FIM DO VESTIBULAR! PELO ACESSO UNIVERSAL AO ENSINO SUPERIOR!
Por Gustavo Pedro - Dirigente nacional da UJC e Coordenador do Pré-Vest Popular Lima Barreto - ZO/RJ
Os vestibulares, e exames de admissão em geral, são constituídos historicamente como “barreiras dcontenção” para o acesso à educação pela classe trabalhadora. Levantar o debate sobre a universalização do acesso ao ensino superior público é mais um passo a ser dado pelos movimentos estudantis, sindicais e populares na luta pela garantia do acesso a educação pública.
O debate sobre os filhos da classe trabalhadora e dos trabalhadores em geral acessando as universidades públicas sempre foi tratado como certo idealismo pelo consenso liberal, visto que a ideologia dominante produz e reproduz constantemente formas de subjugar e justificar a exploração e a opressão dos trabalhadores. E isso se agrava quando tratamos das parcelas mais pobres, que são constituídas de maioria negra, assim como a classe trabalhadora brasileira em geral, em um país fundado sobre o genocídio de povos indígenas e o trabalho forçado de pessoas negras escravizadas.
O acirramento das posições liberais e reacionárias contra os movimentos negros e a luta pela conquista das cotas sociais e raciais demonstrou bem como os ideólogos liberal-burgueses estão sempre dispostos a defender os interesses particulares da classe dominante como se fossem interesses de todos.
Nas últimas décadas, a luta concreta dos movimentos sociais garantiu a imposição frente ao parlamento burguês, sob governos social-liberais petistas, a conquista das cotas sociais e raciais, de ampliação de vagas e das verbas para o ensino superior público. A contrapartida exigida pelo capital monopolista, que busca aprofundar o caráter da educação enquanto mercadoria, foi o direcionamento de parcela expressiva do fundo público para o financiamento dos oligopólios privados. Isso foi fundamental para que se fortalecessem no domínio das matrículas totais no ensino superior, enquanto precarizam as condições de trabalho dos docentes, fazem avançar modalidades remotas de ensino e achacam os estudantes com taxas e aumentos abusivos.
As taxas de lucro de capitais privados no setor da educação foram elevadas com vagas de “mensalidades garantidas pelo governo” e se acirrou um processo de concentração e centralização do capital nesses grandes grupos econômicos que mais se beneficiaram da política de contrapartida, característica de governos de conciliação de classes.
Com o avanço de um cenário de crise econômica e crise política, a resposta do capital monopolista no setor da educação se deu primeiro enquanto pressão pela realização de cortes expressivos no financiamento da educação pública seguido de uma ofensiva ideológica contra os professores e as professoras para, logo depois, conquistarem avanços na “privatização por dentro” das universidades públicas e a contrarreforma do novo Ensino Médio.
Duas décadas de desarme ideológico e apassivamento das lutas dos trabalhadores acabaram deixando os instrumentos de luta classista sem capacidade prática de resposta à ofensiva burguesa ainda em curso. A luta dos gabinetes como forma central de conquistar vitórias, apontada dessa forma por movimentos que compunham os governos Lula e Dilma e dirigem entidades estudantis com a UNE, UBES e ANPG, mostrava na prática suas limitações e o erro de transformar entidades e movimentos de luta em correias de transmissão da posição do governo. Isso ocorria enquanto os donos dos conglomerados de educação avançavam de forma consistente.
O cenário criado foi muito lucrativo para os tubarões da educação. Nos governos progressistas se fortaleceram com a expansão de crédito e isenções, nos governos reacionários aproveitaram-se de sua musculatura acumulada para avançar sobre fatias novas de mercado que as privatizações criavam e implementando diretamente - sem necessidade de mediação alguma! - seu programa de formação alienante da força de trabalho.
Um dos exemplos mais destacados da formação do capital monopolista nesse setor é do Cogna Educação (novo nome da controladora da Kroton Educacional), maior monopólio de educação privada do país, com receita líquida anual que atingiu R$ 5,1 bilhões em 2022, e que está entre os maiores do mundo. Mas poderíamos citar também o caso do Grupo Yduqs, dono de faculdades como a Estácio e Ibmec, dentre outras, que obteve R$ 4,56 bilhões de receita líquida no mesmo ano. É um mercado de bilhões!
Uma das fatias de mercado em ascensão foi a das empresas de cursos pré-vestibulares, os cursos também chamado de comerciais. Não por acaso citamos o caso da Cogna/Kroton, visto que a empresa surgiu nos anos 60 enquanto curso pré-vestibular Pitágoras e tornou-se, nas últimas décadas, um gigante em nível global. Em entrevista à Folha de SP, no ano de 2017, uma das coordenadoras do Grupo Objetivo afirmara que o ENEM fez aumentar a procura pelos cursos do Grupo.
A ampliação dos números de salas dos cursos, mesmo em contexto de crise econômica, estaria ocorrendo porque as pessoas deixam o corte nos gastos em educação por último dentre os gastos pessoais. Exatamente o contrário do que os donos desses cursos defendem, através de seus lobistas que vão a Brasília, para reduzir os investimentos em educação pública e operar a manutenção de uma escassez de vagas que alavanque o preço das mensalidades do ensino privado e dos cursos comerciais.
A manutenção do vestibular é muito lucrativa para essa parcela da burguesia! Não é por acaso que esses grandes grupos educacionais investem centenas de milhões em publicidade todos os anos, sempre alardeando taxas de aprovação, muitas vezes manipuladas, e colocando estudantes como inimigos uns dos outros na disputa pelo acesso à universidade pública.
A tentativa de auto-organização de parcelas da classe trabalhadora para a construção de cursinhos pré-vestibulares populares ou comunitários que impulsionem os trabalhadores mais pobres e seus filhos nessa disputa é uma sinalização de resposta na luta de classes, em que um direito é transformado em mercadoria, mas é limitada. Tanto pelas dificuldades materiais dos movimentos sociais quanto pela ausência de superação do problema central: a restrição do acesso à universidade pública pela classe trabalhadora se mantém.
A ARTICULAÇÃO DE LUTAS
O vestibular nunca foi pensado como um meio de acesso dos trabalhadores a universidade. Na realidade ele opera o papel de barrar o acesso a uma parcela da população trabalhadora, a quem o direito à educação em todos os níveis deve ficar restrito a um sonho distante. É garantidor do discurso excludente, e muito corrente entre os cursos mais concorridos na distribuição atual de vagas, de que a universidade não é para todos e que os “menos preparados” não terão o direito garantido. É também a existência do vestibular que garante à ideologia dominante imprimir sobre a classe trabalhadora o pensamento de que a “universidade é só para playboy”, como forma de manutenção do projeto de reprodução do capital.
Através da construção do programa do Movimento por uma Universidade Popular, defendemos o fim do vestibular porque o único critério para a entrada na universidade pública deve ser a vontade de estudar! O acesso à universidade pública deve ser livre!
Caminhar para a universalidade do acesso ao ensino superior é darmos um passo a mais em relação à instituição da política de cotas sociais e raciais, que fortaleceu um importante debate sobre o acesso de trabalhadores e seus filhos à universidade pública. Um passo a mais que, avançando no debate de universalização do acesso, avance também sobre a maior limitação da política de cotas vigente que é a necessidade de atrelar a mesma ao debate sobre garantia da permanência dos estudantes da classe trabalhadora na universidade pública. As políticas de acesso e de permanência não podem estar desconectadas!
Assim como na garantia de universalização do acesso ensino médio como dever do Estado, que foi formalmente reconhecida apenas com a lei 12.061 de 2009, o acesso ao ensino superior deve ser um horizonte a ser perseguido para caminharmos em direção à construção de uma Universidade Popular. Tratar a educação enquanto um direito, desde a creche até a educação superior, é lutar para garantir um direito da nossa classe.
Acabar com esse mecanismo de manutenção de desigualdades é avançar no debate sobre democratização do acesso em benefício da classe trabalhadora. É tanto uma política de abertura de oportunidades no mercado de trabalho com níveis maiores de qualificação, de forma mais imediata, como também uma perspectiva de construção de futuro para a juventude que hoje é colocada para concorrer entre si em um processo provocador de endividamento e adoecimento entre os nossos.
Certamente é uma luta que enfrentará resistências, pois abalará de forma central os lucros dos oligopólios da educação que acumulam bilhões de reais anuais com essa restrição. Seja com a proliferação de cursos comerciais ou com a educação sendo tratada enquanto mercadoria, a classe dominante ganha com o fomento das desigualdades que busca reproduzir como se fossem naturais, e não condicionadas por um modo de produção baseado em relações sociais de produção que os beneficia diretamente.
Devemos nos utilizar de exemplos com o da Argentina, onde o vestibular já não existe, e de outras experiências de vitórias na democratização do acesso e na universalização da educação. Vitórias garantidas por estudantes e trabalhadores em luta pelo mundo. Isso é fundamental para que possamos ir além em nossas lutas!
A efetivação do acesso universal como direito garantido nos permitirá centrar fogo também no debate sobre a permanência dos estudantes nas universidades, visto que dentro da sociedade burguesa as desigualdades brutais que envolvem questões de classe, raciais, de gênero, sexualidade e de origem seguiriam existindo. A universidade não é uma bolha isenta das contradições da sociedade burguesa e não seria a universalidade do acesso que acabaria com isso, mas certamente essa seria uma conquista garantidora de lutas em melhores condições para os trabalhadores e as trabalhadoras.
Criar nossos próprios caminhos para a construção da Universidade Popular deve ser tarefa dos movimentos populares e de nossas entidades de luta. Implementar planos ousados de uma expansão do acesso, formulada dentro de um debate sobre Reforma Universitária que implemente: políticas de assistência estudantil estruturante e de garantia da permanência de populações em situação de vulnerabilidade; fortalecimento do ensino, da pesquisa e da extensão popular; avanços na conexão da universidade com o povo trabalhador que a construiu e a mantém funcionando, bem como seus movimentos de luta; incentivo à produção de ciência voltada aos interesses da população trabalhadora, da soberania popular, e não simplesmente ao sabor das demandas do “mercado”.
Falar de acesso livre à universidade pública é pautar uma liberdade que é negada a milhões de trabalhadores no presente, pois fica submetida à liberdade do capital de criar barreiras que garantam a liberdade dos capitalistas de submeterem toda a sociedade ao seu direito de propriedade privada. A propriedade dos capitais monopolistas segue assim nos privando de um direito que deve ser entendido enquanto direito humano básico e universal! Enfrentar esses interesses passará por não deixarmos os estudantes de tais instituições privadas sem amparo, principalmente os prounistas, bolsistas e estudantes que estão se endividando com o FIES, sendo uma necessidade imediata a incorporação dos mesmos às universidades públicas.
Com isso abriremos uma janela de oportunidades para encampar as estruturas físicas de tais cursos e instituições privadas, que hoje apenas sobrevivem por conta do financiamento público e entrarão em processo falimentar. Todo o financiamento público deverá ser direcionado para a educação pública e para a construção de uma Reforma Universitária que garanta a expansão do acesso com interiorização, ampliação de horários noturnos e melhoria das condições de trabalho de docentes e técnico-administrativos educacionais, incluindo os trabalhadores hoje terceirizados que poderão ser incorporados aos quadros permanentes de trabalhadores da educação. Os professores de cursinhos populares hoje existentes poderão ser incorporados na construção de ciclos básicos nas universidades, gerando também empregos com garantias de direitos a esses trabalhadores.
Isso nos coloca também a constatação de que tal luta deve necessariamente carregar em si um horizonte de construção do socialismo. A luta pelo socialismo é imprescindível para que consigamos superar as contradições impostas pela realidade material, na qual o direito à propriedade burguesa submete todos os outros, tornando legislações sobre a igualdade, liberdade e segurança, quando referentes aos interesses da da classe trabalhadora, meras abstrações vazias.
A classe trabalhadora, dentro da ampla diversidade que a constitui, deve tomar para si o objetivo de derrubar todos os escombros da sociedade que nos explora, oprime e massacra. A luta dos movimentos populares na educação não pode estar desarticulada das lutas gerais pela emancipação do povo trabalhador do país. O projeto de Universidade Popular, enquanto realização dos trabalhadores em luta, apenas se dará em sua plenitude enquanto rumarmos na direção da construção do Poder Popular e do Socialismo!
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