Eldorado de Carajás, o massacre e a luta

Eldorado de Carajás, o massacre e a luta

Por: O Poder Popular ·

Por Mateus Cavalcante - Articulista da revista O Ipê e militante do PCB-DF

A Revista O Ipê relembra os 27 anos do Massacre de Eldorado de Carajás, honrando a histórica luta pela terra no Brasil

“Só tem mulher e criança aqui”, gritou desesperadamente a jornalista Marisa Romão para os policiais. A polícia cercou manifestantes sem-terra e por duas horas efetuou o que ficou conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará. Foram 19 pessoas mortas em ação da Polícia Militar. Entre elas, pessoas assassinadas com tiro na nuca, crânios esmagados, feridas com seus próprios instrumentos de trabalho.

A crueldade da ação repressora chama a atenção, mas não surpreende quem acompanha as lutas camponesas no Brasil. O massacre ocorrido em 1996 não destoou da desumanidade típica dos latifundiários, que roubam terras, escravizam camponeses e destroem o meio ambiente.

Velha opressão sempre recente

Para expandirem suas imensas propriedades, os grandes latifundiários se utilizam de diversas manobras. Uma das mais conhecidas é a de realizar empréstimos para camponeses pobres em épocas de dificuldade. A garantia para o empréstimo é o pequeno pedaço de terra dos camponeses, desgraçados pela seca, pela peste, pela doença e por tantas outras mazelas produzidas pela pobreza.

Quando se completa mais um ciclo de exploração, os camponeses, incapazes de pagar o empréstimo anterior, sempre com juros abusivos, acabam perdendo a propriedade, tornando-se empregados do latifundiário. Eles passam a produzir para o latifundiário, na sua antiga terra, agora pertencente a outro.

A comida, que antes era fruto de seu trabalho, agora deve ser adquirida no armazém da fazenda. Não importa o quanto trabalhem, sempre se encontram em dívida com o armazém do “coronel”. E assim se forma um ciclo de escravidão por dívida, ainda muito comum em nosso país.

Com alguma sorte, às vezes é permitida ao camponês uma plantação de subsistência, mas quase sempre com a condição de que parte da produção seja entregue ao latifundiário. Muitas vezes a única opção que resta é emigrar em busca de novas oportunidades. Assim se estabelece um fluxo migratório que vai superlotando as cidades com trabalhadores de mão de obra barata.

Nossas principais cidades foram construídas por estas mãos. A Grande São Paulo e Brasília não poderiam existir sem esse processo de expulsão de camponeses de suas terras. E assim, latifundiários e industriais dão as mãos, numa parceria na qual ambos se aproveitam imensamente da mão de obra barata e abundante. Mãos que plantam a comida, constroem as estradas, as linhas de trem, o metrô, os arranha-céus, tudo o que se vê de valor.

Porém, a essas pessoas é negado todo o fruto do seu trabalho. Não podem entrar nos prédios que constroem. Fazem casas, mas não têm onde morar. Plantam a comida, mas não têm o que comer.

Antiga luta sempre renovada

Nem toda essa violência foi capaz de calar o espírito criador de nosso povo sofrido. Que mesmo com fome, humilhado, destelhado, teve a audácia de viver a felicidade. As festas Juninas, o carnaval, a festa do boi, o baião, o samba, o cordel são muitas as expressões do nosso povo. Mas não são apenas sorrisos que o povo carrega, há também a sede por justiça e a luta contra toda essa opressão.

Em seu livro de memórias, Gregório Bezerra nos conta como foi sua atuação na construção das ligas camponesas, ainda na década de 1940. O golpe militar de 1964 pôs um grande freio na organização dos camponeses, mas não conseguiu acabar com a luta. Após o massacre de Eldorado de Carajás, o movimento dos camponeses continuou se desenvolvendo, vindo a se tornar o principal movimento social do Brasil e da América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Por meio da organização e formação política, o MST conseguiu diversos avanços para os trabalhadores do campo. Apoiados na constituição de 1988, o movimento realiza ocupações de terras improdutivas, forçando a ação do governo pela reforma agrária. Tudo isso feito de forma organizada, evitando massacres, garantindo que famílias tenham acesso à terra e possam produzir comida de forma orgânica e saudável. Além de ser o principal ator político na luta pela reforma agrária, o movimento também se tornou o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.

Entender a luta do MST é entender o próprio Brasil. É conhecer sua violenta história de dominação que pariu um povo lutador, corajoso, que sorri na cara do inimigo, transforma a dor em música, a tragédia em combustível para a luta. E quando finalmente chegarmos ao Brasil do futuro, é certo que a contribuição do MST terá sido fundamental. Enquanto não chegamos lá, devemos continuar lutando e apoiando a luta do campo e do MST, honrando nossos irmãos, covardemente assassinados no dia 17 de abril de 1996.

Publicado originalmente em: https://revistaoipe.org/2023/04/21/eldorado-de-carajas-o-massacre-e-a-luta/

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