A Descriminalização como Estratégia de Sobrevivência
Por Guilherme Romão – Comissão Nacional de Comunicação do CNMO, militante do CNMO-PR e do PCB-PR
Esse texto não se propõe a fazer um debate no molde acadêmico, cheio de citações e floreios para satisfazer as exigências da intelectualidade branca, e nem destrinchar estratégias e alternativas para a utilização problemática de substâncias, por mais que nós sejamos plenamente capazes de fazê-lo.
Porém, um dos objetivos desse texto é ser o primeiro de uma série de textos com o objetivo de debater os principais temas que a luta comunista negra enfrenta referente a questão das drogas, apontando a realidade imposta a população negra do Brasil, portanto me direciono aos 56% da população que se identifica como preta ou parda.
Outro objetivo é lançar a luz sobre o desvio burguês identificado na forma de racismo e o anti-marxismo que infecta parte da esquerda brasileira que utiliza da moralidade cristã e se recusa a tratar seriamente e de forma concreta a formação social do Brasil ao não enxergar a Guerra às Drogas como a principal ferramenta de controle social, encarceramento e extermínio da população negra desde a abolição.
Pois é através dessa brecha criada pela criminalização das chamadas “drogas” que passa o que há de mais brutal e racista referente a violência estatal e criminalização da pobreza. Desde o início do século XX, com a famosa importação de mão de obra europeia, tão conhecida e debatida pela intelectualidade de esquerda, o racismo se modificou necessitando de um novo conjunto de arranjos legais, culturais, políticos e econômicos para justificar o controle social sobre a população recém liberta negra, empurrando-a para a margem do proletariado e do ideal de sociedade europeia tão almejado pela burguesia branca, a criminalização de substâncias, que hoje vemos de forma tão evidentemente no combate ao crack, mas não só com essa substância, funciona como um condutor que leva a juventude negra das periferias diretamente para a maquina de moer futuros chamado complexo industrial-prisional.
Não identificar a relação histórica de todo o aparato midiático, policial, prisional, legislativo e judiciário que atua de forma harmônica no projeto de domínio burguês e limpeza étnica contra a maioria da classe trabalhadora de um país de capitalismo dependente e herança colonial como nosso, consiste em um erro grave para qualquer organização que se propõe a construir a revolução socialista.
A utilização de termos como manter o corpo são e limpo é um resquício da política eugenista da medicina legal da década de 30 que via o uso abusivo de álcool e drogas como fatores degenerativos da raça branca, assim patologizando e manicomizando compulsoriamente os elementos negros e que ainda hoje, vemos seus correspondentes na forma de comunidades terapêuticas, que são antros de violação de direitos humanos e recrutamento para o fundamentalismo religioso neopentecostal.
O que nos leva a questionar o quanto essa esquerda está realmente comprometida com as necessidades imediatas do proletariado negro. Será que as ações policiais que diariamente produzem paisagens mórbidas de corpos de pele escura pelas quebradas Brasil adentro não são concretas o suficiente? Será que o caráter fascista das nossas polícias, que abusam de negras/os e muitas vezes monopolizam a venda de drogas não é motivo para defender e atuar radicalmente pelo fim delas dessas instituições? O lema “Servir e Proteger” das polícias, se refere a proteção de qual classe?
Mesmo para a resposta genérica e preguiçosa de que a revolução socialista solucionará essa chaga histórica é necessário pensarmos, enquanto negra/os comunistas, qual o nosso papel na mudança dessa leitura racista da realidade brasileira?
É preciso lembrar que a luta de classes aqui, começou quando o primeiro negro traçou com o primeiro indígena estratégias de enfrentamento aos ancestrais dos que hoje compõem a burguesia e lucram com a nossa nossa morte e encarceramento, por isso é necessário que o legado de luta deixado seja resgatado e direcionado numa luta teórica e prática radical no sentido de barrar esse genocídio. Pois sim: a pauta de descriminalização de todas as drogas é o primeiro passo para garantir que estejamos vivos, para aí então nos organizarmos coletivamente na construção do Poder Popular.
Descriminalizar as drogas, nesse momento, é para retirar da esfera da segurança pública algo que é pertinente a saúde pública, é criar condições para que as polícias possam ser desinvestidas visando a sua extinção e que em um primeiro momento atuem cada vez menos de forma ostensiva nos bolsões de miséria, é para impedir a expansão do complexo industrial-prisional e o populismo midiático penal que vende uma cultura de medo e reforça esteriótipos racistas, é para permitir que escolas não sejam fechadas e alvejadas por helicópteros da polícia e crianças do ensino fundamental deixem de aprender a se protegerem de tiros fuzis deitando-se no chão, é para que movimentos como Mães de Maio, Mães da Maré, Mães de Manguinhos não existam mais. É para fazer com que 30% dos mais de 900mil presos sejam soltos pela acusação de tráfico de drogas, é para garantir que jovens negros não tenham corpos desovados em valas clandestinas por portarem quantidades mínimas de substâncias, é para garantir acesso gratuito a todas/os que querem tratamento pelo uso abusivo de substâncias, para que mais da metade da população possa ter condições mínimas de se organizar politicamente e aí sim construir a revolução socialista brasileira, que será também negra, ou não será.
Foto: Danilo Verpa
Publicado originalmente em: https://coletivominervinocom.wordpress.com/2023/05/08/a-descriminalizacao-como-estrategia-de-sobrevivencia/
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