
Baobá, 21 de março e Lumumba: a ONU, nunca!
Por Jeferson Garcia, secretário político do Coletivo Negro Minervino de Oliveira e militante do PCB Maringá.
A mão que afaga entrega o serrote que derruba a árvore. O baobá é uma árvore símbolo da África. No Brasil existem poucas. Elas são, no mundo todo, símbolos das religiões de matriz africana, vindas e plantadas desde a época dos tumbeiros. Ela é como a memória, alegoria de longevidade, uma vez que pode sobreviver por mais de mil anos, como qualquer sonho de liberdade. Alguns povos da África acreditam que enquanto ela existir a memória de sua tradição também resistirá.
Em 21 de Março se comemora o Dia Internacional para eliminação da discriminação racial. A data foi promulgada pelas mãos da Organização das Nações Unidas (ONU) e surge em memória à tragédia, do massacre de Shaperville, que ocorreu em 1960, em Joanesburgo, capital da África do Sul. Totalizaram 69 mortos e 186 feridos, vítimas por lutarem contra o apartheid (1948-1994). Naquele dia, mais de 20 mil protestavam contra a “lei do passe”, que tornava obrigatório o uso de cartões de identificação para pessoas negras. Esse “passe” dizia por onde elas podiam ou não circular, mostrando os dentes do racismo sobre a mobilidade e o espaço urbano. A voz da ONU falou mais alto e definiu a data no calendário da luta antirracista.
Às vezes os melhores presentes se vestem de cooptação e apassivamento – e não percebemos. Na mesma época a suprema corte dos EUA debatia a importância de se apaziguar as relações raciais no país, tendo em vista o perigo vermelho do outro lado do mundo. Era preciso apresentar uma imagem “mais democrática” contra o perigo comunista. Em 1951, a Suprema Corte dos EUA debateu se a segregação racial era ou não constitucional. O Departamento de Estado enviou um relatório aos juízes defendendo a inconstitucionalidade, caso contrário, a decisão poderia favorecer o crescimento de movimentos comunistas e revolucionários dentro do próprio país. Nada foi espontâneo, mas por medo do movimento comunista. Por isso, os EUA tiveram de melhorar a sua postura em relação a alguns aspectos da segregação racial, devido as críticas internacionais sobre o caráter verdadeiramente democrático de um país extremamente racista. Havia uma preocupação com a imagem negativa. E ela se tornou, sem dúvidas, um assunto de segurança de Estado. E, também, um assunto da
ONU.
Agora, o outro lado da moeda. No sol quente, de uma tarde triste, a poeira carregada de soldados abriu o caminho para o fim do mundo. Em 17 de janeiro de 1961, Patrice Lumumba (1925-1961), líder de independência do Congo, foi torturado e assassinado pelas mãos Belgas, mãos de Washington, mãos portuguesas e, pasmem, pelas mesmas mãos da ONU, que estavam com suas tropas na África e permitiram, concederam, o ataque contra Lumumba. A tempestade imperialista derrubou a árvore. O silêncio da ONU falou mais alto e definiu a data no calendário da luta antirracista, com as mãos sujas de sangue, com flores sobre a lápide da África e com o serrote imperialista, pois Lumumba não morreu sozinho.
Quando Baobá tomba, cai também um galho de esperança nos corações que sabem que a liberdade é o chão livre para que as árvores e flores floresçam de outono a outono, de outubro a outubro. A ONU, ainda hoje, decide o nome que se escreve e o que se apaga, o que se lembra e o que devemos esquecer. Como nossa voz deve sair, sem incômodo. O tom, o timbre. O problema é quando ousamos desrespeitar as maneiras com que pedem que lutemos. Era tempo de guerra fria, de Cuba, de Malcolm X, de URSS. Um homem que não pode ser comprado, assim como os sonhos, precisa morrer. O dinheiro fala alto, mas quando os revolucionários não ouvem, sequestra-se o corpo, corta-se a língua e os ouvidos, enterram a árvore, o mundo e suas ideias.
Mas Baobá é memória, valente. Ela não se cala diante do nome dos outros, mesmo depois de morta. Suas folhas sobrevivem e armam voos como os sonhos africanos, que choraram ao ver seu urânio roubado nas bombas de Hiroshima. A árvore sabe: não há luta e nem memória do 21 de março sem o 17 de janeiro, sem a memória dos massacres que matam no Brasil, pois o sangue ainda escorre e é ele, como seiva, que colore a tinta de nossa caneta.
Este não é um ensaio sobre o silêncio, afinal, nossa boca ainda se lembra como chamar seu nome, Lumumba. Que o mês de março possa ser lembrança, que o símbolo seja a ousadia dos 20 mil pés em Shaperville. Mas a ONU, nunca. A liberdade do povo negro não existe na linguagem da ONU, eles nunca saberão. O baobá nunca deixará de nos confortar e dar o descanso com sua sombra, para seguirmos a batalha e nos lembrando sempre que o serrote imperialista não pode definir as nossas palavras de ordem, terceiro-mundistas, nem como e quando lutamos. Ainda veremos, no galho de um baobá antigo, plantado por nós, o mundo velho pendurado pelos tornozelos, balançando na corda como um fascista, enquanto escapa
da nossa garganta o mundo novo, ácido como uma gastrite, cheia de memória das úlceras, com os nomes e datas que nós decidiremos.
Baobá sopra ao vento: a ONU, Nunca! A memória não pode esquecer que a mão que afaga é a mesma que entrega o serrote que derruba a árvore.
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