Grêmio estudantil da Zona Norte de São Paulo realiza campanha de distribuição de absorventes
Estudantes do grêmio USE (União Social Estudantil) da escola estadual Doutor Octávio Mendes reverteram verba arrecadada em itens de higiene pessoal e os distribuíram na escola.
Por pobreza menstrual, entende-se o cenário que enfrentam muitas pessoas no período menstrual: condições precárias de saúde, falta de acesso a itens básicos, falta de informação, falta de apoio nesse período, etc. O estudo Pobreza Menstrual no Brasil, realizado pela UNFPA, confirma que quatro milhões de pessoas não têm acesso a itens para cuidados íntimos nas escolas em que estudam. Em São Paulo, a realidade não é diferente: a rede estadual de ensino dispõe do chamado Programa Dignidade Íntima, que destina mais de 30 milhões de reais às escolas para compra de produtos de higiene íntima, visando combater o problema.
O programa é construído sobre cinco eixos: formação para todos na escola, protagonismo dos jovens, distribuição de material informativo, construção de rede de apoio escolar e aquisição e distribuição dos produtos de higiene íntima menstrual. Sabendo que há escolas estaduais que não contam com instalações tão básicas quanto banheiros, água potável ou materiais de higiene como papel higiênico e sabão, torna-se ainda mais preocupante a realidade de evasão escolar que enfrentam pessoas que, ao menstruar, param de frequentar a escola. Considerando que, no Brasil, a idade média com que ocorre a primeira menstruação é de 13 anos, a maior parte da vida acadêmica é marcada pela evasão escolar causada pela pobreza menstrual.
Na Zona Norte de São Paulo, a União Social Estudantil, grêmio da Escola Estadual Doutor Octávio Mendes, realizou a distribuição de kits de higiene íntima para todos os alunos da escola. Desde o início da campanha da USE, os gremistas se propuseram a ser um instrumento de organização e discussão dos alunos da escola, que sofrem com uma direção autoritária e insatisfatória. O grêmio eleito, hoje, baseia seu trabalho na melhora do ambiente escolar para alunos e funcionários, bem como na ampliação de discussões políticas relacionadas ao movimento estudantil. Indo contra o primeiro eixo do Programa, o Grêmio Estudantil recebeu a orientação de realizar a distribuição e conscientização apenas com as alunas da escola, ignorando a existência e conforto de alunes transgênero no colégio. Os kits foram distribuídos para todas as salas do sexto ao terceiro ano, inclusive para os alunos que conheciam alguém de fora do contexto escolar que necessitavam de tais produtos, além das funcionárias da cantina e limpeza da escola.
Luca de Melo, estudante trans e parte do U.S.E. (União Social Estudantil) também comenta sobre a ação que o grêmio tomou e sua perspectiva sobre o assunto:
“Eu acho que é uma ideia e uma ação muito boa entregar o kit de absorventes pra galera porque é algo necessário, é uma questão importante de higiene pessoal e todas as pessoas que menstruam deveriam ter acesso a esse tipo de recurso. A gente vê tantas notícias por aí de pessoas que estão em vivência de risco que mal têm onde morar ou o que comer, imagina pensar sobre esse tipo de cuidado.
É uma questão importante fazer kits e entregar pela escola, pois também tem a ver com vergonha, sabe? Mesmo sendo algo tão normal e rotineiro, muita gente ainda cria uma barreira quando se trata de higiene íntima. É importante ensinar sobre e trazer conforto aos alunes que menstruam. Por exemplo, uma pessoa que não tem acesso a Internet ou coisas do tipo e que nunca teve esse ensinamento seja em ambiente escolar ou em casa, não vai saber como se cuidar da maneira correta, trazendo sentimento de insegurança com o próprio corpo. Trazer um projeto feito por próprios alunes que dê segurança e ajude essas pessoas é de extrema importância, já que, às vezes, nem a própria escola se importa com esse tipo de pauta.
Eu, como uma pessoa trans não-binária que possui útero, me sinto muito mais confortável em receber o kit em um ambiente neutro; devemos pensar também em alunes da comunidade trans que não se sentem confortáveis em entrar no banheiro feminino mesmo que seja apenas para pegar o absorvente. Um dos locais mais hostis para pessoas trans costuma ser a escola e o próprio banheiro em si. O medo de ser violentade ou invalidade quando o assunto é menstruação é muito frequente principalmente entre pessoas trans masculinas. É preciso quebrar essa ideia de que apenas mulheres menstruam, pessoas não-transicionadas existem e é necessário dar essa visibilidade, é preciso acolher esta pessoa e confortá-la em um lugar importante como a escola, que ela vai passar metade de sua vida.”
Uma outra estudante do CEDOM, também parte da U.S.E, Aiko Maruya, que participou das reuniões prévias à distribuição e à campanha, acrescenta:
O projeto da distribuição de absorventes nas escolas públicas é algo que deve ser contínuo, porque não é só hoje que precisamos de absorventes e lencinhos, mês que vem eu menstruo de novo. Esse ato de distribuir pessoalmente torna mais pessoal do que disponibilizar no banheiro, - apenas no feminino, como é feito aqui - fazendo com que a comunidade abrace e dê afeto às pessoas. É muito chato que inicialmente foi proposto que fossem chamadas só as meninas para essa conversa, até porque temos pessoas que não são mulheres e têm útero, mas também porque todos tem que entender que a menstruação é uma coisa natural, comum. Mesmo pessoas sem útero têm que estar no lugar de ter empatia e entender que não é algo nojento e vergonhoso, nem algo sobre o qual não se pode falar. A acessibilidade do absorvente vem se tornando obsoleta, com tantos outros métodos disponíveis, e é muito triste que aqui a gente só possa disponibilizar um tipo de material, sendo que existem pessoas que se adaptam diferentemente a diferentes produtos. Acho que deveria ter uma maior variedade de produtos; a ignorância da escola em relação às necessidades dos alunos referentes à sua higiene íntima escancara que a maior parte das escolas realiza essas campanhas por mera obrigação; não se preocupando com os corpos dos alunos, torna-se um projeto de fachada. Apesar de tudo, o projeto foi bem interessante, eu espero que a gente, na próxima, consiga abraçar a acolher as pessoas, e fazer falas construtivas sobre o assunto. Infelizmente, várias vezes ao decorrer do desenvolvimento do projeto, tivemos que ir contra as orientações da direção, explicando que menstruação não é coisa só de mulher. A discussão sobre o assunto ainda se faz necessária
Pode-se, inclusive, retornar à setembro de 2021, momento em que Bolsonaro vetou a distribuição de absorventes para pessoas em situação de carestia, torna-se evidente como a negligência do fornecimento de um produto fundamental para a higiene pessoal, por parte das classes dominantes, é um projeto político, que visa negar a própria existência das pessoas com útero, que ficam ainda mais expostas à infecções e doenças sérias.
É sabido que, com a atual crise do capital, a compra de quaisquer produtos foi gravemente prejudicada para a classe trabalhadora e seus filhos. Necessário ressaltar, porém, que, quando se tem dificuldade para comprar comida, itens de higiene menstrual tornam-se itens de luxo. É estimado que, a cada ciclo menstrual, há um gasto médio de R$30,00, valor que representa 2,3% do salário mínimo paulista. Em um país no qual as casas e finanças são dominadas por homens cisgênero, menstruar em idade escolar é depender, muitas vezes, de pessoas que veem produtos de higiene como artigos superflúos. Por ser um tabu, a menstruação não pode ser discutida em casa e apenas recentemente foi debatida nas escolas. O desconhecimento e vergonha em relação ao tema só fazem aumentar o número de pessoas que deixam de frequentar escolas e até mesmo espaços de lazer durante o período menstrual.
Publicado originalmente em: https://www.ofuturodesp.com.br/gremio-estudantil-da-zona-norte-de-sao-paulo-realiza-campanha-de-distribuicao-de-absorventes/
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