Austeridade Fiscal e Juros Altos

Austeridade Fiscal e Juros Altos

Por: O Poder Popular ·

David Deccache - Doutor (UnB) e Mestre (UFF) em Economia. Assessor Econômico na Câmara. Diretor do IFFD.

É falso dizer que a austeridade fiscal é apenas consequência do Congresso e que a política de juros altos é exclusiva do Banco Central.

As políticas contracionistas — aumento da taxa Selic e busca pelo arrocho fiscal — são medidas estruturais e estruturantes do governo Lula 3, não meros erros conjunturais.

O objetivo formal e declarado, respaldado por ampla justificativa teórica em diversos documentos e pronunciamentos da equipe econômica, é desacelerar a expansão dos gastos primários e, consequentemente, o crescimento da economia, além de frear a rápida queda do desemprego que ocorre desde . O diagnóstico do governo é que estamos além do "desemprego natural" ou da Nairu, bem como acima do tal produto potencial, a fina flor do neoliberalismo em política macroeconômica.

Por falar nisso, a redução da taxa de desemprego que observamos desde 2021 tem sido impulsionada pela expansão fiscal, iniciada no governo Bolsonaro e ainda não completamente revertida por Lula.

O governo Lula, porém, já tentou implementar medidas mais duras para conter essa expansão. Exemplos não faltam: tentativas de ataques aos pisos da saúde e educação, e até ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). No entanto, essas iniciativas enfrentaram resistência no Congresso (pasmem, pagaram para o Confesso atacar o BPC e nem assim conseguiram) e na sociedade, impedindo que o governo impusesse um ajuste fiscal mais severo. O problema central para a política econômica do governo é que o desemprego está caindo rápido demais e o PIB está crescendo acima do esperado. Para equilibrar o jogo a favor do capital, é necessário que o poder de barganha da classe trabalhadora enfraqueça, limitando a pressão sobre os salários. E isso que eles tentam.

Essa é a lógica subjacente ao Novo Consenso Macroeconômico, que o governo federal adotou deliberadamente na sua interação entre política fiscal e monetária.

Nunca houve intenção real de se fazer algo diferente. Alimentar qualquer ilusão nesse sentido é apenas enganar a militância para justificar interesses eleitorais de curto prazo, desprezando a realidade econômica e as consequências para a classe trabalhadora.

Se o PIB e o desemprego estão caindo muito mais do que o esperado desde 2021, isso não significa que a política econômica de Guedes antes e de Haddad agora seja ideal para o povo. Basta olhar os números: a taxa de desemprego caiu 7 pontos percentuais nos dois últimos anos de Bolsonaro e mais 2 pontos nos dois primeiros de Lula 3. O que isso significa? Que Guedes e Haddad são de esquerda?

O problema para o governo e para o mercado é que o Novo Arcabouço Fiscal (NAF) ainda não conseguiu reverter essa trajetória, como mostram os dados de expansão dos gastos primários. A meta do governo era um crescimento real de 2,5% ao ano, mas em 2023 os gastos subiram mais de 12% e, em 2024, já cresceram mais de 6% — muito acima do limite pretendido. É esse descontrole que leva o capital a atacar pisos da saúde, educação e BPC.

No campo monetário, o governo Lula também tem total responsabilidade. Quem define a meta de inflação de 3% no Conselho Monetário Nacional (CMN) — um patamar descolado da estrutura de preços do Brasil — é o próprio governo federal. Essa meta artificialmente baixa obriga o Banco Central a manter uma política de juros altos, já que seu modelo convencional exige apertos sucessivos sempre que a inflação ultrapassa a meta. Com a inflação rodando em 4,7%, acima até do teto, o BC tem que manter uma política restritiva, e é exatamente isso que Gabriel Galípolo, dando continuidade à gestão de Campos Neto, está fazendo. Esse aperto monetário está em total sintonia com a tentativa frustrada de Haddad de conter a expansão fiscal.

No fim das contas, a política econômica do governo não busca crescimento e pleno emprego — busca desacelerar a economia. A única coisa que evitou um ajuste mais duro até agora foi o fracasso do NAF em conter a expansão dos gastos. O resto é narrativa para enganar. Falta honestidade no debate.

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