"A cultura do estupro só poderá ser combatida com uma cultura de direitos"
Marielle Franco para o Portal 247 - 8 de Junho de 2016
“A CULTURA DO ESTUPRO SÓ PODERÁ SER COMBATIDA COM UMA CULTURA DE DIREITOS”
Afirmação é de Marielle Franco, cria da Maré e coordenadora da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj, que inicia hoje sua coluna semanal no Favela 247. Marielle afirma ouvir constantemente de vítimas de violência sexual frases como "Eu poderia ter evitado": "Não, mana, você não poderia ter evitado. A cultura do estupro é naturalizada pela omissão. Há falta de perspectiva política no processo mais amplo e resolutivo. Ocorre que a solução paliativa apela para o aumento da pena do estuprador. Como observamos, isso não faz com que alguém deixe de estuprar". Marielle conclui: "A cultura do estupro só poderá ser combatida com uma cultura de direitos. E um dos direitos fundamentais passa pelo direito da mulher sobre o seu corpo e seus desejos. Não se pode legislar sobre o corpo da mulher"
A mulher que você ama pode ser a próxima vítima
“Eu não denunciei antes porque tive medo de colocarem a culpa em mim”. Essa é a frase que ouço constantemente das vítimas de violência sexual durante os atendimentos realizados na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj. Mas aonde será que estão as mulheres que não foram reveladas como as principais vítimas de violência no estado pelo 9º Dossiê Mulher 2014, já que este é feito a partir apenas das ocorrências registradas nas delegacias policiais do Rio de Janeiro? Esse dossiê demonstra que a violência sexual é apontada com o maior percentual de registros. Uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no Brasil, a cultura do estupro está entranhada no nosso cotidiano.
De acordo com o Dossiê Mulher, em 2013, das 6.501 vítimas de violência sexual entre homens e mulheres, 4.871 mulheres foram estupradas (82,8%). Além do predomínio da mulher como vítima de estupro, o estudo demonstra que a violência se dá por meio de ameaça e lesão corporal. E os prováveis agressores são seus companheiros ou pessoas do convívio familiar. Quer dizer que estas mulheres, principalmente as que não registraram queixa, podem estar na sua casa, na casa do seu vizinho, na sua sala de aula, no seu ambiente de trabalho, nas filas do supermercado, no ônibus, na vida diária. Mas por que é tão difícil se solidarizar com as vítimas? A vítima é sempre a outra ou, se é você, falta coragem para denunciar e se expor na própria família, nas delegacias, no tribunal. Ou mesmo porque o primeiro julgamento já foi feito pela própria vítima: “Eu poderia ter evitado”.
Não, mana, você não poderia ter evitado. A cultura do estupro é naturalizada pela omissão. Há falta de perspectiva política no processo mais amplo e resolutivo. Ocorre que a solução paliativa apela para o aumento da pena do estuprador. Como observamos, isso não faz com que alguém deixe de estuprar. Não se pode lutar por justiça quando na verdade o que se espera é saborear o amargo da vingança.
A cultura do estupro só poderá ser combatida com uma cultura de direitos. E um dos direitos fundamentais passa pelo direito da mulher sobre o seu corpo e seus desejos. É direito da mulher, por exemplo, decidir se quer levar adiante uma gravidez fruto de um relacionamento ou de um estupro. Não se pode legislar sobre o corpo da mulher. É preciso estratégias políticas e sociais que impeçam que o corpo da mulher seja objetificado, sexualizado e dominado. A mulher deve ser protagonista e sujeito de seus direitos.
A vítima do estupro coletivo na zona oeste desejou que seus algozes tivessem filhas, mulheres. Não por um mau agouro, mas por acreditar que a humanização de suas consciências viesse a partir do fato de que as mulheres que amam podem ser as próximas vítimas nessa cultura do estupro. Essa menina, brutalmente violentada aos 16 anos, nos deixa uma lição para a vida inteira.
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