A ADPF das Favelas e a luta por uma perícia independente e autônoma

Do Fórum Popular de Segurança Pública do RJ, especial para a Ponte Jornalismo

Defendemos a construção e consolidação urgentes de uma perícia técnico-científica fora dos marcos policiais, que viabilize a efetiva participação de vítimas e familiares em todas as etapas da investigação e processo judicial

Na quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar o julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, popularmente conhecida como a “ADPF das Favelas”. A ação constitucional foi protocolada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no ano de 2019 e tem como marco o protagonismo de organizações de favelas e movimentos de mães e familiares de vítimas do terrorismo do Estado — que atuam no processo como amicus curiae.

Por meio da  da ADPF 635, essas organizações e movimentos sociais fizeram chegar ao STF a sua luta histórica contra a violência de Estado, dirigida de forma seletiva e racista contra os territórios de favela, e o modelo de segurança pública sustentado na lógica bélica — que só tem produzido insegurança, dor e sofrimento para a maior parte da população do estado do Rio de Janeiro. Dentre as solicitações, o Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do RJ quer destacar a pauta por uma Perícia Independente.

A Perícia Independente como um dos temas da ADPF 635 possui hoje decisões internacionais como a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no Caso Favela Nova Brasília. Na sentença condenatória da Corte, foi determinado, entre outras medidas de reparação e não repetição, que o Estado reduza a letalidade policial e adote mecanismos normativos que garantam investigações sérias, eficazes e independentes em casos de violência policial — com destaque para a autonomia dos órgãos de perícia técnica e de medidas que viabilizem a efetiva participação de vítimas e familiares em todas as etapas da investigação e processo.

O Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do RJ vem, há cerca de dois anos, debruçando-se sobre o tema, a partir de processos de diálogos com movimentos de mães e familiares vítimas e especialistas no tema sobre perícias consolidando seu posicionamento. A vinculação da perícia-técnico-científica com as forças policiais gera uma série de restrições à sua atuação em virtude do seu posicionamento como órgão de acusação.

O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em relatório publicado em 2021, recomenda “a desvinculação do órgão de perícia técnica da estrutura da Polícia Civil, passando a constituir um órgão independente, não subordinado às Secretarias de Polícia e com dotação orçamentária compatível com as necessidades do serviço”. O Fórum Popular de Segurança Pública concorda com esse parecer e têm discutido que a saúde pública talvez pudesse ser esse local de uma perícia fora dos marcos policiais.

Hoje, a população negra e favelada permanece submetida à mesma dinâmica estabelecida quando da criação do “auto de resistência”, durante a ditadura empresarial civil militar: a culpabilização e criminalização da vítima; falta de transparência no procedimento investigativo (que é a marca histórica de tudo que envolve a política de segurança pública no país); órgãos periciais sem independência e diretamente subordinados à vontade dos perpetradores com a sistemática quebra da cadeia de custódia das provas coletadas; falta de participação ativa de familiares; e, ainda mais grave, a prevalência da justiça militar em quaisquer casos que não sejam comprovados enquanto homicídios dolosos — divergindo dos padrões estabelecidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A ausência de uma perícia autônoma e independente produz resultados que se explicitam ainda mais no devastador cenário de desaparecimentos forçados no Estado do Rio de Janeiro. Dados produzidos pela Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial em 2023 demonstram que aproximadamente 25% dos desaparecimentos no Estado estão situados na Baixada Fluminense e que há indícios da existência de pelo menos 92 cemitérios clandestinos em funcionamento na região.

Ouvir os familiares e seguir as pistas descobertas por eles é um passo fundamental da investigação desses casos, o que na prática não ocorre e faz com que este seja um cenário endêmico no estado.

Diante deste quadro, o Fórum Popular de Segurança Pública vem clamar ao Supremo Tribunal Federal que, dentre as suas decisões, aponte para a construção e consolidação de uma perícia independente e autônoma, fora dos marcos policiais.

Este texto foi escrito coletivamente pelos membros do Fórum Popular de Segurança Pública do Estado do RJ, que visa trazer para o debate público as comunidades mais diretamente afetadas pela questão da segurança publica no país.

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