pela permanência e segurança de todos os estudantes, pela qualidade do trabalho dos servidores. Devemos nos mobilizar para construir uma universidade não só pública, mas popular. Uma educação popular, que acolha toda classe trabalhadora e todas suas expressões.

Mas agora, o Projeto de Lei 1583/2022, o fim do Fundo Social e do repasse dos royalties para educação e saúde pública é apenas uma expressão do projeto burguês que tem sido implementado sistematicamente pelo governo Bolsonaro (mas não só) e pelo Congresso Nacional. Trata-se de mercantilizar a saúde e a educação. Só poderão ter acesso aos serviços quem conseguir vender sua força de trabalho em troca de uma miséria de salário, para assim ter saúde e educação precária. É condicionar a classe trabalhadora a um estado de reprodução social que nos torna mão de obra barata para servir a exploração do capital. Trata-se de impedir a classe trabalhadora de acessar as instituições de ensino superior com pesquisa e produção científica. E isso é determinar a proibição da maior e mais importante parcela da sociedade, seja de forma direta através dos cortes orçamentários que prejudicam bolsas de estudos, pesquisas e permanência, como indiretamente através do ensino básico no mesmo processo de empobrecimento, precariedade e privatização, através do Enem e demais vestibulares que nada mais são do que ferramentas elitistas de exclusão. Trata-se de proibir a classe trabalhadora de se conhecer e se construir autonomamente, criticamente e coletivamente. É impedir a produção de conhecimento e a possibilidade de construir uma socialização mais digna.

A educação pública é vítima do Estado Burguês - nem vou voltar na questão do MEC e os casos escancarados e vergonhosos de corrupção, que nem se dão mais o trabalho de esconder. As instituições do Estado em “harmonia”, em trabalho pela coesão, pela estabilidade da democracia (burguesa), fingem que está tudo sob controle e logo ficará tudo bem. Mas enquanto isso, morremos todos os dias, ou somos vítimas do Estado na sua força policial assassina, na impunidade da justiça perante a violência na sob a carne negra, trabalhadora e pobre. Ou então, somos vítimas perante a irresponsabilidade dos sujeitos que compõem o Estado e que deveriam garantir o básico das condições para a reprodução de uma vida minimamente digna. Enquanto isso, retiram o mínimo que resta das conquistas históricas da classe trabalhadora, atacam os serviços públicos e todas as ferramentas, por mais assistencialistas que sejam. Hoje o Brasil atinge a marca de 10,6 milhões de desempregados - dado que pode apresentar distorções pois não são contabilizados aqueles cidadãos que desistiram de procurar emprego -, 39,1 milhões na informalidade, ou seja, exploração total, trabalhar sem direito e segurança alguma. A fome assola este país, atinge 61,3 milhões de pessoas, desses, quase 16 milhões na insegurança alimentar grave, quando não se sabe se terá algum tipo de alimento nas próximas 24h. Enquanto isso, o mercado aproveita para colocar o leite a R$10,00, vende soro de leite, mistura láctea e pele de galinha na bandejinha de isopor, osso para sopa e cabeça de peixe. Não há nada em harmonia, não existe estabilidade. Os ataques aos serviços públicos são diretamente um ataque contra a classe trabalhadora.

Não posso deixar de saudar fervorosamente as pré-candidaturas comunistas da professora Sofia Manzano à presidência, do sindicalista Antônio Alves para vice-presidente e de todos e todas camaradas que assumiram as tarefas de pré-candidaturas por todo o país. O Partido Comunista Brasileiro vem cumprindo um papel de suma importância, a sua organização, presença e firmeza nas ruas pelo Fora Bolsonaro e Mourão, entre outros atos e eventos sociais, culturais e políticos em todos os cantos, nos meios de comunicação, redes sociais e instituições da sociedade burguesa, mobilizando de forma crítica e politizada, demonstrando a enorme relevância que é pautar os temas importantes do debate sobre nossa realidade social, política, econômica e cultural. As candidaturas comunistas acertam em combinar a luta eleitoral com a luta de massas, promovendo a criticidade necessária e apresentando um projeto verdadeiramente anticapitalista, promovendo a discussão de pontos importantíssimos e urgentes como, entre outros, a revogação de todas contrarreformas e da Emenda Constitucional 95 que congelou os investimentos do Estado por 20 anos.

Devemos expor os problemas e contradições, tudo aquilo que alguns setores da esquerda fingem que não existem, afirmam-se no erro de evitar o processo de politização crítica e de organização política da classe trabalhadora. Disfarçam ao debater as pautas políticas, institucionais e quando puxam as questões, são superficiais. Ficam no diálogo abstrato e ideal, apontam as mazelas através do senso comum, o que torna-se apenas discurso de aparência. Nem vou repetir a questão da conciliação com a burguesia. É preciso manter e expandir a mobilização e organização política dos estudantes e de todos setores da classe trabalhadora, promover coletivamente projetos de solidariedade, ações socioculturais e educacionais a fim de problematizar a realidade e promover a consciência crítica para combater o neoliberalismo e seus avanços contra as instituições públicas através do governo Bolsonaro e do Congresso Nacional, devemos usar de todas as ferramentas, institucionais ou não, pois é insustentável que os serviços e as instituições públicas mantenham-se neste caminho de desmantelamento, destruição e mercantilização.

Saúde e educação não são, nem devem ser mercadorias. Todos os serviços públicos devem ser voltados para o desenvolvimento e o interesse da classe trabalhadora, deve ser totalmente garantida a sua inserção institucional e acesso integral aos serviços públicos. As instituições públicas, universidades e institutos de ensino e ciência, devem ter autonomia para construir-se coletivamente, deve ir na contramão da lógica da ideologia liberal, tornando-se uma instituição de produção e reprodução de ensino e ciência verdadeiramente útil, crítica, laica, irrestrita, politizante, que desnaturalize e desmistifique o estado de coisas, que permita a construção do saber de uma classe para ela e por ela mesma. É inadmissível que as instituições e serviços públicos, sejam eles qual for, educação, saúde, luz e água (entre outros) sejam colocadas a serviço da produção de lucro para meia dúzia de sujeitos.

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