A organização política, com um horizonte revolucionário, como resposta dos entregadores ao capital
Por Leonardo Damasceno — militante da Unidade Classista — PA
O que têm em comum trabalhadores de plataformas da Deliveroo em Londres, da Swiggy em Bangalor, da Uber Eats na Cidade do Cabo ou do iFood no Brasil? Um foco compartilhado de queixas sobre a sistemática redução no valor de entregas e a negação de direitos trabalhistas básicos. Porém, as plataformas lançam as bases para a construção de um internacionalismo de baixo para cima conduzido pelos trabalhadores, isto é, a solução compartilhada para suas mazelas e sua emancipação. Mas afinal, o que são Deliveroo, Swiggy, iFood, Uber e afins? São empresas, em sua maioria, aglutinadas no Vale do Silício, que utilizam a ideologia da Economia do Compartilhamento. Tal ideologia trata o trabalhador como “indivíduo empreendedor”, que não necessita de possuir coisas, mas de utilizá-las, em nome de suposta liberdade e sustentabilidade. A E.C. tem como componentes fundamentais as TICs — Tecnologias da Informação e Comunicação — i.e., os algoritmos, o afrouxamento de leis trabalhistas e o sistema “just-in-time” (toyotismo).
Na realidade, as plataformas visam aumentar o controle sobre o processo produtivo e potencializar a extração de mais-valor de trabalhadores de áreas como: saúde, transporte, hotelaria, serviços, etc. Elas estabelecem um autogerenciamento subordinado, no qual o indivíduo arca com todos os custos e obedece todas as regras a ele impostas. Um dos principais artifícios das plataformas é a sua autodefinição como empresas de tecnologia e, não, como empresas de transporte de pessoas/alimentos ou de hotelaria. Tal definição propositalmente errônea é o que as protege como intermediadoras de serviços. Ora, os trabalhadores precisam lutar até pelo direito de assim serem chamados, pois não são clientes que utilizam um serviço que prospecta passageiros, entregas ou hóspedes!
No Brasil, durante os primeiros meses de isolamento devido à pandemia de Covid-19, a demanda por serviços de delivery cresceu e a resposta da plataforma iFood (líder no segmento) foi terceirizar o motoboy esporádico (categoria que existia até 2014), impondo carga horária fixa sem garantir direitos nem remuneração. Na prática, a empresa conseguiu suprir uma demanda crescente sem aumentar a remuneração, colocou um véu entre ela e o trabalhador e conseguiu desagregar os trabalhadores. Agora, os entregadores se dividem entre “OL”(aqueles que trabalham diretamente para um Operador Logístico e cumprem escala de trabalho) e “nuvem”(os que trabalham para o algoritmo e teoricamente podem fazer seu horário). Os OL — Operadores Logísticos — funcionam como jagunços, publicam escalas via grupos de Telegram (momento no qual o privilégio da servidão é desnudo), utilizam-se de ameaças, reprimem adesões a greves e a movimentos anti-precarização.
São muitos os casos nos quais os OL são fachadas para grupos de milicianos. Eis mais um retrocesso na luta por direitos dos entregadores: funcionam como uma terceirização do que já é precário; camuflam o iFood como intermediária, não como beneficiária final; desarticulam a organização política dos entregadores — a adesão à paralisação nacional do dia 25 de janeiro seria apenas dos trabalhadores “nuvem” em Belém — PA, por exemplo. A ideia de sua manutenção não deveria ao menos ser cogitada (não pela classe trabalhadora).
O que fazer, então? A resposta veio em 2020, pelo breque dos entregadores. Durante uma crise sanitária — quando as plataformas de delivery acentuaram seu processo de acumulação de capital — os trabalhadores mostraram o potencial organizativo de uma categoria cujo trabalho é baseado em minar o compartilhamento de experiências.
Isso nos leva à vitória da social-democracia em 2022, a qual abre portas para, após 6 anos de destruição neoliberal, os entregadores participarem de um processo regulatório que atenda suas demandas.
Reforço a atenção para a tendência conciliatória de um governo social-democrata, que na mesa tripartite de negociações que será formada por lideranças de entregadores e centrais sindicais, governo e plataformas pode representar uma manutenção dos interesses do capital financeiro — que controla as plataformas. Sabe-se do papel que algumas centrais sindicais têm na luta de classes e do quanto a desorganização é interessante à burguesia. A via institucional nunca foi e nunca será suficiente para acabar com as dores da classe trabalhadora. Se a luta aí continuar, “fim de Operadores Logísticos” não será a única demanda a ser abdicada (essa pauta nem é mais citada em matérias recentes e sua incorporação ao regime CLT já é discutido).
Os trabalhadores precarizados, em especial os plataformizados, necessitam de serem inculcados de seu papel de combatentes da vanguarda da digitalização do capitalismo; imbuídos de solidariedade de classe para não se distinguirem entre motoristas, entregadores “nuvem”/“OL” ou prestadores de serviços.
A resposta à utilização da tecnologia como ferramenta de controle e desorganização deve ser dada assumindo o controle da mesma tecnologia. Lembremos, não houve inovação tecnológica por parte das plataformas! Houve um avanço por parte do capital na luta de classes. A luta para expulsar essas empresas — frequentemente chamadas pela mídia hegemônica de “tábuas de salvação” — só pode ser travada por uma categoria organizada e consciente dos limites da social-democracia.
Assim, o trabalho de base e aproximação são necessários para disputar o coração e a mente desses trabalhadores (há muito conquistados pela ideologia dominante).
Devemos mostrar ao trabalhador precarizado a importância de ousar lutar e ousar vencer!
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