A realidade é teimosa
Crônica de Jeferson Garcia - militante do CNMO e do PCB em Maringá-PR
A realidade é teimosa e tem pressa. Um homem negro em uma ocupação urbana em Paiçandu, no Paraná, levantou a mão para fazer uma pergunta. Moradores vindos de todos os cantos estavam reunidos para ouvir um dos coordenadores, em uma das primeiras formações políticas, dos quinze dias de ocupação. Eram homens, mulheres, crianças. Haitianos, venezuelanos, brasileiros, pessoas em situação de rua, unidos pela vida que tantos os separa.
Todas essas pessoas buscavam realizar os seus sonhos de um teto, um território maior que a própria sombra onde se abrigavam. O coordenador falava sobre Marx, Lênin e um tal de Leninismo. Os olhos atentos, dos novos residentes daqueles prédios abandonados há dez anos, ouviam. Naqueles dias derrubaram a mata, alimentaram os animais, pediram doações para nutrir os mais necessitados dentre os necessitados. Foram julgados, criminalizados e suportaram a saliva ácida dos homens bons e das famílias de bem. Dividiram a água, inventaram banheiros. Sorveram o fumo juntos, traduziram as palavras uns aos outros. As crianças brincaram e voaram como os Urutaus. Na esquina os Urubus assistiam a tudo.
Os famintos por casa, não diziam nada e ainda assim falavam. O homem seguia com a mão erguida, enquanto ouvia sobre as lições do Leninismo. O coordenador segurava um exemplar, de capa verde, de O Estado e a Revolução, de Lênin. Dizia que era crucial que os camaradas entendessem a importância, de todos os moradores, avançarem em suas compreensões políticas, se banharem nas águas daquelas palavras revolucionárias. Seu desejo era de que tivessem fome de conhecimento. O homem seguia, teimosamente como a realidade, com o braço negro erguido. O coordenador lhe deu a palavra:
— Camarada, pode perguntar...
— Que dia nois vai podê pôr chuveiro?
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