A Grécia impôs uma jornada forçada de 6 dias e descobriu uma receita para o desastre
Por David Moscrop - Tradução Sofia Schurig
A semana de trabalho forçada de 6 dias na Grécia explora os trabalhadores e deixará a economia pior a longo prazo. Essa política, impulsionada por pressões econômicas e por uma população envelhecida, serve como uma advertência para a mão de obra global.
A Grécia adotou uma semana de trabalho voluntária de seis dias para empresas que oferecem serviços ininterruptos. “Voluntária” aplica-se, é claro, à empresa, não ao trabalhador. Isso significa que os chefes podem obrigar os trabalhadores a comparecerem ao trabalho no sexto dia, com um custo. Os empregadores receberão um prêmio salarial de 40%, ou seja, horas extras. Exceto que, claro, isso não é pagamento extra por trabalho opcional realizado fora do horário normal de trabalho.
As origens da lei são previsíveis: um governo de direita, fundamentalista de mercado, uma população envelhecida, ansiedade estatal sobre sua capacidade de produzir trabalhadores suficientes para apoiar a população envelhecida e sustentar a economia, e os efeitos persistentes de crises financeiras de longo prazo.
Globalmente, há uma tendência para a transição para uma semana de trabalho de quatro dias. Semanas mais curtas provaram aumentar a saúde, o bem-estar, a satisfação dos trabalhadores e, como consequência, a produtividade. Elas levam a menos estresse, ansiedade e burnout. Elas até reduzem a poluição. Enquanto alguns países, como os Estados Unidos e a Coreia do Sul, estão flertando com uma semana de trabalho de seis dias para alguns funcionários, a tendência está se movendo em direção a quatro dias ou a manter a semana de cinco dias como está.
A mudança grega para uma semana de trabalho de seis dias tira um pouco do ímpeto da campanha global pela semana de trabalho de quatro dias. A equipe de austeridade e os fundamentalistas de mercado usarão isso como precedente para argumentar que outros países deveriam seguir o exemplo, alegando que os problemas enfrentados pelos gregos não são únicos. Afinal, as populações envelhecidas são um desafio comum em todo o mundo.
A própria ideia da semana de trabalho estendida é um insulto à luta árdua por condições de trabalho humanas. No século XIX, o Movimento das Dez Horas visava reduzir as horas de trabalho para menores de dezesseis anos, que antecedeu a Lei das Fábricas chamada Factory Act, que limitava gentilmente o dia de trabalho a doze horas para trabalhadores menores de dezoito anos — ou seja, adolescentes. Também estabeleceu um limite superior para a semana de trabalho de crianças entre nove e treze anos em quarenta e oito horas — uma semana de trabalho de seis dias, o que coloca a medida da Grécia em um contexto histórico macabro.
O experimento grego está fadado ao fracasso, arrastando os trabalhadores consigo no processo. Qualquer país que tente replicá-lo também fracassará. O caso grego deve ser visto como um aviso, não como um exemplo ou modelo.
Escrevendo no Conversation, o professor de economia Constantin Colonescu critica a semana de trabalho de seis dias com base na produtividade — isto é, em seus próprios termos. Colonescu argumenta que devemos “definir produtividade como a produção por hora trabalhada”, em vez de horas trabalhadas, o que não é como o primeiro-ministro grego Kyriakos Mitsotakis mede.
Como qualquer economista que se preze lhe dirá, funcionários exaustos se tornarão menos produtivos. Com o tempo, aumentar as horas trabalhadas levará a trabalhadores cansados e desgastados, custos mais altos com saúde e perdas de produtividade. É por isso que uma semana de trabalho de quatro dias pode ser, talvez de maneira contraintuitiva, mais produtiva do que a semana de trabalho de seis dias. Além disso, tem o benefício de não levar a mão de obra a uma semana de inferno após a outra.
A Grécia enfrenta desafios econômicos agudos, o que abriu espaço para medidas exploratórias como a semana de trabalho forçada de seis dias. Por mais brutal que seja a política, os desafios econômicos da Grécia, a falta de controle sobre sua própria política monetária como membro da União Europeia (UE) e a pressão dos maiores estados da UE significam que não tem escolha a não ser fazer algo para apoiar uma população envelhecida e manter a economia à tona.
Colonescu admite que a semana de trabalho de seis dias pode ser “uma solução a curto prazo”, mas o governo deveria deixar claro se esse é o plano. Enquanto isso, o governo descreve isso como uma “medida excepcional” que se aplica apenas “em circunstâncias específicas”. Colonescu argumenta que o país precisa de um “sistema sustentável”, que não virá de uma semana de trabalho de seis dias. Na verdade, o que é mais provável de acontecer é que os chefes pressionem por uma extensão do programa, garantindo que ele se torne permanente e se aplique a mais setores.
A ministra grega do Trabalho e da Seguridade Social, Niki Kerameus, disse à CNBC que a nova lei não cria uma semana de trabalho obrigatória de seis dias. “Tudo o que faz é permitir, apenas em circunstâncias limitadas, a opção de um dia adicional de trabalho, como medida excepcional”, ela diz, observando que “a opção de um dia adicional de trabalho é permitida apenas no caso de aumento da carga de trabalho”.
A realidade no terreno é improvável de corresponder à confiança de Kerameus nas proteções da lei. Os chefes vão pressionar e abusar dos trabalhadores, os esgotando, e a indústria vai garantir que tire mais do que sua libra de carne. Os trabalhadores estão em posição de fraqueza em comparação com seus empregadores, incapazes de resistir ao abuso e à exploração, razão pela qual a letra da lei não é suficiente para protegê-los contra a realidade das relações de poder entre chefe e trabalhador.
Como argumentou Yanis Varoufakis, foram as elites europeias que ajudaram a colocar a Grécia na bagunça atual, chamando o resgate grego de “tortura fiscal”. A ortodoxia monetária da UE está agora sendo confrontada com um plano de direita para explorar os trabalhadores, um plano que trairá quaisquer promessas de proteção ou benefício aos trabalhadores a longo prazo, levando a menos produtividade e trabalhadores mais infelizes e menos saudáveis. A semana de trabalho de seis dias ameaça expandir-se além de seu escopo inicial e pode influenciar os defensores da austeridade econômica e do abuso trabalhista a seguir a mesma política além da Grécia. É um desastre.
Qualquer que seja a solução de longo prazo para os desafios econômicos estruturais da Grécia, ela não incluirá uma semana de trabalho estendida. Trabalhadores de outras nações devem tomar isso como uma lição e se recusar preventivamente a seguir o exemplo. Agora é hora de redobrar os esforços para encurtar a semana de trabalho e garantir uma cultura de trabalho mais segura, saudável, produtiva e pró-trabalhador.
David Moscrop é escritor e comentarista político. Ele apresenta o podcast Open to Debate e é o autor do livro Too Dumb For Democracy?
Qual a resposta do movimento sindical para esse aumento de jornada?
Mobilizados pela PAME, representantes sindicais de vários sectores vincaram a oposição à implementação da Lei Georgiadis e alertaram para a normalização da semana de trabalho de seis dias.
Na sequência da entrada em vigor, dia 1 de Julho, da lei da reforma laboral, que contempla a possibilidade de os trabalhadores trabalharem seis dias e 48 horas por semana em determinados sectores, a Frente Militante de Todos os Trabalhadores (PAME) convocou uma concentração para esta quarta-feira, junto ao Ministério do Trabalho, em Atenas, contra a «escravatura do século XXI», exigindo a revogação da lei.
A chamada Lei Georgiadis, em alusão ao anterior ministro do Trabalho e actual ministro da Saúde, estabelece a possibilidade de o patronato poder activar a semana de seis dias e 48 horas em fábricas de produção contínua ou em situações de picos de trabalho.
Os sindicatos filiados na Frente Militante de Todos os Trabalhadores (PAME) e outros há muito que têm denunciado a medida como um instrumento para legalizar a «escravidão moderna» no país europeu.
Na ante-sala da aprovação da legislação, em Setembro último, a PAME referiu-se ao projecto de lei em debate no Parlamento como «monstruoso», denunciando também o agravamento da «criminalização» do direito à greve e à actividade sindical, e alertando para a «intensificação da exploração» e um «maior empobrecimento de grandes camadas da população».
Também denunciou o facto de, com esta legislação danosa para os trabalhadores, apresentada pelo Ministério do Trabalho, o governo grego permitir que, por via de um segundo emprego, se possa trabalhar 13 horas por dia e 78 horas por semana.
O governo de Mitsotakis e outras vozes que advogam o neoliberalismo defenderam a nova legislação, afirmando que regula a «selva» do mercado laboral na Grécia e destacando o facto de o sexto dia ser pago com 40% extra em relação ao salário diário.
Responder ao governo da Nova Democracia e ao patronato
Na concentração de ontem, os trabalhadores vincaram a necessidade de responder ao governo conservador da Nova Democracia e ao patronato, que, «bem coordenados, promovem regulamentos anti-laborais e aumentam a exploração».
O representante sindical Manolis Karatousas exigiu ao governo a revogação da Lei Georgiadis e apelou a todas as estruturas sindicais para que realizem plenários e se mobilizem, caso o patronato «ouse implementar esta desgraça».
Em seu entender, refere a PAME, o governo grego declarou guerra aos trabalhadores e estes têm de se preparar para o contra-ataque «em todas as fábricas, em todos os locais de trabalho».
Destacou ainda a necessidade de defender «as nossas vidas» e de deitar abaixo os exploradores. «Nós escolhemos as nossas vidas!», clamou.
Uma delegação sindical foi recebida por representantes do Ministério do Trabalho, mas não trouxe boas novidades, segundo explicou um representante da Federação dos Trabalhadores Farmacêuticos.
«Este governo diz-nos, como fizeram os anteriores, que todas as leis anti-laborais foram aprovadas para o bem dos trabalhadores», afirmou a propósito da reunião no ministério, onde os responsáveis deixaram claro que não vão alterar a legislação agora em vigor.
Sob intenso calor, vários dirigentes sindicais intervieram para destacar a necessidade de aprofundar a luta nas empresas e nas ruas, denunciaram o agravamento da exploração em diversos sectores – como a indústria e o comércio – e deixaram claro que não vão aceitar a perda de direitos conquistados.
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