Como disparar uma fotografia - uma reflexão

Como disparar uma fotografia - uma reflexão

Por: O Poder Popular ·

Rafael Ayres - militante do PCB em São Paulo

Tal qual um fuzil, uma câmera também "dispara". E, sem educação política e ideológica, a pessoa que tira fotos pode trair sua própria classe, ainda que, inconscientemente - parafraseando Thomas Sankara: “um soldado sem educação política e ideológica, é um assassino em potencial". Por isso, chama a atenção o artigo A fotografia como arma na luta de classes [1], de 2022, publicado no Jornal A Verdade. Isso porque artigos como esse, caso não se empreenda uma certa reflexão sobre a prática fotográfica, podem levar a que se busquem soluções simplistas e abstratas para problemas complexos e concretos, ou a recorrer-se a fetichismos já condenados, historicamente, pela própria classe trabalhadora.

Inicialmente, há a própria posição privilegiada, e ambígua, da fotografia no interior dos universos das artes e da comunicação; ela pode ser vista como arte visual, documento histórico, ilustração (imagem), além de ser produto de um trabalho criativo. E a primeira questão, importante, a se ter no horizonte é: a uma fotografia podem ser atribuídas todas essas leituras, mas não há nada de inerente em nenhuma delas. Para determinar cada uma dessas possibilidades, é preciso pensar no processo histórico e nas intenções, mais ou menos conscientes, da pessoa que produziu a fotografia. Essas duas condições - a historicidade e a intenção - só podem ser analisadas dialeticamente; e se há qualquer pretensão de abordá-las à luz das questões da classe trabalhadora e da luta de classes, não há como escapar do marxismo e do materialismo histórico dialético para essa análise.

Desde seu surgimento, em meados do século XIX, a fotografia travou um embate para conquistar seu status de arte (dentro das Belas Artes), principalmente na sua relação com a pintura. Afinal, a fotografia nada mais é que uma tecnologia para captar a luz refletida em uma superfície e revelar essa imagem - as tecnologias, aliás, foram se desenvolvendo, desde  o daguerreótipo, passando, entre outras, pelas placas de prata e os filmes, até chegarmos aos sensores digitais que, atualmente, são usados em larga escala nos smartphones. A relação entre a tecnologia e as técnicas, mediadas pelo aparelho que produzia as imagens é, também, sempre mediada pela pessoa que opera esse aparelho. A despeito disso - parafraseando um professor meu, o Marcos Fabris -, até hoje, as técnicas para produzir a imagem derivaram da pintura clássica: as poses, perspectivas, regras de composição etc.

A fotografia trilhou seu próprio caminho enquanto linguagem artística durante os séculos XIX e XX, e seu uso foi apropriado para outras funções, antes restritas à pintura e à ilustração: as imagens “técnicas/científicas”, como o retrato de animais e plantas, produtos para publicidade, os retratos da burguesia industrial europeia - e, posteriormente, mundial -, e, com o nascimento do fotojornalismo, a ilustração de matérias de jornais. Nesse percurso, a relação entre a fotografia e a sociedade aprofundou-se, conforme a tecnologia foi se modificando e se atualizando. O registro fotográfico popularizou-se - chegando aos smartphones da atualidade - tornando-se mais acessível para a classe trabalhadora, e seus diversos usos difundiram-se, mantendo sempre a relação constante entre arte, comunicação e memória.

Com esse breve preâmbulo, podemos retornar ao texto dos companheiros do jornal A Verdade, para refletir sobre algumas questões colocadas no artigo.

Por ser uma linguagem universal e acessível a toda população, passando sua mensagem sobre impressões do real de forma irrefutávele carregada de sentimentos e força, de uma maneira impraticável ao texto escrito, a fotografia é uma arma revolucionária preciosa. (grifo nosso) [2]

Comecemos, então, pelo primeiro parágrafo do texto. Só podemos considerar a fotografia uma linguagem universal se considerarmos o contexto citadino dessa população – e essa não é a realidade de toda a população brasileira. E qual é a relação das diferentes camadas da população com essa linguagem? Considerando aspectos de território, gênero, classe, idade… certamente, há formas distintas de se apropriar dessa linguagem. E, ainda que possamos considerar hoje, século XXI, a fotografia como linguagem universal por causa da ampla difusão de seus meios - os smartphones, a mídia impressa e a mídia audiovisual - é preciso pensar um pouco o que é esta acessibilidade a toda a população. A fotografia, enquanto produto de cultura, precisa, necessariamente, de uma interpretação mediada. A intencionalidade (ou falta dela) da pessoa que produziu as fotografias, o contexto histórico, a estética adotada, o meio utilizado para sua divulgação... tudo isso exerce influência sobre essa suposta acessibilidade. Não é somente ver uma fotografia, mas, sim, ver e saber interpretá-la. Há um processo educativo, que ensina toda a população a compreender essas imagens?

O que vem em seguida levanta a questão: o que são as impressões do real de forma irrefutável? A ideologia burguesa influi sobre a fotografia, entre outras coisas, ao dizer, constante e insistentemente, que fotografia é um reflexo da realidade. Você produziu uma foto e pronto: aí está, um instante capturado para toda a eternidade - essa é, resumidamente, a ideologia burguesa sobre o funcionamento da fotografia. Essa ideia está posta no uso que se faz dela em relatórios, e no modo como mídia se apropria para exemplificar um assunto e, também, no fotojornalismo (embora, depois, ela se contradiga, especialmente quando refere à arte da fotografia, escapando da contradição através de expressões como olhar do fotógrafo, genialidade etc.). Vejam: como a própria frase diz, se estamos falando de uma mensagem, com impressões, precisamos pensar o que é esta forma irrefutável. A forma irrefutável, aqui, é importante, não porque discorde que a fotografia ocorra, de fato, numa relação dialética entre seu conteúdo e sua forma, ao apresentar a realidade na sua totalidade (portanto, a realidade concreta, irrefutável), mas porque é preciso ter em mente que essa é uma operação entre uma expressão subjetiva, mediada na realidade objetiva através da fotografia (enquanto meio).

A realidade objetiva é uma só. A luz é captada pela câmera, gravada e processada pelo sensor a partir da tecnologia disponível e das configurações colocadas na câmera. E é aqui que a expressão subjetiva faz suas mediações: quem configurou a câmera? Qual cena foi escolhida? O que ficou de fora dessa cena? Como a fotografia foi editada posteriormente? Nesse sentido, John Berger pode nos auxiliar:

Uma fotografia, ao registrar o que foi visto, sempre e por sua própria natureza se refere ao que não é visto. Ela isola, preserva e apresenta um momento tirado de um continuum. [...] Um diretor de cinema pode manipular o tempo como um pintor pode manipular a confluência dos fatos que ele retrata. Mas não o fotógrafo de uma imagem imóvel. A única decisão que ele pode tomar é sobre a escolha do momento a ser isolado. Mas é essa aparente limitação que dá à fotografia seu poder singular. O que ela mostra invoca aquilo que não é mostrado. Qualquer fotografia pode atestar a verdade disso. A relação imediata entre o que está presente e o que está ausente é específica em cada uma delas. (BERGER, 1968) [3]

Desse modo, a verdade que a fotografia pode carregar (que está ligada a sua qualidade) está intimamente conectada à relação entre ausência e presença na fotografia, que pode ser definida, ali, por diversos recursos (cor, contraste, enquadramento, velocidade, luz etc.). Mas, retornando a Berger:

[...] essa verdade nunca pode, tampouco, ser independente do espectador. Para o homem que carrega uma polifoto de sua namorada no bolso, o quantum de verdade numa fotografia ‘impessoal’ deve depender ainda das categorias já presentes na mente do espectador. (BERGER, 1968) [4]

Aqui, já temos contato com os primeiros indícios de como a fotografia consegue colaborar para a disputa ideológica. E, podemos, assim, escapar da figura do artista “isentão”, aquele que, supostamente, não se preocupa com o modo como o público receberá e interpretará a sua obra, do vanguardista inconsequente, que, normalmente, acha que está contribuindo para a luta de classes, mas é um dos primeiros a fugir dela.

É importante fazer essa diferenciação entre o que prega a ideologia dominante (que vê a fotografia como mero reflexo da realidade) e uma compreensão mais profunda de como a fotografia, enquanto expressão, opera na realidade, para que se possa utilizar todo o potencial da foto como arma de luta. Os autores do artigo, contraditoriamente, partem da definição burguesa da fotografia para justificar um uso revolucionário dessa. Nada mais equivocado. Para ser uma arma da classe (pelos menos da nossa classe), precisamos compreender e utilizar tal arma a partir das premissas da classe trabalhadora [5]. Apenas com esse entendimento no horizonte pode-se perceber que a potência da fotografia como arma depende da relação entre as condições de sua produção, seus meios de divulgação e sua recepção pública. Seguimos.

A despeito da experiência relembrada pelos autores - do jornal AIZ, em 1926, de lançar um concurso de fotografia operária (o que considero um bom exemplo) -, temos um erro de análise de conjuntura, portanto, um erro do chamado à luta por meio da fotografia. Tentarei explicar.

Primeiro, dizer, atualmente, com a enxurrada de imagens produzidas pela grande mídia [6] é um erro. A grande mídia, nos seus diversos braços (TV, internet, indústria cultural no geral), não precisa mais “produzir” uma enxurrada de imagens (embora seja ela a detentora dos meios da produção dessas imagens – retornarei a isso mais a frente). Os grandes produtores de imagens que nos inundam diariamente, principalmente, através das redes sociais, somos nós, a classe trabalhadora - e não é qualquer conteúdo: os algoritmos nos pressionam a produzir o que é mais relevante através das trends e de outros artifícios (escondendo outros tipos de conteúdo, ocultando timelines por linha cronológica etc.). Só o Instagram já chegou às 95 milhões de fotos postadas por dia [7] (acredito que esse número esteja menor pela pressão do uso dos vídeos ao invés das fotografias) no mundo todo. Isso quer dizer que estamos em um estágio de um processo que se inicia com uma grande pressão e influência ideológica da grande mídia para a construção dos gostos da classe trabalhadora [8] durante todo o século XX que redunda nesse fato: hoje, quem produz a maior parte do conteúdo somos nós, a partir dessa influência. E por que isso é um erro de avaliação?

No século XXI, precisamos compreender que a classe trabalhadora está se afogando na ideologia dominante, e isso não é diferente no que diz respeito à sua relação com a fotografia. Como a Susan Sontag apontou em 1977:

Uma sociedade capitalista requer uma cultura baseada em imagens. É necessário prover grandes quantidades de entretenimento a fim de estimular o consumo e anestesiar as injúrias de classe, raça e gênero. (SONTAG, 1977) [9]

A forma como interagimos com a fotografia hoje, através dos smartphones, é rápida, ocorre de forma a nos anestesiar, ou mesmo nos indignar e revoltar, mas ainda dentro do jogo do realismo capitalista [10]. Ainda mais em uma situação pós anos 1990, quando o sistema capitalista vigorou praticamente sem oposição, influenciando fortemente a própria ideologia burguesa (o fim da história). Portanto, temos que pensar a questão ideológica, e as contradições inerentes desse processo histórico, para não cairmos em fetichismos - contemporâneo de Ballhause, Benjamin já fazia essa crítica em 1934: “pois ela (a fotografia) conseguiu transformar a própria miséria em objeto de fruição, ao captá-la segundo os modismos mais aperfeiçoados” [11].

O acesso à câmera fotográfica aumentou muito nos últimos 30 anos, de forma quase exponencial, assim como surgiu um novo meio para expor as fotografias produzidas (a internet), mas não há uma nova mediação na forma e no conteúdo dessas. A herança da ideologia burguesa, transformada em neoliberalismo (com a precarização, já existente enquanto condição histórica brasileira), é mascarada de empreendedorismo, enquanto soma-se ao surgimento dos novos monopólios de mídia e informação (as Big Techs: Google, Meta, Amazon e afins), nos transformou em produtores individualistas do conteúdo amorfo que consumimos, ao invés de produtores de uma expressão genuína da classe trabalhadora com suas particularidades territoriais, de gênero, etnia, sexualidade, demandas etc.

“Enquanto o mundo enriquece e idolatra influencer

Que faz vídeo pro Instagram pra ficar te indicando loja

Se tu fala sem pensar, mas 'tá lançando as roupa foda

Se tu gera conteúdo que soma nada com nada

Se prepara pra ter fama e 'tá no topo das parada

Tu é o mais novo candidato a ídolo da molecada” (ADL, Favela Vive 5, 2023) [12]

E eu seria ingrato e raso com a cultura popular se dissesse que mesmo nós, imersos na ideologia burguesa, não resistimos e produzimos apesar dela. “A dialética é uma verdade mais séria do que supõe nossa vã filosofia” [13], já diria Alfredo Bosi. Permitam-me uma digressão. Parte de meu trabalho é fotografar festas e eventos da pequena burguesia e de alguns jovens burgueses aqui de São Paulo. Como fotógrafo, estou lá para registrar os momentos, inclusive a pista de dança. O que mais anima a pista, o que me gera mais “cenas para fotografar”, sem sombra de dúvidas, é o funk. A produção periférica é a que embala a jovem burguesia nacional, segura e isolada nos seus salões e mansões. O que isso tem a ver? No país da antropofagia, é inocente considerarmos que são “classificadas de mal gosto qualquer expressão da identidade do nosso povo, principalmente aquela relacionada à classe social” [14]. O que acontece é uma renhida luta de criação, apropriação e assepsia da produção popular, dentro do processo histórico brasileiro. Isso ocorre também na produção fotográfica. Na era de influencers, marcas reproduzem poses de favela em suas fotografias de divulgação. A classe trabalhadora brasileira, nadando na ideologia dominante, ainda consegue produzir suas vivências, realidade e expressividades, e é constantemente cooptada e roubada por uma burguesia incapaz de popularizar suas próprias criações.

E é preciso ter cuidado com frases moralizantes como “As representações do proletariado através da lente do ‘bom gosto’ funcionam como uma ferramenta de afirmação ainda maior da classe dominante, pois, através dessas lentes há um olhar superior respaldado pelos ideais de cultura, humanidade, arte e ciência dos ricos, que dirige ao povo esse olhar como a um objeto inferiorizado, digno apenas de piedade e caridade” [15].
 A questão não é moral, é como mencionei anteriormente: a burguesia não se importa de roubar as produções da classe trabalhadora. Ainda que setores mais conservadores possam se escandalizar com certas expressões, a questão é o dinheiro. É possível explorar e capitalizar a partir das classes subalternas? Seja para acumular capital simbólico (seja por marketing, seja por “status” perante os pares) ou financeiro, miséria e pobreza vendem bem. Caso contrário, os livros do Sebastião Salgado não custariam o que custam (uma edição do último trabalho, Amazonia, pode vir a custar três mil e quinhentos dólares [16]). Não há piedade e nem caridade. Há espetáculo e exploração, bem empacotados e regados em belos vernissages.

Portanto, o chamado a uma produção de uma fotografia operária [17] para a fotografia no Brasil não se sustenta. Temos que lembrar, ou dar a conhecer, que uma fotografia produzida pela classe trabalhadora já existe [17]. Isso é fundamental, para não recriarmos a roda ou cairmos na tendência de transplantar mecanicamente experiências de outros locais. Não é necessário criar algo novo, puro, do proletariado – toda vez que um comunista requenta, ainda que indiretamente, o debate sobre uma proletarskaya kultura brasileira, um sambista morre de desgosto.

O que falta, e eu concordo com os autores do texto, é conseguirmos elevar a consciência de classe no sentido marxista-leninista. Então não é sobre difundir esse olhar, que, na prática, não sabemos qual é – ou porque ele já existe, ou porque será criado a partir de algum idealismo, fora da realidade – mas, sim, sobre usar algo real (quem já faz fotografias) como arma da luta e aperfeiçoá-la para o uso no combate. Não precisamos de fotógrafos operários. São os revolucionários que precisam ir ao encontro da fotografia, e não criá-la de fora [19]. Precisamos de todas as pessoas sabendo fotografar e interpretar uma fotografia. Explico.

Curiosamente, os companheiros indicam uma das melhores soluções a partir do livro de Jorge Amado: Homens e coisas do Partido Comunista. O fato de os militantes do jornal (mencionado no livro) não serem profissionais do ramo, mas se “desdobrarem” indicam um caminho já apontado por Benjamin: é necessário quebrar a separação entre o autor e o produtor [20]. Neste texto, tomo o cuidado de não usar o termo fotógrafos(as/es) justamente neste sentido. Democratizar o acesso à fotografia para além da selfie é ir contra a divisão do trabalho imposta pelo capitalismo - um bom exemplo são moradores que filmam as incursões policiais -, é irmos contra a mistificação do uso da fotografia, como usar expressões como olhar do fotógrafo. O olhar, na verdade, é um conjunto de técnicas, passíveis de serem aprendidas por todas as pessoas - sem esquecer o fator da subjetividade individual.

Por outro lado, é crucial deixar claro que a ruptura do autor como produtor não significa ignorar a busca por melhorar a qualidade técnica da sua produção. Não se trata de tornar todos amadores, mas, sim, de encarar o fato de que todas as pessoas têm o potencial (se quiserem) [21] de poder produzir fotografias de qualidade. Afinal, a luta é pela superação da divisão social do trabalho imposta pelo capitalismo, e cabe a nós sermos, desde já, semente desse processo de quebra de distinção entre quem produz e quem consome.

Para a fotografia se tornar, efetivamente, uma arma eficiente na luta de classes e não correr o risco de ser fagocitada pela ideologia dominante, coloco aqui duas pequenas contribuições para além da indicada acima (sobre o fim da separação entre autor e produtor), que trabalham de forma conjunta e constante no percorrer da história da luta de classes.

Primeira contribuição: arte e comunicação

A fotografia tem que continuar seguindo a cumprir seu papel dentro do fotojornalismo de denúncia e na comunicação. Mas, para nós, é importante compreender, de fato, a fotografia enquanto expressão própria. Não como complemento para um texto em um jornal (e as pessoas de comunicação irão discordar de mim), nem revelando aquilo que mil palavras não seriam capazes de dizer [22].Veja, aqui é importante dizer que não ser complemento do texto jornalístico - e o texto jornalístico não é complemento da fotografia - não significa dizer que não há nenhuma relação entre os dois. Há, sim, uma relação clara, construída de forma intencional, normalmente pelo editor de um jornal, revista ou meio de comunicação. Um breve exemplo histórico do entendimento da classe trabalhadora sobre a potência da fotografia enquanto denúncia, mas contra a própria classe:

A reportagem da ‘Folha da Noite' esteve em uma dessas favelas, junto ao centro de diversões Changai. À primeira vista nota-se logo que está favela possui ar condicionado às situações climatéricas é água corrente das frinchas das portas, das paredes e dos pseudo-telhados. A umidade que sobe ao chão de terra batida e alastra pelo corpo dos moradores das favelas manifesta-se num reumatismo, numa paralisia ou numa tuberculose que não conseguem as competentes autoridades descobrir porque ataca quase um terço da população brasileira.

Vendo que nos dispúnhamos a fotografá-los, disse-nos a moradora de uma casinhola: ‘moço, isso vai sair no jornal? Não deixe. Cada vez que um jornalista aparece por aqui, logo depois vem um homem que diz ser de um Instituto de Aposentadoria qualquer é manda a gente embora. Ameaça e diz que se nós não sairmos por bem, os bombeiros vem por a gente p’ra fora’. ‘O dono do nosso quarto vendeu a casa porque precisavam derrubá-la a fim de alargar a rua e assim, tivemos que ir embora. Agora, essa gente pensa que somos vagabundos e nos tratam desse jeito.” (FOLHA DA NOITE, 10/11/1945, grifos meus.) [23]

Veja-se como dentro desta relação, dialética, há independência e dependência das duas expressões. O texto contextualiza a foto, a foto ilustra o texto e, mesmo assim, cada um apresentará sua expressão da verdade, completa em si mesmo, apresentada ao interlocutor, que fará a mediação e a interpretação. E note-se, ainda, como a questão classista é importante para que a relação entre as duas expressões seja qualificada a favor da classe trabalhadora. A burguesia sabe explorar essa relação de forma contraditória magistralmente, basta lembrar das inúmeras capas da Folha de São Paulo, a mais recente do dia 19 de janeiro de 2023 [24].

Somente a partir daí, deste entendimento, do que a fotografia é [25], nós podemos poderemos depurar, através do estudo, compartilhamento e experimentação formal, uma forma (não um olhar: forma) artística que corresponda, de fato, ao conteúdo que pretendemos transmitir - a realidade concreta da classe trabalhadora, subjetivada - de modo consciente: a consequência da elevação de consciência do proletariado [26]. Quanto mais pluralidade tivermos nesta experimentação, aliada com a pluralidade da classe trabalhadora brasileira, e com o estudo, tanto das técnicas fotográficas quanto do marxismo enquanto ciência do proletariado (e não puramente acadêmica), melhores as possibilidades de a fotografia atuar rompendo os limites ideológicos da burguesia.

Essa relação da busca, estudo e experimentação só será mais frutífera em uma sociedade, no mínimo, em transição para o socialismo. Porque, dentro da sociedade capitalista, os desafios são inúmeros: tempo livre e/ou então a remuneração adequada para a prática fotográfica por todas as pessoas; disputar quem controla as mídias e distribuição das fotografias (impressas e online - hoje nas mãos de monopólios); quem produz a tecnologia fotográfica (câmeras e smartphones - não temos sequer indústria nacional para os dois casos) e contra-ataque feroz e constante da ideologia dominante.

Porém, como não esperamos as condições perfeitas e atuamos no real, capacitar as pessoas para aprenderem a fotografar para além da selfie já é um ótimo começo. Inserir-nos em grupos existentes de fotografia, nas discussões, participar ativamente da vida social e das lutas da classe trabalhadora, ensinando a todas as pessoas a como manusear da melhor forma possível o smartphonepara fotografar o cotidiano, as festas, as lutas, as conquistas da classe, criando espaços de troca e debate sobre essas fotos para além das redes sociais, integradas com outras atividades do dia a dia, são alguns caminhos iniciais para potencializar essa arma e incitar nas pessoas o desejo de se aprofundar na fotografia, mas de forma consciente. E com isso, continuar o movimento que inevitavelmente trará outras demandas, da conjuntura político-econômica e/ou do próprio fazer artístico: novos espaços e a luta por esses espaços, luta por políticas públicas, integração nas outras lutas da classe, demanda por novos espaços de mídia etc. Afinal, a fotografia, na comunicação, pode e deve ser uma ferramenta de auxílio para elevação da consciência de classe [27].

Segunda contribuição: a memória da classe trabalhadora

“Mas, diferentemente da memória, fotografias por si mesmas não preservam significado. Elas oferecem aparências — com toda a credibilidade e gravidade que normalmente atribuímos às aparências — apartadas de seu significado. Significado é resultado das faculdades de compreensão. [...] Fotografias por si mesmas não narram. Fotografias preservam as aparências instantâneas.” (BERGER, 1978)

Temos aqui, nessa segunda contribuição, um dos grandes atributos que a fotografia pode trazer enquanto ferramenta de luta de classes: ser objeto para a memória da classe trabalhadora. Como colocado no trecho acima, é importante deixar entendido que a fotografia, em si, não é a memória. Ela depende de uma operação mais complexa do pensamento do indivíduo, que interpreta a fotografia, reconhece os elementos contidos nela (ou ausentes, como mencionado anteriormente) e faz a conexão com a memória, podendo enriquecê-la e compartilhar socialmente.

Isso é válido tanto em uma escala privada - fotos de família, por exemplo – quanto em fotos de grande circulação e importância, como a famosa foto de Che Guevara, de Alberto Korda, ou então a foto de Evando Teixeira em 1968, na sexta-feira sangrenta, que retrata um jovem estudante perseguido e atingido por policiais durante a ditadura empresarial-militar. Essas fotos, enquanto objetos para auxiliar a memória da classe trabalhadora, são fundamentais no processo de compreensão histórica e no processo formativo da própria memória da classe. Servem também como documentos históricos valiosos para contarmos essa história na perspectiva a contrapelo [28].

Por isso, todo o processo de aprendizagem, experimentação e troca que mencionei na chave anterior é extremamente necessária aqui: se a fotografia não é a memória em si - de novo reforçando a importância de não cairmos na ideologia dominante de que a fotografia é o reflexo da realidade -, e necessita de interpretação, cabe a nós, enquanto classe, qualificarmos nossa produção, nossa estética e nosso entendimento a fim de produzirmos e democratizar nossa interpretação para além de poucos esclarecidos (sejam eles fotógrafos e/ou intelectuais). Com isso, reforçamos a memória da classe trabalhadora como forma de contestar a visão corrente (a hegemonia burguesa que tenta cooptar e apagar as memórias da nossa classe) e fortalecer a luta política, teórica e econômica como um todo [29].

De saída, há uma questão colocada no começo do texto que precisa ser retomada neste ponto em específico. Ele diz respeito à nossa relação atual com a tecnologia. No começo deste texto eu afirmei que nós somos os produtores de conteúdo imagético, para redes sociais, em sua grande maioria de forma acrítica, produzindo na casa dos milhões de vídeos e fotos diariamente. Dentro deste contexto, há diversas delas que estão registrando momentos importantes da classe trabalhadora - sejam momentos mais públicos (atos, lutas, ações, confrontos etc.) como momentos mais “privados” como aniversários, encontros, festas etc. Toda essa produção é compartilhada quase instantaneamente, numa forma que os antigos álbuns de papel e jornais jamais conseguiriam, graças à internet, smartphones e redes sociais.

Na aparência, não há um problema, há uma democratização da fotografia. Porém, se retornarmos a Sontag, o capitalismo depende dessa produção contínua de imagens para nos anestesiar. E essa produção intensa, ininterrupta, mal nos concede o tempo necessário para olhar para essas imagens, que produzimos mais de uma vez - logo em seguida, já há um turbilhão de novas imagens para serem vistas, afinal, tudo é espetáculo, tudo é passível de ser filmado e/ou fotografado [30]. O ritmo é intenso e não para. Nossa memória, para ser formada, depende de um processo de atenção e interpretação mais cuidadoso, construído socialmente para ser “criada”. E é isso que o ritmo frenético e espetacular nos impede (e anestesia). Tanto a velocidade quanto o formato (do algoritmo, do vídeo, da capacidade de armazenamento de um smartphone) é construído para ser mercadoria. E essa mercadoria nos impulsiona a consumir outras mercadorias (aparelhos mais “modernos”, com câmeras melhores, mais armazenamento etc.) que estão sendo produzidas em larga escala. Não há mais qualidade, somente quantidade, anestesia e publicidade. Como pensar nos nossos processos de memória enquanto classe com essa forma mercadoria de usar a fotografia?

A outra questão, que é ainda mais problemática, quando se leva em consideração que vivemos no Brasil, país que depende de tecnologia estrangeira para a internet (ou seja, capitalismo dependente), as Big Techs. Sejam os smartphones ou a produção de material fotográfico, a indústria brasileira é completamente dependente da estrangeira. Ou seja, além de não termos o capital investido aqui (e geração de empregos, tecnologia etc.), a demanda por tecnologia não é a demanda da classe trabalhadora brasileira (de nenhuma classe da sociedade brasileira, diga-se de passagem); precisamos incorporar as tecnologias pensadas fora para nossa realidade, e isso altera o produto final (a fotografia), mesmo que hoje já estejamos acostumados com ele. O custo para nós é exorbitante, porque trata-se de material importado, o que dificulta a dita democratização da fotografia, e já estamos em desvantagem em relação aos países centrais.

No âmbito virtual, usamos, indiscriminadamente, as redes sociais como repositório da produção imagética. E se um bilionário excêntrico, apaixonado por viagens espaciais, um dia compra uma das redes sociais e, simplesmente, começa a destruí-la, por não entender o modelo de negócio? Da noite para o dia, todas nossas fotos podem sumir (claro, essa é uma situação hipotética, longe de acontecer no mundo real). Transferimos para o mundo virtual, por causa da facilidade tecnológica, esses “artefatos auxiliares” de memória, que podem ser de grande auxílio na luta de classes. Deixamos na mão do inimigo uma grande arma. E a grande verdade é que não havia outra opção – assim como não há outra opção (ingrata) de explorarmos a internet para comunicação revolucionária. Não advogo aqui voltarmos a somente usar álbuns de papel. Negar a tecnologia seria o equivalente a queimar as máquinas como se elas fossem responsáveis por nossa miséria.

Mas reforço, novamente, o ponto inicial dessa crítica: compreender a fotografia para além da ideologia burguesa nos dá o instrumental para nos utilizarmos dela enquanto arma na luta de classes. Por exemplo, compreender como a tecnologia vem sendo usada contra nós redunda em abarcar, no âmbito dessa luta, a proteção e desenvolvimento de nossa memória, disputando com os bilionários do Vale do Silício o direito de decidir o que fazer com a nossa produção imagética. É uma luta completamente ingrata, mas que não pode ficar oculta no horizonte, sob o risco da fotografia também se tornar uma ferramenta incompleta, arriscando-se a cair na "aparência" de luta, ao invés de propor uma transformação real e efetiva.

E se não termos força, hoje, para derrubar as Big Techs imperialistas, voltemos para o asfalto. Conforme já mencionei na primeira chave, criar espaços de experimentação, ensino, troca, inserção nas lutas da cultura, sair (ainda que temporariamente) da lógica capitalista da produção é um caminho possível e urgente. A denúncia tem que ser constante. Mas novas sociabilidades também. Novos gérmens para fortificar a disputa precisam ser semeados. Lutemos por mais pontos de cultura! Lutemos por ocupações! Lutemos pelos nossos, para que eles também usem a fotografia de forma a transformarem as próprias relações com a memória! Isso já está ocorrendo. É dentro dos espaços em que essa produção tem ocorrido que podemos pensar as novas relações com a fotografia porque estaremos, de forma consciente, pensando novas relações enquanto sociedade.

Portanto, ao retornarmos ao artigo publicado no Jornal A Verdade, um leitor mais apressado pode pensar que estamos falando da mesma coisa. Mesmo que tenhamos o mesmo objetivo - livrar-se da ideologia burguesa e produzir uma fotografia da classe trabalhadora - os métodos são distintos e, portanto, redundam em ações diferentes, que, no limite, pode levar a resultados muito distintos daqueles esperados inicialmente. Partir da interpretação da ideologia burguesa é um erro conceitual e um desvio que, inevitavelmente, levará o olhar operário a ser cooptado justamente por aquele que o subjuga, a própria burguesia. É necessário compreender a realidade e incidir sobre ela, sem importar, acriticamente, formulações externas à classe; é preciso observar nossa produção cultural popular de forma crítica, mas não sectária ou moralista, e democratizar, de fato, o acesso à linguagem universal.

A fotografia é uma arma da luta de classes. Ela pode captar um momento importante da história da classe trabalhadora, a partir da decisão subjetiva da pessoa que produz a foto, com uma estética ousada e alinhada com essa classe, mostrando a realidade de forma inequívoca, assim fortalecendo e divulgando toda a memória dos trabalhadores, anterior a nós e aquela que virá depois de nós, engajando na luta contra nossa opressão (em todas as suas formas). Não se pode perder a perspectiva de que a fotografia é, sim, uma arma, mas uma arma entre as muitas outras disponíveis no arsenal da luta de classes. É preciso apropriar-se dessa no âmbito de nossas estratégias, inclusive, para não cair nas armadilhas impostas pela ideologia dominante. E não esquecer que “A luta de classes, que um historiador educado por Marx jamais perde de vista, é uma luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não existem as refinadas e espirituais."[31]

NOTAS

CÂMARA, R.; MARCELINO, Lucas. A fotografia como arma na luta de classes. A Verdade, 2022. Disponível em: <https://averdade.org.br/2022/10/a-fotografia-como-arma-na-luta-de-classes/>. Acesso em: 19 abr. 2023

Idem.

BERGER, J. Para Entender uma Fotografia. In: Para Entender uma Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

Idem.

Para o proletariado, sua ideologia não é uma ‘bandeira’ de luta, nem um pretexto para as próprias finalidades, mas é a finalidade e a arma por excelência. Toda tática proletária sem princípios rebaixa o materialismo histórico à mera ‘ideologia’, impõe ao proletariado um método de luta burguês (ou pequeno-burguês); despoja-o de suas melhores forças ao atribuir à sua consciência de classe o papel de uma consciência burguesa, papel de simples acompanhamento ou de inibição (isto é, de inibição apenas para o proletariado), em vez da função motriz determinada à consciência proletária. (LUKACS, G. Consciência de classe. In: História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003.)

CÂMARA, R.; MARCELINO, Lucas. A fotografia como arma na luta de classes. A Verdade, 2022. Disponível em: <https://averdade.org.br/2022/10/a-fotografia-como-arma-na-luta-de-classes/>. Acesso em: 19 abr. 2023.

INSTAGRAM’s user base grows to more than 500 million. REUTERS, 2016. Disponível em: <https://www.reuters.com/article/us-facebook-instagram-users/instagrams-user-base-grows-to-more-than-500-million-idUSKCN0Z71LN>. Acesso em: 19 abr. 2023.

A própria produção de uma mercadoria já enseja a criação do seu público, e a grande mídia usa isso de forma constante: “A produção fornece não apenas um material à necessidade, mas também a necessidade ao material. Quando o consumo emerge da sua imediatez e da sua rudeza natural primária [...] ele mesmo como propensão é mediado pelo objeto. A necessidade que ela sente é criada pela percepção do próprio objeto. O objeto artístico – e do mesmo modo qualquer outro produto – cria um público sensível à arte e capaz de gozo estético. A produção produz, portanto, não apenas um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. (MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.)

SONTAG, S. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

FISCHER, M. Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia Literária, 2020.

BENJAMIN, W. O Autor como Produtor. In: Ensaios sobre Brecht. São Paulo: Boitempo Editorial, 2017.

Favela Vive 5. ADL, Major RD, Mc Hariel, Mc Marechal, Leci Brandão (Prod. Índio), 2023. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=R_4Clufmtq8&list=RDwuRS6lcoIbo&index=3&ab_channel=Al%C3%A9mdaLoucuraADL>. Acesso em: 19 abr. 2023.

BOSI, A. Cultura Brasileira e Culturas Brasileiras. In: Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CÂMARA, R.; MARCELINO, Lucas. A fotografia como arma na luta de classes. A Verdade, 2022. Disponível em: <https://averdade.org.br/2022/10/a-fotografia-como-arma-na-luta-de-classes/>. Acesso em: 19 abr. 2023.

Idem

https://www.taschen.com/en/limited-editions/photography/60003/sebastiao-salgado-amazonia/

CÂMARA, R.; MARCELINO, Lucas. A fotografia como arma na luta de classes. A Verdade, 2022. Disponível em: <https://averdade.org.br/2022/10/a-fotografia-como-arma-na-luta-de-classes/>. Acesso em: 19 abr. 2023.

Como exemplo, deixo o aqui o trabalho da Escola de Fotógrafos Populares, na Maré, Rio de Janeiro: <https://revistazum.com.br/entrevistas/escola-de-fotografos-populares/>.

Aqui traço um paralelo com Oldrini e o sentido da crítica marxista da arte: “Correntes vivas e progressistas, militantes, sempre existiram tanto na arte quanto na crítica. As provas nos remetem a muito antes do marxismo. [...] e em Lenin, Lukács, em todos os estudiosos marxistas militantes mais sérios retorna, continuamente, insistentemente, uma afirmação semelhante sobre a unidade do princípio existente entre o estudo, saber, cultura e processo de humanização do ser humano. [...] Para o marxismo, trata-se de um legado de não pouca importância, para ser incorporado com responsabilidade.” (OLDRINI, G. Os marxistas e as artes: princípios de metodologia crítica marxista; tradução de Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2019. p. 135 e 138.)

“[...] para o autor como produtor, o progresso técnico também é um fundamento do progresso político. [...] As barreiras de competência entre as duas forças produtivas - a material e a intelectual -, erigidas separá-las, precisam ser derrubadas. O autor como produtor ao perceber-se como solidário ao proletariado, sente-se solidário, igualmente, com certos outros produtores, com os quais antes não parecia ter grande coisa em comum. (BENJAMIN, W. O Autor como Produtor. In: Ensaios sobre Brecht. São Paulo: Boitempo Editorial, 2017.)

Marx, na Ideologia Alemã, diz: “A concentração exclusiva do talento artístico em alguns indivíduos e, com isso, a sua permanente asfixia em meio às grandes massas é consequência da divisão do trabalho. [...] Numa sociedade comunista não há nenhum pintor, mas, no máximo, homens que, entre outras atividades, também pintam.” (MARX, K. A Ideologia Alemã. Boitempo, São Paulo, 2007.)

CÂMARA, R.; MARCELINO, Lucas. A fotografia como arma na luta de classes. A Verdade, 2022. Disponível em: <https://averdade.org.br/2022/10/a-fotografia-como-arma-na-luta-de-classes/>. Acesso em: 19 abr. 2023.

Trecho de matéria do Jornal Folha da Noite, de 10/11/1945, retirada da dissertação de mestrado Modernização e Desenvolvimentismo: formação das primeiras favelas de São Paulo e a favela da Vergueiro, de Fernão Lopes Ginez de Lara.

Essa capa utilizou a fotomontagem de Gabriela Biló, uma foto do presidente Lula, com uma múltipla exposição de vidraça quebrada, na altura do coração, que gerou polêmica. A fotógrafa disse que a imagem significa um presidente que resistiu a intentona golpista do dia 08/01/2023, mas a recepção (e o uso editorial do jornal, dado as constantes posições anti-classe trabalhadora e neoliberal) foi de um presidente mortalmente ferido.

Segundo John Berger, a fotografia é “[...] é um registro automático, com a mediação da luz, de um dado evento: mas ela usa o evento dado para explicar seu registro. A fotografia é o processo de tornar a observação consciente de si mesma.” (BERGER, J. Para Entender uma Fotografia. In: Para Entender uma Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.)

Novamente recorro aqui a Oldrini: “Estamos substancialmente, também aqui, na presença, para a crítica, daquela “luta em duas frentes”, característica do marxismo desde as suas origens, [...]: luta, por um lado, contra qualquer tentativa de forçamento ideológico da obra de arte desde o exterior (propaganda), o que significaria falta de respeito pelo núcleo em-si próprio da arte, isso o que torna a arte, arte; em sentido contrário, luta contra um conceito purista da arte, como se a arte não significasse outra coisa senão a si mesma (arte pela arte) e sua pureza não consistisse em nada mais que um vazio, indiferentismo total em relação à realidade e à história. A arte evidentemente não se reduz a isso, e necessita-se que a crítica leve isto a sério. O seu para–si, a arte cria-o a partir de um terreno dado, num dado contexto de relações histórico-sociais, culturais e geralmente humanas, onde as escolhas – também as do crítico – não podem permanecer indiferentes.” (OLDRINI, G. Os marxistas e as artes: princípios de metodologia crítica marxista. Tradução de Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2019, p. 135.)

[...] a consciência das massas operárias não pode ser uma verdadeira consciência de classe se os operários não aprenderem, com base em factos e acontecimentos políticos concretos e, além disso, necessariamente de atualidade, a observar cada uma das outras classes sociais em todas as manifestações da sua vida intelectual, moral e política; se não aprenderem a aplicar na prática a análise materialista e a apreciação materialista de todos os aspectos da atividade e da vida de todas as classes, camadas e grupos da população.” (LENIN, V. O que fazer?: Questões candentes de nosso movimento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2020.)

E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão de cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo. (BENJAMIN, W. Teses sobre o Conceito de História, 1940.)

Engels reconhece na grande luta da social-democracia não duas formas (a política e a econômica) - como se faz entre nós - mas três, colocando a seu lado a luta teórica. (LENIN, V. O que fazer?: Questões candentes de nosso movimento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2020.)

O mundo industrializado, ‘desenvolvido’, aterrorizado com o passado, cego em relação ao futuro, vive num oportunismo que esvaziou o princípio da justiça de toda credibilidade. Esse oportunismo transforma tudo — natureza, história, sofrimento, outras pessoas, catástrofes, esporte, sexo, política — em espetáculo. E o implemento usado para isso — até o ato tornar-se tão costumeiro que a imaginação condicionada passa a fazer isso sozinha — é a câmera. O espetáculo cria a eterna presença de uma expectativa imediata: a memória deixa de ser necessária ou desejável. Com a perda da memória as continuidades de significado e julgamento também estão perdidas para nós. A câmera nos alivia da carga da memória. Ela nos observa como Deus, e observa por nós. Embora nenhum outro deus tenha sido tão cínico, pois a câmera registra a fim de esquecer. (BERGER, J. Usos da Fotografia. In: Para Entender uma Fotografia, São Paulo: Companhia das Letras, 2017.)

BENJAMIN, W. Teses sobre o Conceito de História, 1940.

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, W. Ensaios sobre Brecht. São Paulo: Boitempo Editorial, 2017.

BENJAMIN, W. Teses sobre o Conceito de História, 1940

BERGER, J. Para Entender uma Fotografia, São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

BOSI, A. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

FISCHER, M. Realismo Capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia Literária, 2020.
LARA, Fernão Lopez. Dissertação: Modernização e Desenvolvimentismo: formação das primeiras favelas de São Paulo e a favela da Vergueiro.
LENIN, V. O que fazer?: Questões candentes de nosso movimento. São Paulo: Boitempo Editorial, 2020

LUKACS, G. Consciência de classe. In: História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011

MARX, K. A Ideologia Alemã. Boitempo, São Paulo, 2007

OLDRINI, G. Os marxistas e as artes: princípios de metodologia crítica marxista. Tradução de Mariana Andrade. Maceió: Coletivo Veredas, 2019
SONTAG, S. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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