A Luta pela Água na Serra: População Sofre com Interrupções e Baixa Qualidade do Abastecimento
Coordenação Estadual da UJC do Espírito Santo
A água é um recurso vital que transcende sua simples função de saciar a sede. É a essência da vida, desempenhando um papel indispensável para a saúde, higiene e bem-estar da população. O acesso à água e ao saneamento básico é um direito humano fundamental, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como “condição essencial para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos”.
No entanto, esse direito básico tem sido sistematicamente negado aos moradores da Serra, município mais populoso da região metropolitana de Vitória (ES). São cada vez mais frequentes as ocorrências de falta de água sem aviso prévio ou de queda na qualidade do fornecimento, principalmente em épocas mais chuvosas, apresentando altos níveis de turbidez (água barrenta), com gosto e coloração alterada. E quem mais sofre com essa situação é justamente a população mais pobre, que habita as regiões periféricas do município, como José de Anchieta, Feu Rosa, região de Serra Sede e a zona oeste de Jacaraípe.
Não é de hoje que os moradores da Serra enfrentam esse mesmo problema, que se agrava ano após ano. O rio Santa Maria da Vitória, principal responsável pelo abastecimento do município, vem sofrendo há décadas um processo de assoreamento, isto é, o acúmulo excessivo de sedimentos e detritos no leito do rio devido à erosão de suas margens. A principal causa disso é o desmatamento desenfreado de áreas ribeirinhas em decorrência do avanço predatório do agronegócio e de grandes empresas na região, sem uma fiscalização eficiente por parte do governo estadual. Um dos principais efeitos do assoreamento é justamente a queda da qualidade da água para consumo devido ao aumento da turbidez, além da redução da vazão do rio e de sua capacidade de abastecimento.
Na última quarta-feira, dia 21 de fevereiro, a Companhia Espírito-santense de Saneamento (Cesan), responsável pelo abastecimento da região, se pronunciou a respeito da situação. “São as florestas, nos topos dos morros, e as matas ciliares, nos fundos dos vales, que protegem os cursos d’água e impedem que todo esse material [sedimentos e demais detritos] chegue ao rio”, afirmou em um comunicado público. Acrescentou ainda que, “como essas áreas estão degradadas, há uma piora expressiva na qualidade da água que a Cesan capta nos períodos de chuva forte, dificultando o tratamento e obrigando a empresa a paralisar estações de tratamento com mais frequência para a lavagem de filtros”.
A crise hídrica atual tende a se agravar ainda mais com a aprovação do Projeto de Lei Complementar 56/2023 na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. Apelidado por movimentos sociais como "PL da Destruição", o projeto aprovado no final do ano passado, de autoria do secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Felipe Rigoni (União Brasil), flexibiliza a legislação para estudos e licenças ambientais. Esse “afrouxamento” da legislação ambiental acaba por facilitar ainda mais a retirada da mata ciliar da bacia hidrográfica do rio Santa Maria da Vitória, intensificando, assim, seu assoreamento.
Em um comunicado lançado há pouco mais de uma semana após a aprovação do “PL da Destruição”, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Espírito Santo (Sindaema) declarou que “enquanto não mudar a legislação sobre as licenças para o uso de água, principalmente para empreendimentos do agronegócio e da mineração, será impossível gerir a distribuição e o acesso à água em nosso país”.
Em contraste com a realidade de milhares de famílias serranas que enfrentam a escassez de água encanada, as grandes empresas instaladas no município, como a Vale S/A e a Arcelor Mittal, consomem água em abundância e de maneira ininterrupta. Atualmente, Serra é o município com o maior parque industrial da região e tem registrado um expressivo crescimento populacional. Contudo, a capacidade instalada da estação de tratamento de água local, de responsabilidade da Cesan, não aumentou no mesmo compasso. Construída em 1983, a estação de Carapina só recebeu investimentos de modernização a partir de 2021, no valor de R$ 61,5 milhões. Ainda assim, trata-se de uma medida paliativa, insuficiente para atender as necessidades da população, que continua convivendo com as constantes interrupções.
A solução não virá dos acordos governo-empresas. Só a organização popular é capaz de reverter esse quadro. Água é um direito, não mercadoria!
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