Brasil: a luta de classes em campo aberto

Brasil: a luta de classes em campo aberto

Por: O Poder Popular ·
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Edmilson Costa – Secretário Geral do PCB

A crise militar, a crise humanitária, a crise econômica, social e política no Brasil são as expressões concentradas da crise orgânica do capitalismo brasileiro que envolve o país há cerca de quatro décadas e que vem esgarçando o tecido social brasileiro e provocando uma série de fenômenos nunca observados na história brasileira, pelo menos desde o pós-guerra.

Como se trata de uma crise originária de múltiplas determinações, em algum momento se apresenta como uma crise econômica, em outro como uma crise militar ou ainda como uma crise política, humanitária, social e assim por diante. Mas todos esses fenômenos que emergem da conjuntura têm uma única raiz orgânica – a crise do capitalismo brasileiro. Em artigo anterior, elenquei alguns elementos que compõem essa crise orgânica. Portanto, não repetirei os argumentos anteriores, apenas prometo que, em momento oportuno, irei elaborar um ensaio mais aprofundado sobre esse fenômeno.

Vale compreender que, ao longo das quatro décadas de regressão econômica, os gestores do capital tentaram reorganizar o capitalismo brasileiro, de forma a repactuar o novo papel da economia na divisão internacional do trabalho diante da internacionalização da produção, das finanças e da emergência das novas tecnologias no interior da produção nos países centrais. Mas essa tentativa pode ser considerada um rotundo fracasso para a economia e o povo brasileiros.

O Brasil registrou nas quatro décadas um processo de estagnação econômica, com um crescimento medíocre, muito diferente do período decorrido entre 1930 e 1980, quando a economia cresceu a uma média de cerca de 6%, apesar da elevada concentração de renda. Foram praticamente quatro décadas perdidas, à exceção do moderado crescimento no período Lula.

Essa política também provocou um lento processo de desindustrialização, com a extinção de vários elos das cadeias produtivas e mesmo de muitos ramos industriais. Em contrapartida, alavancou a cadeia do agronegócio, com uma agressiva campanha publicitária (“O agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo”) e colocou o sistema financeiro como instrumento privilegiado no saque do fundo público e na formulação da política econômica a favor dos empresários, banqueiros e especuladores.

Do ponto de vista social, o resultado desse ciclo neoliberal foi a redução dos direitos, o confisco dos salários dos trabalhadores, o encolhimento do mercado interno e aprofundamento da miséria e da fome no país. Essa é a raiz da crise brasileira. Portanto, só observando esses elementos de fundo poderemos compreender a crise, o movimento das diversas forças sociais, bem como a hierarquia dessas crises a cada momento da conjuntura.

A vitória eleitoral de Lula abriu espaço para uma mudança na correlação de forças, especialmente após os episódios de 8 de janeiro, mas não podemos esquecer que o bolsonarismo ainda mantém apoio em vastas camadas militares, em setores da burguesia, especialmente no agronegócio, entre os especuladores financeiros, na institucionalidade, entre lideranças das igrejas pentecostais, nas milícias, além de importantes apoios em setores médios conservadores, no lumpesinato e até no proletariado.

Em outras palavras, a vitória eleitoral de Lula foi importante, mas como a história tem nos ensinado, uma mudança efetiva na conjuntura e na luta contra o fascismo depende tanto das ações políticas do governo Lula, quanto principalmente da entrada em cena das massas organizadas na luta por mudanças. Não se derrota o fascismo com bons modos, nem se convence a burguesia a abrir mão de seus interesses em nome da justiça.

O tempo quente dos primeiros dias

Desde que foi anunciada a vitória de Lula, o Brasil passou a viver um clima permanente de tensão, com ameaça de golpe de Estado pelas forças de extrema-direita. Bolsonaro, em seu mundo paralelo, acreditava verdadeiramente que seria reeleito. Afinal, ao longo dos quatro anos, o governo trabalhou diariamente por sua permanência por mais quatro anos no governo. E como todos viram, nos momentos finais do pleito, utilizou da maneira mais escandalosa a máquina pública, prefeitos e governadores e o empresariado para ganhar a eleição de qualquer forma. Basta lembrar o episódio da Polícia Rodoviária Federal parando os ônibus no Nordeste, onde Lula tinha grande maioria dos votos, visando a reduzir a participação dos eleitores no pleito, bem como os empresários chantageando os empregados e os prefeitos reunindo os beneficiários do Bolsa Família para votarem em Bolsonaro.

Como o resultado lhe foi desfavorável, mas muito apertado, Bolsonaro e sua trupe de velhos generais de extrema-direita e fascistas no interior do Estado, inconformados com o cômputo final dos votos, buscaram um atalho para reverter o resultado eleitoral. Mas realizaram um atalho desesperado, porque a maior parte da institucionalidade (Câmara, Senado, STF, principais meios de comunicação) e as lideranças internacionais reconheceram a vitória de Lula, isolando a extrema-direita.

Bolsonaro permaneceu várias semanas mudo, sem aceitar a derrota, mas na calada da noite conspirava freneticamente para reverter o resultado das urnas e estimulava seus seguidores a se manter mobilizados, insinuando que algo iria acontecer. Esses fatores explicam os acampamentos em frente aos quartéis, o tumulto que ocorreu em Brasília no dia da posse de Lula e a tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Os golpistas, que há tempos vinham pedindo uma intervenção militar, decidiram acampar em frente aos quartéis em todo o território nacional, com a anuência dos comandos dessas unidades militares. Transformaram esses acampamentos em laboratório de preparação de um golpe, especialmente em Brasília, onde ficava o Comando Militar. Para tanto, tinham apoio organizado de financiadores empresariais, que lhes forneceram toda a infraestrutura para permanecer no local, como barracas confortáveis, banheiros químicos, colchões, fogões, comida à vontade e apoio logístico da caserna, com a participação inclusive de esposas e parentes de militares. Parecia um piquenique verde-amarelo.

No dia da posse de Lula, sob o pretexto de libertar um manifestante que fora preso, os acampados tentaram invadir a sede da Polícia Federal e, como não conseguiram, iniciaram um quebra-quebra nos arredores, com a destruição de vidraças de prédios e lojas e incêndio de vários ônibus e automóveis que encontravam pelo caminho, espalhando o pânico pela cidade durante várias horas. Os golpistas tentaram até realizar um atentado terrorista, ao colocar uma bomba num caminhão carregado de gasolina próximo ao aeroporto. Felizmente, o motorista, ao revisar a carga, avistou o artefato e comunicou à polícia. Isto evitou uma catástrofe humana, porque se tivesse explodido seria uma tragédia, com dezenas de mortos. O mais incrível é que a Polícia de Brasília (grande parcela simpatizante do bolsonarismo) assistiu a tudo de braços cruzados e ninguém foi preso, um comportamento muito diferente de sua atuação diante das manifestações populares, onde a repressão é prática generalizada. Esse foi o ensaio geral para a tentativa de golpe do início de janeiro.

Dia 8 de janeiro, domingo. As pessoas ainda estavam se preparando para o almoço quando foram surpreendidas pelos noticiários informando que milhares de pessoas, vindas de vários Estados do Brasil, vestindo verde amarelo e enroladas na bandeira do Brasil, estavam invadindo o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, símbolos do poder em Brasília. O levante golpista estava em marcha. Para o público em geral era realmente uma surpresa, mas esse foi um movimento tramado a partir do acampamento em frente ao quartel militar de Brasília, onde comandos bolsonaristas organizaram o levante. As caravanas foram financiadas por empresários de extrema-direita, com centenas de ônibus fretados saindo de várias partes do país, com tudo pago e promessas de uma boa estadia em Brasília. Para disfarçar, elaboraram uma senha para justificar as caravanas – todos vinham para a “Festa da Selma”.

Os órgãos de inteligência chegaram a identificar o movimento e comunicar às autoridades de Brasília, mas o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e então Secretário de Segurança da capital federal, Anderson Torres, em vez de tomar providência para garantir a segurança das instituições, saiu de férias para os Estados Unidos, colocou de folga vários coronéis da polícia, e não montou qualquer esquema policial diante das ameaças identificadas pela inteligência. Sabia perfeitamente dos planos golpistas, mas espertamente procurava afastar, com a viagem, sua responsabilidade com o que viesse a acontecer. Por isso, quando os golpistas invadiram o Congresso, O STF e o Palácio do Planalto, não encontraram resistência policial porque os responsáveis colocaram apenas pequenos contingentes policiais sem a menor condição de conter a invasão golpista.

Pelas cenas mostradas na TV, foi praticamente um passeio o processo de invasão, com o agravante de que policiais ajudaram os manifestantes a chegar ao Planalto e muitos não só cruzaram os braços diante da invasão, mas até se confraternizaram com os invasores. Ao longo de mais de três horas, os vândalos depredaram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto, com uma fúria típica dos fascistas, pois não quebraram apenas móveis e vidros, mas relíquias históricas como o relógio doado por D. João VI, furaram obras de arte de Di Cavalcanti e quebraram esculturas históricas. Quando o governo Lula decidiu intervir na segurança de Brasília e os golpistas foram expulsos, o interior das instituições invadidas parecia um ambiente de terra arrasada, tamanha a destruição realizada pelos golpistas.

Uma invasão nada espontânea

Apesar da aparente espontaneidade, o movimento não tinha nada de espontâneo. Grupos organizados, especializados e perfeitamente conscientes dos objetivos da invasão comandaram a manifestação golpista. Sabiam perfeitamente por onde entrar e o que depredar. Seu objetivo era claro: criar uma situação de caos, de tomada de símbolos do poder e provocar uma intervenção do Exército ou mesmo a edição de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem), uma medida que é operada pelas Forças Armadas. Se o governo Lula tivesse optado pela GLO se tornaria refém dos militares e perderia completamente a autoridade que ganhou nas urnas. Habilmente, Lula optou pela intervenção na Secretaria de Segurança de Brasília, e essa decisão mudou a conjuntura, pois o interventor nomeado por Lula imediatamente colocou a Polícia sob seu comando e iniciou a desocupação dos prédios, o que foi concluído algumas horas depois.

Isso demonstra claramente que só ocorreu a invasão porque a polícia e o batalhão militar responsável pela segurança do Planalto simplesmente deixaram que tudo acontecesse porque também estavam de acordo com o golpe. Grande parte do que aconteceu pode ter uma explicação pelo fato de que o governo Lula estava iniciando o mandato e ainda não tinha trocado a maior parte do pessoal militar do antigo governo, o que facilitou a conspiração.

Para se ter uma ideia da simpatia de setores das Forças Armadas com Bolsonaro basta dizer que o então comandante do Exército, general Arruda, quando a polícia foi desalojar e prender os golpistas que estavam acampados em frente ao quartel-general, colocou tanques protegendo os acampados e impediu a polícia de prendê-los, mesmo com a ordem do STF para detê-los, chegando a ameaçar, segundo noticiou a imprensa, que tinha mais tropas que as forças policiais que vieram prender os golpistas. Somente no outro dia pela manhã os golpistas que estavam acampados foram presos.

A decisão rápida do governo em intervir na segurança de Brasília foi fundamental para a derrota dos golpistas. Mas os meios de comunicação também tiveram um papel importante nesse processo noticiando os atos e condenando os golpistas. A tentativa de golpe também foi condenada internacionalmente pelos dirigentes dos países centrais. Da mesma forma, os presidentes do Senado e da Câmara condenaram a invasão. O Supremo Tribunal Federal também foi rápido no contra-ataque. Ordenou a prisão dos golpistas, do secretário de segurança por sua omissão (este voltou dos Estados Unidos e se entregou) e afastou o governador de Brasília por 90 dias também em função da omissão diante dos acontecimentos e abriu inquérito para identificar os financiadores.

Quando a polícia realizava um pedido de busca e apreensão na casa do ex-ministro Anderson Torres, encontrou uma minuta do golpe, um documento com todas as medidas para realizar o estado de exceção, como a implantação do Estado de Defesa, a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral, a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal, com a consequente anulação das eleições. Até agora essa é a prova mais concreta de um golpe em movimento, fracassado possivelmente por falta de apoio nacional e internacional. As investigações estão em curso e, quem sabe, mais para frente se ficará sabendo de mais bastidores da trama golpista.

Mas o acontecimento que mais contribuiu para a perspectiva de mudança na correlação de forças em favor das forças democráticas foi a demissão do comandante do Exército. Bolsonaro tinha nomeado seu ajudante-de-ordens para comando de uma unidade especial do Exército próximo de Brasília, o que seria uma ameaça constante ao novo governo. Lula queria anular a nomeação, mas o comandante do Exército se recusava e então o presidente ordenou sua demissão e nomeou um general que dias antes tinha feito um discurso de caráter legalista, o que significava um fato raro na conjuntura que o país estava vivendo. A troca do comando do Exército não apenas contribui para restaurar a autoridade civil, como também serve para reduzir as tensões no interior das Forças Armadas. Mas muito ainda precisa ser feito para desmontar o bolsonarismo na caserna e mudar a formação dos militares brasileiros.

Derrota moral e política dos golpistas

De qualquer forma, a tentativa de golpe de 8 de janeiro, do ponto de vista político, foi uma derrota moral e política para os bolsonaristas, que desde então perderam a iniciativa e estão na defensiva. A derrota moral vem do fato de que toda a propaganda direitista de que a esquerda era baderneira, quebrava tudo, era terrorista, foi por água abaixo. Aconteceu com a extrema-direita exatamente aquilo de que a esquerda era acusada permanentemente. Ainda tentaram desesperadamente, através de fake news, dizer que a baderna que ocorreu em Brasília era coisa de esquerdista infiltrado entre eles. Mas essa mentira foi tão absurda que se transformou num argumento ridículo e eles tiveram que recuar e amargar a ressaca do desespero.

A derrota política pode ser vista pelo fato de que, a partir da tentativa de golpe, as forças de extrema-direita ficaram na defensiva, politicamente enfraquecidas perante a sociedade, especialmente porque os meios de comunicação continuam revelando detalhes dos atos golpistas e centenas de bolsonaristas estão presos, inclusive muitos de seus financiadores. Não se pode esquecer que os próprios bolsonaristas contribuíram para facilitar seu indiciamento, pois a grande maioria, no momento da invasão, talvez embriagados pelo senso de impunidade que grassou durante todo o governo Bolsonaro, filmaram os atos de vandalismo, produzindo assim provas concretas contra si mesmos. Além disso, as pesquisas de opinião demonstraram uma rejeição da sociedade aos atos de 8 de janeiro. Isso não significa que o bolsonarismo esteja morto. Pelo contrário, esse é um movimento que ainda levará tempo para ser definitivamente derrotado na sociedade brasileira.

Outro elemento importante que tem contribuído para desmoralizar os bolsonaristas é a crise humanitária. Os quatro anos do governo Bolsonaro significaram para as comunidades indígenas um tempo de terror, doenças, mortes e fome, pois suas terras foram invadidas pelos donos de garimpos e garimpeiros, que derrubaram as árvores, envenenaram os rios e o solo com mercúrio e assassinaram líderes indígenas que realizavam resistência à devastação. Com a redução da floresta, a caça também ficou reduzida. Com os rios e o solo envenenados, aumentaram as doenças e regrediu a capacidade de produção da terra indígena. O resultado não poderia ser outro senão a tragédia humana veiculada diariamente pelos meios de comunicação, muito semelhante ao que ocorreu nos campos de concentração nazistas.

O próprio ex-presidente e o ex-ministro do Meio Ambiente estimulavam a devastação da floresta, a garimpagem de minérios e a invasão das terras indígenas. Bolsonaro é um inimigo histórico dos povos originários e da demarcação de suas terras e chegou mesmo a elogiar os Estados Unidos por terem dizimado os indígenas por lá: “A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente sim foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país”. Portanto, o que está acontecendo agora com o povo Yanomami não é nenhuma crise resultante de um drama da natureza, mas um projeto organizado e desenvolvido meticulosamente pelo governo Bolsonaro para extinguir os povos indígenas, começando pelos Yanomami, cuja reserva demarcada era a maior do Brasil.

Bolsonaro também foi conivente e participante da corrução, tanto que sua administração, apesar da lorota de que não existiam práticas ilícitas no governo, foi um dos períodos mais corruptos da história moderna brasileira, envolvendo não só seus ministros e altos funcionários, mas principalmente a família do presidente. Além disso, foi conivente com a roubalheira promovida pelo grande capital, porque praticamente desmantelou os órgãos de fiscalização. Agora começam a aparecer os escândalos como o das Lojas Americanas, envolvendo um trio de gatunos bilionários bolsonaristas, a dívida astronômica das Lojas Marisa e a negociata fraudulenta da privatização da Eletrobrás, uma verdadeira bandidagem, conforme disse o presidente Lula.

À medida em que se forem desvelando os porões da administração bolsonarista, novos escândalos vão aparecer para provar mais uma vez que os discursos contra a corrupção eram apenas uma cortina de fumaça para que os corruptos agissem com a certeza da impunidade. Um dos elementos que podem colocar a céu aberto a corrupção orgânica do governo Bolsonaro é o fim do sigilo de 100 anos em que Bolsonaro colocou suas principais ações, como já se pode ver com o verdadeiro absurdo envolvendo os gastos do cartão corporativo do governo. As cenas dos próximos capítulo deverão ser muito emocionantes.

A luta de classes em campo aberto

Em termos políticos, o Brasil vive um período de luta de classes em campo aberto, com uma disputa polarizada entre dois grandes blocos e frações de classe. Uma primeira luta ocorre entre a extrema-direita e as forças democráticas e de esquerda: os neofascistas buscam permanentemente tumultuar a conjuntura, tanto com ações desesperadas, como o 8 de janeiro, quanto com as fakes news, cujo centro operacional continua atuando diariamente, muito embora sem a estrutura institucional do período anterior. De outro, as forças democráticas e de esquerda buscando tomar a iniciativa, reprimir os responsáveis pela tentativa de golpe, denunciar as atrocidades do governo Bolsonaro, retirar os fascistas do aparelho do Estado e consolidar as liberdades democráticas.

Mas seria um equívoco grave imaginar que a derrota das forças de extrema-direita pode ser realizada apenas pela institucionalidade. Essas forças só serão derrotadas com a pressão organizada das massas nas ruas. Quanto mais rápido as massas se colocarem em movimento, melhores serão as condições para uma mudança na correlação de forças, tanto entre liberdades democráticas e fascismo quanto na perspectiva dos interesses populares nas ações governamentais. Até agora têm sido positivas as investigações e prisões dos golpistas, mas é fundamental que o processo de investigação atinja não apenas os operadores que estiveram em Brasília no dia 8 de janeiro, mas toda a cadeia de comando, que envolve os financiadores, os autores intelectuais e inclusive todos os militares que foram coniventes, apoiaram ou participaram ativamente da aventura golpista. Sem perdão ou anistia para todos os golpistas, independentemente da patente ou do poder econômico.

Outra disputa que ocorre no interior da crise brasileira se dá entre a burguesia e o movimento social e popular. Derrotado e neutralizado o fascismo, esta será a disputa principal que deverá se estender por todo o mandato do presidente Lula. Apesar de que a luta entre fascismo e democracia tenha até agora maior espaço na imprensa, a disputa que vai definir o caráter do governo Lula será sua política econômica e social. Essa batalha se expressa em dois vetores: a) na pressão da burguesia para capturar a agenda econômica do governo e manter intacto o modelo neoliberal, com apenas algumas migalhas de compensação social para os trabalhadores e a população; b) nos interesses populares representados pelo movimento social e popular que, mesmo ainda fragmentado, votou em peso em Lula querendo mudanças profundas no modelo econômico.

A burguesia, desde o período eleitoral e especialmente após a vitória de Lula, vem procurando de todas as formas manter a velha política econômica que sangra o país, premia os especuladores, ataca os trabalhadores e restringe o mercado interno desde o início dos anos 90. Para tanto, se utiliza de todo o aparato institucional, principalmente os meios de comunicação e seus porta-vozes como instrumento de pressão, mediante a velha catilinária da responsabilidade fiscal, o fantasma da inflação, a fuga de investimento e a continuidade da estagnação econômica. Se o governo ceder à chantagem e não mudar a política econômica na perspectiva dos interesses populares, deverá ter o mesmo destino do período anterior, quando a burguesia não só ganhou rios de dinheiro como acumulou forças até o momento em que se sentiu forte o suficiente para derrubar o PT e aprofundar o modelo neoliberal.

No outro ponto da disputa está o movimento social e popular, que votou em Lula na expectativa de mudanças em favor dos interesses populares, pela revogação das contrareformas e do teto dos gastos, retomada do crescimento com justiça social, ampliação do emprego, fim da miséria e da fome e a recuperação dos salários, entre outros pontos. Não se pode esquecer que a crise social brasileira é dramática: são mais de 15 milhões de trabalhadores desempregados (incluindo o desemprego oficial e o oculto), 33 milhões nas filas da fome, disputando ossos nos lixões e mendigando pelas cidades, cerca de 38 milhões na informalidade e a miséria generalizada entre as massas da periferia, além dos milhões de sem teto e sem terra.

Como temos afirmado, uma situação dessa ordem não pode permanecer indefinidamente sem que as massas se levantem contra a opressão, especialmente se levarmos em contra que essa tragédia social ocorre num país que está entre as 10 maiores economias do mundo e com uma população vivendo em mais de 80% nas cidades, especialmente nas regiões metropolitanas. Esse imenso contingente de marginalizados sociais foi o principal responsável pela vitória de Lula nas recentes eleições e seus votos representaram a necessidade de rompimento com essa política que vem massacrando os trabalhadores e a população pobre e que fez o Brasil voltar ao mapa da fome. Portanto, essa massa de marginalizados e oprimidos não irá permanecer de braços cruzados se não houver uma mudança na política econômica e não se contentará apenas com as migalhas que foram distribuídas no período anterior dos governos do PT. O levante de 2013 pode ser considerado apenas uma amostra do que poderá acontecer se essas demandas não forem atendidas.

Nessa perspectiva e diante da nova conjuntura, é importante levarmos em conta que há espaço para a emergência do movimento social e popular como protagonista da nova conjuntura. Para as forças que lutam pelas transformações na sociedade brasileira este é um momento especial para se avançar no trabalho de base visando colocar as massas em movimento, de forma a evitar o que ocorreu no passado, quando o governo petista substituiu a luta de massas nas ruas e locais de trabalho pela luta institucional, cooptou o movimento social, apassivou e despolitizou a sociedade. O resultado desse processo todos conhecemos e não se pode repetir, sob pena de amargarmos um longo processo de frustrações e derrotas como ocorreu recentemente. As lições desse passado amargo são importantes tanto para termos clareza do que não deve ser feito quanto para organizarmos o futuro.

As armadilhas da conjuntura

Estamos diante de uma conjuntura complexa, difícil, com armadilhas variadas, mas com possibilidades para o movimento operário e popular. Para se navegar num ambiente dessa dimensão é fundamental não se perder de vista o norte estratégico e os elementos de fundo da conjuntura, de forma a que se possa atuar no sentido de fazer avançar as conquistas e a organização popular. Para os comunistas, nosso norte estratégico foi definido no XVI Congresso e, como a história tem nos ensinado, a estratégia é a carta náutica que ilumina os movimentos táticos, tanto para a realização do trabalho político de base junto aos trabalhadores, a juventude e o povo pobre das periferias, quanto para se evitar cair no reformismo, sempre levando em conta o ânimo das massas e sua disposição de participar das lutas.

É importante voltarmos a enfatizar que a crise orgânica do capitalismo brasileiro não pode ser resolvida com medidas paliativas ou conciliação com as classes dominantes. Afinal, a burguesia brasileira foi a principal responsável pela implementação do ciclo devastador neoliberal de mais de três décadas e não vai abrir mão dos seus interesses se não for obrigada através da pressão organizada das massas. Querer conciliar os interesses da burguesia, viciada na truculência e na superexploração, com as necessidades das massas que votaram pelas mudanças é uma tarefa praticamente impossível. Se o governo insistir nessa ilusão terá como resultado não só o fortalecimento das forças conservadoras, inclusive da extrema-direita, como poderá colher o mesmo resultado do ciclo anterior, com a captura da política governamental pela burguesia ou mesmo a queda do governo, além da frustração que ocorrerá no movimento social e popular. Já vimos esse filme em passado recente.

Portanto, o fenômeno político-social que pode mudar a correlação de forças e derrotar esse modelo econômico destruidor da economia, dos direitos e salários dos trabalhadores, da miséria e da fome e construir uma nova economia baseada nos interesses populares é a entrada em movimento da luta organizada das massas nas ruas, locais de trabalho, moradia e estudo. Esta é a coluna vertebral para qualquer mudança na correlação de forças, sem a qual o governo dificilmente será capaz de realizar as transformações que o país necessita. Não existe possibilidade de romper a armadilha neoliberal das últimas três décadas sem resolver a questão social, revogar as contrareformas, o teto dos gastos e a lei de responsabilidade fiscal e proceder a reapropriação pelo Estado das empresas estratégicas privatizadas na bacia das almas, com o objetivo de resgatar o interesse público em relação ao privado. Sem essas medidas iniciais a crise orgânica vai continuar e ressurgirá com mais intensidade em um futuro não muito distante.

Não podemos também deixar de registrar outro elemento importante da conjuntura, que é a disputa geopolítica do imperialismo com o eixo China-Rússia-Eurásia e que terá impactos em toda a periferia capitalista, inclusive no Brasil. O imperialismo em declínio, próximo a sofrer uma derrota na guerra da Ucrânia, está cada vez mais agressivo e vai buscar de todas as formas enquadrar sua reserva estratégica, que é o continente americano. Como o governo vem desenvolvendo uma política externa com autonomia relativa, isso pode entrar em choque com as pretensões hegemônicas dos Estados Unidos. No passado isso até foi tolerado porque não existia a crise que agora estamos testemunhando, mas agora o imperialismo em crise com certeza vai endurecer sua posição e exigir fidelidade aos interesses de Washington.

As recentes declarações da subsecretária para assuntos políticos do Departamento de Estado, Victoria Nuland, exigindo que o governo Lula “calce os sapatos da Ucrânia” e que condene a operação russa de forma mais firme, é apenas o ensaio das pressões e exigências que virão do império no futuro, principalmente se o Brasil estreitar os lados comerciais com a China, principal inimigo dos Estados Unidos. Em caso de um impasse, as forças burguesas brasileiras e imperialistas (que sempre estiveram juntas em todos os momentos de nossa história moderna) já têm o homem certo para uma eventual substituição de Lula, que é o vice-presidente Geraldo Alckmin, cujo perfil é diferente de um lumpem desclassificado como Jair Bolsonaro ou de um corrupto e impopular como Michel Temer.

Para não se ter ilusões, os comunistas precisam ter claro qual o ambiente político em que o movimento social e popular está atuando no Brasil. Estamos diante de um governo de conciliação de classes, eleito a partir de uma frente ampla que envolveu partidos políticos de esquerda, do centro e de direita, a maior parte do movimento sindical (quase todo ele dirigido por sociais-liberais e pelegos históricos), além de setores da burguesia urbana e rural, o que significa uma contradição em processo diante das necessidades e demandas dos movimentos sociais e populares.

Todos temos consciência de que o país vive uma tragédia social. Assim, qualquer medida que beneficie a população é benvinda, mesmo aquelas de compensação social típicas do neoliberalismo. Mas a gravidade da crise, em função da devastação econômica, social e política acumulada ao longo do ciclo neoliberal, exigem mudanças de fundo capaz de reverter o padrão de acumulação e a distribuição de renda, o que significa a luta de classes na veia.

As contradições oriundas da própria frente que possibilitou a eleição de Lula nos levam a acreditar que existe uma margem estreita de manobra por parte do governo para realizar qualquer tipo de mudança mais avançada sem a luta social. A burguesia vai continuar lutando para manter o velho modelo das últimas três décadas e chantagear o governo com o objetivo de garantir os privilégios que obteve ao longo do ciclo neoliberal, enquanto o movimento social e popular, passado o período de lua de mel com o governo e diante da expectativa das mudanças que dificilmente virão, poderá intensificar a luta social, afinal ainda estão bem vivos na memória popular os erros cometidos pela administração do PT e a frustração com relação ao estelionato eleitoral do segundo governo Dilma, que levaram ao golpe de 2016, às contrareformas, à regressão no mundo do trabalho, à emergência da extrema-direita e ao governo Bolsonaro.

Mesmo com todos os ensinamentos do período anterior, o que se pode esperar é que o social-liberalismo não deve ter aprendido as lições do passado e tudo indica que tenderá ao masoquismo na luta política. Portanto, o que se projeta é uma disputa acirrada no interior do movimento social e popular e entre as organizações políticas sociais liberais e revolucionárias, constituindo-se em basicamente duas vertentes em relação ao futuro da conjuntura. Esses são os elementos da disputa:

a) os sociais-liberais vão agir da mesma forma que no passado, buscando transferir a luta nas ruas para a institucionalidade, cooptar as principais lideranças do movimento popular, refrear a luta das massas, sob o pretexto de que qualquer crítica ao governo, paralisação das fábricas ou a luta independente do movimento popular favorecerá o golpismo, que a hora é a luta pela democracia, que o governo se encarregará de realizar o que prometeu;

b) de outro lado está o movimento popular que irá lutar pela reorganização de nossa classe, no entendimento de que as velhas direções forjadas no ascenso do final dos anos 70 e 80 se acomodaram , perderam a combatividade e já estão superadas pela atual conjuntura da luta de classes no país. O momento exige um movimento social combativo, disposto a disputar nas ruas e locais de trabalho o futuro, em busca de um novo rumo para o país na perspectiva das transformações sociais. Essa disputa definirá o futuro da conjuntura no Brasil.

Do ponto de vista político, também haverá uma disputa entre organizações e partidos políticos pelos rumos da conjuntura. O PT, agora totalmente dependente do prestígio de Lula, seguirá a mesma política de conciliação de classes buscando conciliar o inconciliável, sob o argumento de que o que está sendo feito é o possível, além do fato de que o mais importante é garantirmos a democracia. O PC do B, em profunda crise orgânica e ideológica, amarrou o seu destino ao do PT para sobreviver institucionalmente, mesmo que essa política venha reduzindo sua influência institucional. Uma outra parte da esquerda, especialmente a direção do Psol, com quem até há pouco caminhávamos juntos, abandonou a independência de classe e aderiu de malas e bagagens ao governo Lula, muito embora com a resistência de uma grande parcela de seus militantes e dirigentes. Em outras palavras, essas organizações, apesar de suas divergências formais, estão cada vez mais se parecendo com um balaio de caranguejo e se não mudarem sua posição serão engolidas pela crise orgânica.

O movimento social e popular não pode dar um cheque em branco para o governo e muito menos cair na armadilha de que a luta pelas liberdades democráticas deve ofuscar a batalha pelas mudanças sociais. Os comunistas têm claro seus objetivos nessa conjuntura: lutamos contra a extrema-direita e contra o fascismo junto com outras forças, que inclusive são contra o socialismo, mas manteremos nossa independência política e orgânica em qualquer situação. Não podemos confundir nossos interesses estratégicos com os interesses de aliados ocasionais numa luta específica da conjuntura. Nosso objetivo de médio prazo é construir a Frente Anticapitalista e Anti-imperialista, na perspectiva do poder popular e do socialismo. Portanto, não podemos confundir a luta para derrotar a extrema-direita com a luta pelas transformações sociais. Ou seja, quando os objetivos específicos coincidirem estaremos juntos, mas marcharemos separados na luta pelas transformações sociais no Brasil.

Que fazer, uma questão atual

Sabemos perfeitamente que o fascismo sempre se constituiu em alternativa para a burguesia nos momentos de crise do capital e também nos momentos de calmaria. Aliás, historicamente o fascismo cumpre três papéis relevantes para as classes dominantes: a) quando a crise está aguda, serve como tropa de choque para destruir o movimento operário e popular e reprimir os comunistas; b) em tempos normais, constitui uma força de pressão e chantagem para que os governos de conciliação possam rebaixar sua pauta política e econômica; c) além disso, também é um instrumento útil para que as forças reformistas do movimento social e popular possam justificar a luta política com as forças classistas, sob o argumento de que não se devem radicalizar as demandas dos trabalhadores e as lutas sociais para evitar o fascismo ou o golpismo, como no caso brasileiro.

Ou seja, esse trabalho útil das forças fascistas para a burguesia reforça o poder das forças da conciliação de classe para realizar o “pacto social”, como ocorreu no período anterior do governo do PT. Nessa nova conjuntura, essas forças buscarão incrementar as políticas de compensação social, de forma a atender as demandas mais urgentes da população. Essas políticas deverão gerar um grande alívio na parcela mais pobre do povo e conseguirá no primeiro momento apoio da maioria dos brasileiros, afinal ninguém pode ser contra combater a miséria e a fome. Assim, cria-se uma cortina de fumaça para não desmontar a política neoliberal, para não revogar as contrareformas, nem a política de austeridade fiscal e muito menos retomar para o setor público as empresas estatais privatizadas na bacia das almas. O que precisa ser dito é que as políticas de compensação social são apenas uma vitrine para que o governo possa manter os interesses básicos das classes dominantes na economia. Apenas como exemplo, enquanto o governo vai destinar R$ 53 bilhões para o Bolsa Família em 2023, o gasto com o pagamento de juros da dívida interna no mesmo período deverá ser de cerca de 15 vezes maior que isso – R$ 790 bilhões.

Por isso mesmo, os comunistas terão a tarefa de esclarecer pacientemente a população sobre as contradições de fundo do projeto de conciliação de classes e disputar o novo ciclo com esses setores, pois sabemos que nos momentos de crise há imensas possibilidades de ascensão do movimento de massas tanto pela própria necessidade de sobrevivência do povo quanto pelas demandas não atendidas. Em todos os momentos da história as massas se levantaram quando a situação chegou a um limite insuportável e esse limite está na ordem do dia no Brasil. Para tanto, é fundamental termos confiança nas bases objetivas para um processo de transformação social no Brasil. Temos em nosso país o segundo maior contingente do proletariado do continente, constituído por mais de 90 milhões de trabalhadores ocupados, dos quais mais de 36 milhões ligados à produção do valor. Esse imenso potencial revolucionário deve ser organizado e mobilizado no curso do ciclo que se abriu com a eleição de Lula para que possamos alcançar os objetivos da revolução brasileira.

É hora de arregaçar as mangas, fazer o trabalho de base nos bairros, nos locais de trabalho, moradia e estudo e transformar as bases objetivas das transformações sociais em movimento consciente na construção do poder popular e do socialismo. Esta não é uma tarefa que será realizada da noite para o dia, nem os comunistas têm uma varinha mágica para atingir seus objetivos. No processo de construção a militância tem que colocar o pé no barro para chegar ao coração das massas. Um bom exemplo de que o trabalho de base gera bons frutos pode ser observado nos dois principais movimentos sociais do país atualmente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Precisamos ter humildade e recolher os ensinamentos da prática dessas organizações junto ao povo pobre e combiná-los com nossa centenária experiência de trabalho junto ao proletariado tradicional e buscar alternativas criativas de organização do novo proletariado, tanto aquele ligado às fronteiras tecnológicas quanto o precarizado nas plataformas digitais.

Temos convicção de que não se chega às massas com programa máximo, mas com reivindicações concretas que falem diretamente às necessidades imediatas da população e só após esse primeiro movimento é que devem ser colocadas as propostas mais avançadas. Em outros termos, uma vanguarda não deve ficar atrasada em relação ao movimento das massas porque pode ser engolida pela institucionalidade e o reformismo, mas ao mesmo tempo não pode avançar demasiadamente, para além da subjetividade do sentimento popular, sob pena de correr o risco de pregar no deserto e ficar isolada. A arte da política é exatamente encontrar o ponto de confluência entre essas duas perspectivas. Em suma, os comunistas devem ser criativos para combinar dialeticamente os objetivos estratégicos com uma tática que fale diretamente aos interesses objetivos concretos das massas de forma a colocá-las em movimento para atingir seus objetivos mais imediatos e realizar a tarefa das transformações sociais.

Nosso Partido obteve um crescimento extraordinário nos três últimos anos em função de uma linha política correta em relação à luta de classes nessa conjuntura complexa e difícil. Fomos uma das principais organizações a convocar as manifestações do dia 29 de maio de 2021, em plena pandemia, quando outras organizações, como o PT e o Psol, se posicionaram contra e somente nos últimos minutos do segundo tempo, quando suas organizações de base já tinham aderido aos atos, é que as direções envergonhadamente resolveram participar. Essa mobilização nacional foi um grande sucesso e marcou a retomada das lutas nas ruas no Brasil e deu ao nosso Partido grande autoridade política porque as nossas colunas vermelhas estavam entre as maiores nas manifestações.

Agora no processo eleitoral lançamos uma candidata a presidente da República, a camarada Sofia Manzano. Apesar das imensas pressões pelo voto útil no primeiro turno, a nossa candidatura obteve expressiva repercussão política, especialmente entre a juventude, e muitas das pautas que apresentamos foram incorporadas por outras candidaturas. No segundo turno apoiamos Lula, o que foi correto, pois naquele momento a disputa se dava entre civilização ou barbárie. Os ganhos políticos desse processo podem ser constatados pelo fato de que milhares de lutadores sociais em todo o Brasil estejam batendo às portas do Partido e dos nossos Coletivos para lutar de forma organizada.

O programa que defendemos nesse processo eleitoral tem uma atualidade extraordinária e deve nortear nossa ação no novo ciclo da luta social e política no Brasil. Devemos realizar nosso trabalho nos bairros e locais de trabalho e estudo a partir das reivindicações concretas das massas, como uma política contra o desemprego, a miséria e a fome; construção dos restaurantes populares a preços simbólicos em todas as cidades e particularmente nos bairros das grandes metrópoles; redução da jornada de 30 horas sem redução dos salários; reajuste dos salários acima da inflação e recomposição das perdas dos últimos anos, moradia para todos; fortalecimento do SUS 100% estatal; ensino público e gratuito de qualidade; revogação do teto dos gastos, da Lei de Responsabilidade Fiscal e instituição da Lei de Responsabilidade Social, como forma de vincular o orçamento às demandas da população, entre outros pontos.

À medida em que as massas forem se incorporando às lutas por reivindicações concretas, é hora de começar a colocar propostas mais avançadas, entre outros pontos, como a estatização do sistema financeiro; o resgate para o setor público das empresas estratégicas que foram privatizadas em meio a um escandaloso processo de corrupção; tornar a Petrobrás 100% estatal e indutora do desenvolvimento econômico; estatização do sistema educacional e de saúde; uma política de industrialização que incorpore o país às fronteiras tecnológicas e que esteja voltada aos interesses populares; uma política para o meio ambiente que proteja o ecossistema e induza a construção de polos avançados de biotecnologia; uma reforma tributária progressiva que taxe dividendos, grandes fortunas, heranças e patrimônio; reforma agrária e urbana; democratização dos meios de comunicação, com a quebra dos monopólios e criação de uma poderosa rede pública de comunicações, inclusive possibilitando a que as organizações sindicais e políticas possam ter canais de informação.

Estes são pontos importantes para colocarmos em debate com as outras forças de esquerda que estejam de acordo com o princípio de que só a luta de massas é capaz de mudar a sociedade na perspectiva dos interesses populares, de forma a que possamos construir no processo de luta um programa contra-hegemônico capaz de superar a fragmentação atual e dar uma nova direção ao movimento social e popular. As lutas que emergirão nessa conjuntura terão papel importante para forjar a unidade do campo classista e abrir caminhos para a reorganização do movimento sindical, popular e da juventude, instrumento fundamental para realizamos as tarefas das transformações sociais no Brasil. Os comunistas devem realizar todos os esforços para contribuir com essa perspectiva. Tenho certeza de que cumpriremos essa tarefa.

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