Confira a entrevista com Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL)

Confira a entrevista com Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL)

Por: O Poder Popular · Vinicius Loures - Câmara dos Deputados

Editorial Poder Popular

Depois de mais de três meses de massacre israelense sobre a população palestina na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, ações em solidariedade ao povo palestino se espalham pelo mundo. De acordo com a Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), já existem mais de 100 Comitês de Solidariedade ao Povo Palestino ativos só no Brasil. Essa mobilização, entretanto, não tem surtido efeito para pressionar governos e instituições. Buscando resposta para esta questão, conversamos com o presidente da FEPAL, Ualid Rabah. Confira a entrevista abaixo.

JORNAL: O PODER POPULAR: Olá companheiro Ualid, seja bem-vindo ao O Poder Popular. Antes de tudo, gostaria que você se apresentasse aos nossos leitores, sua origem, formação e histórico de militância.

Sou nascido no Brasil. Nasci em uma cidade do interior do Paraná, chamada Toledo. Meu pai era palestino, chegou no Brasil em 1960, e minha mãe, também palestina, chegou em 65. Ambos são de duas cidades distintas da região de Ramallah, na Cisjordânia ocupada. Meu pai é de 1921, portanto, ele é do período de domínio inglês. Ele viveu a grande Revolução Palestina em seu início, com 15 anos, 16 anos.

Nós não gostamos do termo rebelião, porque é incapaz de expressar o que verdadeiramente aconteceu na Palestina de 36 a 39. O termo revolução também é associado, no ocidente, a uma ideia de superação de uma classe por outra. A luta anticolonial precisa ser entendida como uma luta revolucionária. Quando ela rompe com o imperialismo, ela rompe com a fase superior do capitalismo, interpretado por Lenin, que é a fase imperialista. Então, para nós, é uma luta revolucionária. Nós chamamos de revolução.

Então, tanto na família do pai quanto da mãe, tenho vários tios e, especialmente, primos, que sempre estiveram implicados na luta nacional palestina. Depois eu pesquisei, um avô do meu pai, portanto, meu bisavô, foi chefe de um clã anti-otomano e enfrentou a presença otomana. Então, nós temos uma certa, digamos, tradição familiar.

O PODER POPULAR: E como foi que você se tornou um militante da causa palestina?

Bem, eu nasci no Brasil e em uma época em que não existia internet. Nós não falávamos o árabe. Então, a conexão com a causa palestina se dá a partir da vivência familiar. Meu pai falava da Palestina rigorosamente, todos os dias. Meu pai sonhava com a Palestina todas as noites e, de manhã, ele contava o que ele sonhou com a Palestina. E ele sempre falava em retornar. Então, quando aconteceu a guerra de 73, eu tinha 6 anos na época, foi o primeiro momento da minha vida que eu ouvi falar da Palestina a partir da perspectiva da guerra.

Depois, além dessa vivência familiar, há um momento histórico que era claramente de polarização. De um lado, o imperialismo estadunidense, de outro lado, um mundo anti-imperialista, liderado pela União Soviética. Havia uma grande luta anticolonial se desenvolvendo e eu me liguei muito às notícias da luta anticolonial. Também estava acontecendo a redemocratização, muitos debates, e eu tomo contato com o movimento estudantil.

Em 84 acontece uma coisa muito importante, que é ter contato com o Partido Comunista Brasileiro, ainda na ilegalidade, quando estava no movimento secundarista. Eu começo então a ter os primeiros contatos com o movimento palestino organizado no Brasil. Em 85, já filiado ao PCB, com o partido na legalidade, eu participo em Foz do Iguaçu de um grande encontro da juventude palestina no Brasil. E aí as coisas tomam um rumo muito mais acentuado. De lá para cá, essas coisas evoluem para o movimento antirracista, o movimento estudantil universitário, e o movimento palestino é vivido de um modo muito mais orgânico, organizado e denso.

"A luta anticolonial precisa ser entendida como uma luta revolucionária. Quando ela rompe com o imperialismo, ela rompe com a fase superior do capitalismo, interpretado por Lenin, que é a fase imperialista. Então, para nós, é uma luta revolucionária. Nós chamamos de revolução."

O PODER POPULAR: Pode falar um pouco sobre os acontecimentos do dia sete de outubro e como eles impactaram a situação na palestina?

Bem, já foram três meses de genocídio na Palestina, especialmente em Gaza. Nós estamos agora no quarto mês de contagem desde sete de outubro do ano passado. Alegadamente, a operação palestina de ataque a comandos militares israelenses estacionados nas proximidades da Faixa de Gaza, alegada por Israel como a maior matança de judeus após a Segunda Guerra Mundial e que a maioria seria de civis. Essa alegação que segue sendo repetida por Israel, de que teria havido 1400 vítimas, 1200 mortos e pouco mais de 200 “sequestrados”, e de que a esmagadora maioria teria sido de civis, não corresponde com a melhor verdade.

Segundo a agência governamental israelense Bituach Leumi, que é a agência de seguridade social de Israel, o número de pessoas listadas com nomes e as circunstâncias de suas mortes são 695. Esse é o primeiro dado.

O segundo dado é que fala-se em 300 a 400 pessoas que teriam sido mortas pela ação desastrada das próprias forças de ocupação israelenses. Depois inventaram essa história de rave, de que a ação militante e militar de resistência palestina só teria sido possível porque ali ao lado estaria acontecendo um evento artístico, um encontro cultural.

Deve estar havendo neste mundo, hoje, quantas raves? Em que lugar do mundo é possível uma ação militar de envergadura, por estar acontecendo ali uma rave? Por acaso a OTAN estava nessa rave? Os satélites de vigilância estadunidense estavam nessa rave?

"Não é com fim do mandato britânico, em 4 de maio de 1948, quando o sionismo se autoproclama Estado e se autodenomina Israel, que começa a limpeza étnica. Em 18 de dezembro de 1947, duas semanas após a aprovação da resolução 181 de 29 de novembro de 1947, já começa a limpeza étnica."

O PODER POPULAR: Para a Fepal, qual é a dimensão histórica deste conflito?

Não há como compreender o que está acontecendo agora sem compreender que projeto sionista é de tomada de toda a Palestina sem palestinos. O projeto foi inaugurado de fato com a Declaração Balfour de 2 de novembro de 1917, quando uma potência colonial encampa o projeto sionista de tomada da Palestina sem palestinos. Terminada a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações outorga um mandato ao Império Britânico colonial para implementar a Declaração Balfour na Palestina. E qual era o projeto? Era, por um processo de emigração massiva de euro-judeus e, ao mesmo tempo, despossessão e deslocamento da população originária não judaica e a criação de um estado judeu. Ao final do mandato, deveria acontecer a seguinte combinação: maioria demográfica judaica e essa maioria demográfica judaica realizada sob o ponto de vista da posse da terra, e realizar a autodeterminação, um direito já consagrado na Carta das Nações Unidas àquele momento.

O projeto colonial anglo-sionista faliu e chega a 1947 a apenas 30% de demografia judaica detendo apenas 5,87% do território, mesmo somada a ela a população originariamente judaica palestina que foi incorporada. A Grã-Bretanha, diante deste quadro, não tem outra coisa a fazer e entrega o problema que eles mesmos criaram para as Nações Unidas, com a sugestão de uma partilha deste território para que haja dois estados. Um para os palestinos, em sua própria terra, e um para os estrangeiros, para o projeto colonial sionista, em outra parte desta terra.

Após um longo debate, a ONU aprova uma resolução, que é a 181, de 29 de novembro de 1947, que recomenda a partilha da Palestina. A proposta era de 42,9% do território da Palestina para o povo palestino, dono dela há milênios, correspondente a 70% da população e detendo mais de 94% do território, e para o projeto colonial sionista, 56,5% do território, mesmo sendo apenas 30% da população e pouco mais de 5% do território. 0,6% do território, seria a área internacionalizada, basicamente Jerusalém, a ser administrada pela ONU em nome da comunidade internacional. A partilha foi aprovada e os sionistas dizem que a aceitam, sendo que, na verdade, realizarão aquilo que é o projeto sionista, tomar toda a Palestina sem palestinos.

Tem uma data muito importante, que é o 18 de dezembro de 1947. É quando começam os primeiros ataques dos grupos paramilitares sionistas a diversas localidades palestinas, inicialmente em povoados mais afastados, que depois partem para os grandes centros. Por que é importante destacar que a limpeza étnica começa no dia 18 de dezembro? Para demonstrar que os sionistas já tinham esse intento. Não é com fim do mandato britânico, em 14 de maio de 1948, quando o sionismo se autoproclama Estado e se autodenomina Israel, que começa a limpeza étnica. Em 18 de dezembro de 1947, duas semanas após a aprovação da resolução 181 de 29 de novembro de 1947, já começa a limpeza étnica.

771 localidades palestinas foram invadidas, 531 destruídas. Deste processo, 88% da população palestina, nos 78% de território tomado, são expulsos ou mortos. A maior limpeza étnica da história. Resultando nos atuais 6,2 milhões de refugiados e seus descendentes. 70% da população de Gaza é refugiada desse processo. 25% da população da Cisjordânia é refugiada deste processo. Outros 4 milhões estão fora da Palestina, principalmente nos países vizinhos.

Neste processo, foram assassinados 15 mil palestinos. Esta é a grande catástrofe palestina, a maior limpeza étnica da história, que nós chamamos de Nakba. Este é o fenômeno que demonstra o que é o sionismo e o que ele sempre quis, uma Palestina sem palestinos.

"Considerando que o Escritório de Estatísticas da Palestina já atualiza para 2 milhões os deslocados, considerando os 31 mil assassinados, temos 91,26% da população de Gaza deslocada ou assassinada. Este é o tamanho do holocausto palestino hoje."

O PODER POPULAR: É possível fazer uma comparação entre o Nakba e o que acontece hoje na Palestina?

O que vivemos hoje é uma reprise que já superou aqueles números. Neste momento, nós estamos considerando 7 mil desaparecidos sob os escombros, dos quais 99,7% não foram encontrados vivos, portanto, nós podemos considerar que apenas 0,3% desses 7 mil poderão estar vivos.

Nós estamos falando de, somados os desaparecidos, quase 31 mil assassinados por Israel em 97 dias de genocídio. E mais 63 mil feridos, a esmagadora maioria mutilados ou feridos graves, portanto, perto de 3% desta população ferida, sangrando, sem medicamento, sem hospital, sem nenhuma estrutura de saúde e sem sequer anestesia para realizar as amputações. Isso quer dizer que nós já temos mais do que o dobro de mortes da Nakba.

Considerando que o Escritório de Estatísticas da Palestina já atualiza para 2 milhões os deslocados, considerando os 31 mil assassinados, temos 91,26% da população de Gaza deslocada ou assassinada. Este é o tamanho do holocausto palestino hoje.

São 14 mil crianças, considerando as desaparecidas, assassinadas, isto dá perto de 6.300 crianças assassinadas para cada 1 milhão de habitantes. Segundo a Save the Children, entre 2019 e 2022, em todas as guerras no planeta não morreram 9 mil crianças. Isso dá uma criança, por 1 milhão de habitantes no mundo.

Quer dizer que Israel mata em Gaza 6,3 mil vezes mais do que a letalidade das demais guerras sobre a infância, ou seja, 6,3 mil vezes mais crianças são assassinadas por Israel do que todas as crianças assassinadas em todas as guerras nos últimos 4 anos em todo o mundo. 7.700 mil mulheres foram assassinadas. Considerando crianças, idosos e mulheres, Cerca de 80,2% da população assassinada em Gaza é dessas três categorias.

Portanto, civis. Considerando que a esmagadora maioria dos homens adultos assassinados foram assassinados em suas casas, com suas famílias, e, portanto, em hipótese nenhuma estavam em situação de combate ou mesmo militância de qualquer natureza, a esmagadora maioria também é civil.

Portanto, quase a totalidade da população assassinada em Gaza é civil.

Na Segunda Guerra Mundial, que durou 6 anos, a Alemanha perdeu 14,5% da sua população, 11 milhões de habitantes. Os civis foram 600 mil. 5,5% da sua população assassinada durante a Segunda Guerra Mundial, foi civil. E esse era o principal exército em combate na Segunda Guerra Mundial, o provocador da Segunda Guerra Mundial, o regime nazista. Israel, portanto, proporcionalmente, mata em Gaza hoje 17,5 vezes os civis mortos na Segunda Guerra Mundial. Segundo o próprio Josep Borrell, alto comissário para assuntos exteriores da União Europeia, a destruição na faixa de Gaza já supera a da Segunda Guerra Mundial. Se hoje a matança, que há na faixa de Gaza, persistisse durante os seis anos, como a da Segunda Guerra Mundial, 33% da população de Gaza seria assassinada. Isso daria mais ou menos 70 milhões de brasileiros assassinados. Daria 250 milhões de europeus pela demografia europeia ampliada de hoje. Esse é o tamanho do genocídio.

É por isso que vários funcionários da ONU disseram, já nos primeiros dias, que esse é o maior genocídio da história. A quantidade de explosivos lançados sobre Gaza já supera a capacidade destrutiva de três bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima.

15% dos 2 milhões de deslocados tratavam de alguma doença. Não tratam mais. 750 mil desses 2 milhões de deslocados são crianças.

Não há água, não há comida. Segundo a ONU, em virtude desta combinação fatal com a falta de infraestrutura, o frio, as chuvas, os alagamentos e os cadáveres que apodrecem sob os escombros, a falta de medicamento e estrutura hospitalar, os ferimentos estão infeccionando e os feridos Impossibilitados de fazer as amputações necessárias por falta de uma coisa essencial que são os anestésicos.

A quantidade de mortos em decorrência do desastre humanitário pode fazer dobrar a quantidade de mortos. Quase 3% da população de Gaza exterminada. Isso daria 6 milhões de brasileiros. Daria perto de 18 milhões de europeus. Esse é o tamanho do Holocausto palestino.

Esse é o tamanho do sionismo. Esse é o tamanho dos Estados Unidos. Esse é o tamanho dos que apoiam Israel no Brasil. Esse é o tamanho dos CNPJs de Cristo, vendilhões do templo, que pregam um deus racializado do Velho Testamento para justificar o genocídio na Palestina.

Esse é o tamanho dos sionistas no Brasil. Esse é o tamanho da Conib, a confederação da Inquisição no Brasil. Esse é o tamanho dos sionistas que se dizem de esquerda.

É possível ter fascismo de esquerda? É possível ter nazismo de esquerda? É possível ter apartheid de esquerda? É possível ter colonialismo de esquerda? É possível ter genocídio de esquerda? Esse é o tamanho moral dessa gente. Esse é o tamanho moral, intelectual, ético e político de toda a degeneração que é o sionismo, dos que defendem o sionismo, dos que defendem Israel, dos que defendem o deus racializado e matam em nome dele.

"Se trata de que genocídio é genocídio. Quando você está diante de um genocídio, não há mais grandes distinções ideológicas daquelas que vão dizer há ou não há uma luta de classes em vigor. Ou seja, não é a partir apenas dos partidos que me agradam que eu convoco isso. Eu convoco um confronto ao genocídio."

O PODER POPULAR: Essas mobilizações globais que estão acontecendo estão no calendário da FEPAL?

Sim. E as mobilizações populares são fundamentais. Entretanto, a gente percebe que as mobilizações exigem um grande esforço para serem realizadas, então acontece o ato público e, imediatamente, outras manifestações acabam não acontecendo.

Como é que o sionismo age? Ele não age com demonstrações públicas.

Ele age cooptando opiniões e construindo a opinião pública através das instituições em geral. Universidades, escolas, livros didáticos, a comunicação propriamente dita. Não se trata apenas de ter a hegemonia da comunicação de massas, mas de como trabalhar isso. E o que a gente sente é que o campo anti-hegemônico desleixa, talvez, em dar atenção a isso.

Não pereniza uma atitude cotidiana diária, hora a hora, minuto a minuto, de construção da sua visão de mundo e de desconstrução da visão de mundo não civilizada, bárbara, que está em vigor.

Eu tenho uma posição muito particular. Eu acho que as mobilizações são capazes de mudar a história. São capazes de modificar, em momentos históricos nevrálgicos, situações muito negativas como a atual, que é de genocídio na Palestina. Mas para que isso acontecesse de fato, seria necessário, por exemplo, mobilizações continuadas que ocupassem as ruas massivamente por incontáveis dias consecutivos.

De outro lado, independentemente de como esta mobilização se daria, se ela seria capaz de mobilizar o tempo todo muita gente, ela precisa perenizar. Ela precisa sempre pensar em um (pós). É nesse (pós), que nós, da FEPAL, estamos tentando nos preocupar.

É necessário e é possível, construir uma comunicação assertiva com dados, com informações, das quais seja possível informar e formar ao mesmo tempo. E eu não vejo isso acontecer com a quantidade e a qualidade necessárias. Nós estamos convocando as mobilizações, entretanto, isso não é suficiente. Em virtude também de elas não estarem sendo convocadas a partir dos grandes atores políticos da cena nacional, elas também perdem fôlego.

É preciso, para que essas mobilizações tenham um sucesso político permanente, que se perenize e que as iniciativas de convocação sejam mais amplas. Amplas no espectro político, ideológico e partidário.

É preciso que as grandes organizações sindicais estejam, que as grandes organizações juvenis estejam, que as grandes organizações estudantis estejam, que as grandes organizações de mulheres estejam, que as grandes organizações de direitos humanos estejam, que os grandes partidos estejam e que haja um acolhimento de parlamentares de vários matizes ideológicos para isso.

Por uma razão muito simples. Se trata de que genocídio é genocídio. Quando você está diante de um genocídio, não há mais grandes distinções ideológicas daquelas que vão dizer há ou não há uma luta de classes em vigor. Ou seja, não é a partir apenas dos partidos que me agradam que eu convoco isso. Eu convoco um confronto ao genocídio. Eu posso te assegurar, com dor no coração de dizer isso, que há muita aposta de alguns ativistas no gueto para favorecer as suas capacidades de cavalgar um cavalo. E não é assim que deve funcionar. Isso desfavorece a luta palestina. Involuntariamente ajuda a manter o genocídio ativo.

Nós precisamos romper as bolhas, romper os guetos, romper os isolamentos. A questão palestina precisa chegar às amplas multidões.

"Os palestinos produzem ciência. Os palestinos produzem as melhores azeitonas e o melhor azeite do mundo. As melhores tâmaras do mundo. A Palestina tem muito a oferecer ao mundo, em termos de história, arqueologia, turismo e espiritualidade."

O PODER POPULAR: Como que a FEPAL pensa a ação solidária, hoje no Brasil? Como articular isso hoje com os comitês?

Ainda no dia 7, nós fomos a primeira organização, talvez do ocidente, que tenha se pronunciado oficialmente dizendo: primeiro, o povo palestino tem direito à autodefesa. Segundo, trata-se de genocídio. Terceiro, há um linchamento midiático já programado. Há um genocídio midiatizado e haverá o primeiro genocídio televisionado.

Tudo isso está registrado e nós dissemos isso, e acusamos de propaganda de guerra premeditada.

Fomos também a primeira entidade brasileira a pedir o rompimento das relações diplomáticas com Israel, a expulsão do embaixador israelense, a retirada do embaixador brasileiro de Tel Aviv, e, em decorrência disso, a suspensão de todos os acordos de cooperação com Israel, sejam eles quais forem, e três especificamente, que em hipótese nenhuma devem serem implementados.

O acordo de cooperação no campo militar, o acordo de cooperação no campo da segurança, e o acordo de cooperação no campo da tecnologia. Três áreas implicadas na ocupação e no genocídio da Palestina.

Selados esses três acordos no governo anterior, que tinha tornado o Brasil uma extensão de Israel, cuja capital verdadeira do Brasil naquele momento era Tel Aviv e o Brasil tinha se convertido no maior kibutz da história, deve de revisar, na pior das hipóteses, o acordo de livre comércio entre Mercosul e Israel, que o Brasil ratificou há bastante tempo e que tem uma cláusula restritiva de produtos ou serviços originários das colônias instaladas ilegalmente em território palestino ocupado que não está sendo cumprida.

O mercado brasileiro está sendo inundado, por exemplo, por tâmaras ditas israelenses, produzidas no Vale do Jordão, roubado aos palestinos. Deve ser impedido também de que universidades e centros tecnológicos israelenses implicados na ocupação e na indústria bélica, bem como instalados fisicamente em áreas ocupadas, como em Jerusalém, tenham possibilidade de acordos de cooperação com instituições análogas no Brasil.

Outro aspecto é o de o Brasil, neste momento, apoiar publicamente e endossar a petição da África do Sul, endereçada à Corte Internacional de Justiça, que pede a investigação dos crimes de genocídio cometidos por Israel na Palestina, que vão do extermínio programado ao apartheid.

O Brasil deve apoiar essa petição, para que seja investigado o crime de genocídio, Israel sente no banco dos réus, responda pelos crimes de genocídio, e sejam condenados todos os seus dirigentes e aliados implicados no genocídio na Palestina. (No momento desta entrevista, o governo Brasileiro ainda não havia declarado o apoio à denúncia apresentada pela África do Sul)

E temos uma agenda positiva também. O Brasil precisa apoiar a Palestina. O Brasil precisa apoiar com o livre comércio com a Palestina, ratificar os acordos pendentes no campo da cultura, no campo da educação, no campo da tecnologia e o acordo de livre comércio Mercosul-Palestina.

As universidades devem buscar acordos de cooperação com universidades palestinas. As organizações de trabalhadores no Brasil, de jornalistas, do campo artístico, do campo metalúrgico, do campo bancário, os juristas, as entidades de direitos humanos, estudantis, de mulheres, todas devem buscar as suas congêneres palestinas e colaborar com elas.

Os empresários brasileiros devem buscar a Palestina como uma porta de entrada para o mundo. Se comunicar com a Câmara de Comércio Árabe Brasileira, sediada em São Paulo. Tudo isso para que a Palestina se realize no concerto das nações, para que seja próspera, capaz de autossuficiência, e que seja capaz de entregar ao mundo o que ela tem de melhor.

Os palestinos produzem ciência. Os palestinos produzem as melhores azeitonas e o melhor azeite do mundo. As melhores tâmaras do mundo. A Palestina tem muito a oferecer ao mundo, em termos de história, arqueologia, turismo e espiritualidade. E a Palestina tem interesse em comprar coisas do Brasil. Por que a Palestina vai comprar dos seus algozes? A Palestina quer se relacionar com os seus amigos e o Brasil é um país amigo. Então, eu diria que essa é uma perspectiva de solidariedade institucional.

Não pensem que a única maneira de defender a Palestina é justamente aquela que é impossível, pegar em armas, ir lá e defender os palestinos da agressão bélica israelense, de extermínio e genocida. Não. Você tem as mídias sociais à sua disposição. Você tem a tua universidade à tua disposição, a sua escola à sua disposição, professores à tua disposição, a opinião pública brasileira à sua disposição, o seu sindicato, o seu partido, o seu clube de serviço, a sua região de moradores, tudo está à tua disposição. Se conecte às mídias sociais da Fepal, ao site da Fepal e contribua de outras maneiras, como por exemplo a ação humanitária.

Nós estamos arrecadando recursos para os repatriados brasileiros que estão numa situação de penúria. Você pode ajudar depositando qualquer valor na conta humanitária aberta pela Fepal através do pix ajudegaza@gmail.com.

A Fepal trabalha com a ideia de que é preciso constituir comitês porque os comitês ajudam a organizar nossa luta.

Os comitês têm que ser o mais comprometidos o possível e saber que o seu trabalho é ampliar para um espectro ideológico, político e partidário mais amplo para a solidariedade, porque genocídio não é de esquerda ou direita. Isso não quer dizer que os fascistas, os extremistas, os racistas devem estar, claro.

E precisamos que sejam capazes de perenizar a luta palestina, porque os comitês não podem nascer com os genocídios e morrer aos seus términos. Como se os próprios genocídios fossem a agenda somente quando eles estão acontecendo da forma mais brutal e aparente.

"As universidades devem buscar acordos de cooperação com universidades palestinas. As organizações de trabalhadores no Brasil, de jornalistas, do campo artístico, do campo metalúrgico, do campo bancário, os juristas, as entidades de direitos humanos, estudantis, de mulheres, todas devem buscar as suas congêneres palestinas e colaborar com elas."

O PODER POPULAR: Qual seria a mensagem final para o nosso leitor?

Eu daria três mensagens relativamente simples.

A primeira é de que percebam Israel como um modelo de apartheid que está sendo construído para ser exportado para o mundo. Não por acaso, todos os extremistas que promovem racismo, ódio e intolerância no Brasil, por exemplo, têm estampado a bandeira de Israel em seus perfis de mídias sociais.

Israel é um modelo de extermínio que pode ser aplicado em qualquer canto do mundo.

É um modelo de colonização por assentamento e limpeza étnica, que pode ser replicado. E é, especialmente, um modelo de apartheid, um modelo de ódio, intolerância e de supremacismo, portanto, de racismo institucional, que pode, se triunfar, ser adotado como um modelo, sobrepujando o direito internacional construído a duras penas, especialmente quanto aos direitos humanos.

É uma luta civilizacional de toda a humanidade que o modelo israelense seja enfrentado e derrotado.

Segunda: a luta palestina é uma luta de libertação nacional.

É uma luta ideológica? Sim.

É uma luta anti-racista? Sim.

É uma luta anti-imperialista? Sim.

Ela é uma luta anti-hegemônica? Sim.

Mas ela não é uma luta estritamente ideológica, ao ponto de estar só para cá ou só para lá. Para ajudar a questão palestina, é preciso que todos aqueles e todas aquelas que, independentemente do partido político ou a matriz ideológica a que pertençam, lutem contra o genocídio, lutem contra o apartheid, lutem contra o racismo, lutem contra o extermínio e a solução final na Palestina.

E terceira: não caiam nas armadilhas discursivas dos defensores de Israel.

Eles querem dizer que há uma luta civilizacional entre oriente e ocidente, Islã e Cristianismo. Isso não é verdade.

O que há é uma presença colonial e uma luta anticolonial. Hitler é o que? Ocidental. O nazismo é o que? Ocidental. Os judeus foram perseguidos onde? No Ocidente, pelas ideologias ocidentais, por outros ocidentais. Onde é que se deram os campos de extermínio? No Ocidente, na Europa, por outros europeus ocidentais. O apartheid é o que? Ocidental.

Os ocidentais inventaram o Apartheid na África do Sul. Os crimes coloniais e todo o colonialismo é ocidental. As bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki são ocidentais. A escravização da África é ocidental. Os negros foram sequestrados para serem escravos no ocidente, para servir e construir o ocidente.

As duas guerras do ópio, ocidentais. Os holocaustos coloniais com mais de 200 milhões de vítimas fatais, ocidental. As duas guerras mundiais, ocidentais. O extermínio ameríndio, ocidental. Todos os crimes de lesa-humanidade computáveis nos últimos 500 anos são diretamente ou indiretamente ocidentais.

Por isso que Israel se jacta de ser ocidental e representante do Ocidente. Israel expressa o que há de pior na elite degenerada autoproclamada ocidental.

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