Bahia: entre o sincretismo e o racismo religioso

Por Amanda Neves

Salvador, protagonista de uma das maiores cenas religiosas do mundo, a festa do Senhor do Bonfim da Bahia, em uma celebração ecumênica ao santo no catolicismo e ao orixá (Oxalá) em tradições religiosas de matriz africana. A cidade também abriga igrejas como a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no Pelourinho, construída em 1704 por negros integrantes da Irmandade dos Homens Pretos. Em suas celebrações, a igreja possui uma liturgia muito singular, com elementos ritualísticos que mesclam as tradições de fé católica, bem como, instrumentos de percussão muito presentes no candomblé. No entanto, a capital baiana traz consigo as contradições entre fé e intolerância, sendo palco de racismo religioso, a exemplo do incêndio em dezembro de 2022 da estátua de Mãe Stella de Oxóssi, segundo a prefeitura, fruto de vandalismo, a imagem foi restaurada e reinaugurada em agosto de 2023. Outro exemplo desta natureza, foi a morte de Mãe Bernadete em 17 de agosto do ano passado, assassinada na sede da associação quilombola, na comunidade de Pitanga dos Palmares, no município de Simões Filho (Ba), ainda, o caso recente no metrô de Salvador (Ba) em 15 de janeiro deste ano, onde uma jovem candomblecista é verbalmente ofendida por homem cristão por ela estar utilizando fio de contas no pescoço.

Na tentativa de inibir práticas que violem o direito de crença, foi estabelecido o dia 21 de janeiro como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, esta data fixada a partir da lei 11.635/2007. A data homenageia a Ialorixá Mãe Gilda, fundadora do terreiro de candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, em Itapuã, na cidade de Salvador (Ba) falecida em 21 de janeiro de 2000, a causa da morte foi devido a problemas cardíacos possivelmente por trauma sofrido diante de agressão verbal e invasão de seu terreiro por praticantes de outras religiões.

Ainda que tais práticas sejam crime no Brasil, é bastante comum que pessoas sofram algum tipo de violência devido à sua manifestação religiosa, de acordo com dados de 2022, o Ministério dos Direitos Humanos apontou que ataques relacionados à religião aumentaram em 45% em relação aos dois anos anteriores. Os dados nos mostram o quanto muitos dos crimes cometidos por esta razão estão relacionados a discursos de ódio, infelizmente bastante crescente no país, sendo legitimado por algumas frentes políticas de extrema-direita que vem assumido o poder, seja no legislativo (por exemplo, Câmara dos Deputados) ou do executivo (por exemplo, Presidência da República).

Ainda que na Constituição Federal de 1988, dispõe acerca da liberdade religiosa, onde ninguém deve ser discriminado/a por sua fé, contudo, nas experiências sociais é possível perceber inúmeras posturas que se põem contrárias ao que apresenta a Lei. Algumas ações precisam ser tomadas para garantir efetivamente a liberdade das pessoas possuírem ou não alguma crença. Uma das alternativas, maior punição àqueles/as que cometerem algum tipo de violência em razão do exercício da fé da outra pessoa, como já sancionada na lei de 2023 que aumenta a pena de dois a cinco anos de prisão para quem cometer tal ato, alterando esta e outras medidas já previstas na Lei do Crime Racial. Para além da letra da lei, preparo de funcionários e órgãos públicos para atenderem e darem a devida seriedade às denúncias feitas. Outra ação, das mais importantes, adotar como prática cotidiana nas escolas o ensino de história e cultura afro-brasileira para desmistificação e a não demonização das religiosidades africanas e apresentação positiva da população negra em todos os seus aspectos, assim como nas religiões influenciadas pelas experiências de fé advindas de África através dos nossos/as ancestrais africanos/as que formaram e formam a pluralidade de crenças existentes no Brasil.