Humberto Matos e a tática dos comunistas para as eleições do RS

Humberto Matos e a tática dos comunistas para as eleições do RS

Por: O Poder Popular ·

Leo Silvestrin* e Caio da Silva**

No dia 28 de Agosto, o camarada Humberto Matos, em sua tradicional live de domingo, teceu comentários sobre suas táticas e sobre as campanhas eleitorais do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e da Unidade Popular pelo Socialismo (UP) no Rio Grande do Sul.

Ao mesmo tempo em que criticou fortemente e corretamente o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) por enfraquecer a sua campanha como candidato à Câmara Federal, o camarada Humberto justificou sua tática eleitoral, afirmando que um candidato comunista hoje não tem condições de se eleger, no atual sistema político brasileiro, sem concorrer em partidos da ordem burguesa – como é o PSOL, de acordo com suas próprias palavras. Na mesma live, Humberto também fez críticas e manifestou suas divergências com as campanhas do PCB e da UP.

Em relação ao PCB, afirmou que nossa campanha "não existe" no Rio Grande do Sul e que o PCB deveria aprender a se comunicar "para além dos DCEs, principalmente o DCE da UFRGS". Sobre a UP, Humberto afirmou que a campanha deste partido está mais ligada à classe trabalhadora no RS, mas criticou o apoio da UP à Luciana Genro, candidata à Deputada Estadual do PSOL, afirmando que é despolitizante e potencialmente eleitoreiro o movimento comunista se alinhar desta forma com organizações morenistas — notadamente, o Movimento da Esquerda Socialista, corrente de Genro que dirige o PSOL no Rio Grande do Sul.

Em nossa visão, algumas das afirmações feitas pelo camarada estão corretas; já outras estão imprecisas e equivocadas. Por valorizar o debate franco e solidário entre comunistas, resolvemos analisar e responder essas colocações feitas pelo camarada Humberto, sobre a tática das e dos comunistas nestas eleições burguesas do Rio Grande do Sul.

Sobre o estado da campanha eleitoral do PCB

Acreditamos que parte das críticas colocadas estão corretas. Por exemplo, quando ele fala que a campanha eleitoral do PCB no RS está aquém do necessário para construirmos uma alternativa revolucionária dos trabalhadores em nosso estado, nós temos pleno acordo. Sabemos que ainda não estamos com o mesmo nível de organização que o PCB conseguiu atingir em outros estados, como por exemplo ocorre com a campanha dos camaradas paulistas, que estão agindo de forma exemplar através da candidatura do camarada Gabriel Colombo ao Governo de São Paulo. Também não conseguimos ainda chegar ao estágio político-organizativo da campanha dos camaradas pernambucanos, que estão usando o trabalho de agitador e propagandista do camarada Jones Manoel para chegar no interior do estado, levando o programa comunista para as pessoas que mais precisam. Há ainda muitos outros exemplos que poderíamos citar, como as candidaturas ao Executivo e Legislativo da camaradagem do Rio de Janeiro, com o camarada Eduardo Serra e a nossa Bancada do Poder Popular na ALERJ, Câmara Federal e Senado; ou a postura combativa da camarada Vivi Motta no debate da Band no Paraná.

Embora o Rio Grande do Sul hoje conte, em níveis absolutos, com uma das maiores militâncias do PCB a nível nacional – fato que o camarada Humberto pode ter presenciado no último Grito dos Excluídos em Porto Alegre, já que em alguns momentos passou perto do nosso Bloco do Poder Popular –, ainda estamos no processo de universalizar experiências de campanhas políticas vitoriosas, como a já citada campanha do DCE da UFRGS. Para o PCB, como o camarada sabe, isso não é uma tarefa fácil.

Temos inúmeras dificuldades de financiamento, não tendo à nossa disposição o nível de recursos que partidos da ordem tem (nem mesmo os recursos recebidos pelas candidaturas "menores" destes partidos, que para nós já fariam grande diferença). Isso faz também com que não tenhamos condições de pagar um número considerável de camaradas da nossa militância para que estes possam ficar plenamente disponíveis para o período eleitoral, o que limita a potencialidade do nosso trabalho político.

Não fosse isso suficiente, as candidaturas do PCB são perseguidas politicamente. Alguns exemplos: em uma eleição, um camarada nosso foi demitido da fábrica em que trabalhava, por ser um candidato comunista; noutro pleito eleitoral, nossa camarada, trabalhadora de TI, por ter concorrido pelo Partido, até hoje não conseguiu emprego em sua área; mais recentemente, nossa camarada que concorre a Deputada Federal, a camarada Juliana Guerra, se encontra frequentemente sendo atacada nas redes sociais por grupos neonazistas e de extrema-direita, por ser uma travesti comunista que defende as experiências socialistas e a necessidade da Revolução Brasileira.

Condições para vitória: realismo ou fatalismo?

Sabemos, na verdade, que não há nada de novo ou extraordinário nos casos narrados acima. O PCB viveu a maior parte da sua vida na clandestinidade, proibido de disputar as eleições burguesas. Em todo o mundo capitalista, o movimento comunista é criminalizado e todo tipo de empecilho é criado para impedir a classe trabalhadora revolucionária de chegar ao poder.

Mas nem por isso devemos cair em fatalismos. Por exemplo, mesmo com todas as perseguições do regime político comandado pelo presidente Erdogan, o Partido Comunista da Turquia (TKP) conseguiu eleger em 2019 o camarada Fatih Mehmet Maçoğlu como prefeito na cidade de Tunceli, sem abrir mão da estratégia e tática revolucionária. Na Grécia, país em que até pouco tempo o (hoje ilegal) partido neonazista Aurora Dourada estava perto de tomar o poder, o Partido Comunista da Grécia (KKE) elege prefeitos e parlamentares, inclusive tendo dois representantes dentro da União Europeia. Mais perto, o Partido Comunista da Venezuela (PCV) conseguiu eleger Oscar Figuera, membro do Comitê Central, para a Assembleia Nacional, mesmo contando com a oposição do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o qual dirige o Estado venezuelano e que atualmente aplica uma política que aprofunda a dependência da Venezuela com o capital internacional, a qual o PCV se opõe.

Comício do KKE nas eleições de 2019. Divulgação: In Defence of Communism.
Comício do TKP nas eleições de 2019. Divulgação: Duvar English.
Bloco do PCV em ato na Venezuela. Divulgação: Partido Comunista Brasileiro

Não compartilhamos, portanto, da posição do camarada Humberto, quando este afirma que não existe possibilidade de um Partido Comunista eleger militantes revolucionários no atual regime político brasileiro. Como em outros Estados capitalistas, existe uma brecha a ser aproveitada pelos Partidos Comunistas. O que falta é organização, alternativas de financiamento que não dependam do Estado nem dos monopólios privados e um forte movimento dos trabalhadores dirigido pelo Partido, nos locais de trabalho e moradia, o que consequentemente aumentará a viabilidade do PCB como alternativa política dentro e, principalmente, fora das eleições burguesas.

A vitória da chapa Retomada Popular no DCE da UFRGS e a questão da comunicação

Já que foi citada na dita transmissão, o camarada Humberto deveria estudar com maior profundidade este último processo político ocorrido na UFRGS, ainda mais sendo um militante comunista que atua na área da educação. A atual gestão do DCE — gestão Retomada Popular: Radicalizar para Avançar — é fruto de uma aliança que nasceu da unidade travada para a conquista da primeira Casa do Estudante Indígena da UFRGS, ainda antes da eleição. Da nossa parte, temos grande orgulho do nosso trabalho, que possibilitou a vitória de uma coligação formada por estudantes trabalhadores, liderada pela União da Juventude Comunista (UJC) e pelo Coletivo de Estudantes Indígenas (CEI), nas eleições de uma das maiores entidades estudantis do Brasil. Para nós, isso não é pouco.

Por falar em comunicação, essa vitória não foi comentada por nenhum meio de comunicação local, como a Zero Hora ou o Correio do Povo, nem mesmo pela dita “mídia progressista”, como o Sul 21 ou o Brasil de Fato. Talvez porque ganhamos sem fazer alianças reboquistas com a social-democracia ou com a direita, já que travamos uma luta radical e sem conciliações. Vencemos uma máquina política forte, inclusive do partido que o camarada Humberto hoje concorre, tudo graças ao trabalho de base e a defesa incansável não apenas dos direitos hoje existentes, mas principalmente a defesa de um novo modelo de educação socialista para a classe trabalhadora.

Em que pesem as óbvias particularidades, ali contém um exemplo de construção programática e agitação e propaganda que são úteis para pensarmos em como universalizar uma política eleitoral que contemple a integralidade da nossa classe. Canais comunistas dedicados à educação popular, como é o canal do Humberto, deveriam abrir um espaço em sua programação para trazer mais visibilidade para experiências políticas importantes como essa, que ocorreu no movimento estudantil da maior universidade do Rio Grande do Sul.

Nosso ponto central, sem querer cair em falsas equivalências, é que nem sempre as candidaturas com mais dinheiro e apoio midiático serão as únicas vitoriosas em todas as disputas políticas. Se assim fosse, os processos revolucionários seriam impossíveis.

A respeito da tática do camarada Humberto para estas eleições

O camarada Humberto também deve saber que os riscos da capitulação política de comunistas que atuam dentro de partidos social-democratas são altos, como a história comprova. O próprio MES, criticado por Humberto, se considera uma organização política revolucionária, nascida da crítica à conciliação de classes petista e defensora do marxismo. No entanto, a militância do MES se acomoda à lógica burguesa, já que está em uma eterna disputa com a ala direita do PSOL para não perder sua “eleitorabilidade” frente às correntes reformistas — o que, ironicamente, os obriga a também serem reformistas, passando a defender a Lava-Jato, a federação com a Rede e a candidatura de Lula e Alckmin, tudo na esperança de conseguir alguns votos para seus quadros e manter uma certa “unidade” de um partido que não é, nem nunca foi, revolucionário.

Se a intenção for se colocar enquanto alternativa revolucionária do estado, o camarada Humberto deve saber que seu trabalho individual, em que pese seu inegável e admirável talento como agitador e propagandista, não é suficiente. Uma candidatura revolucionária solitária, por mais bem intencionada que seja, não traz respostas para a integralidade dos problemas da classe trabalhadora do RS e do Brasil, como a fome, o desemprego, o atraso tecnológico, a dependência, o desastre climático, o avanço da especulação imobiliária, etc. Essa não é uma questão menor, pois o objetivo do camarada Humberto não é ser só mais um parlamentar de esquerda, mas sim ser um representante da classe trabalhadora revolucionária dentro do Congresso Nacional, a serviço da construção do socialismo-comunismo. Se o objetivo é se tornar um parlamentar comunista, não ter uma resposta para todos essas questões será uma grande limitação, pois não estando em uma organização comunista e estando isolado em um partido da ordem, é inviável traçar uma estratégia e tática coesa para superar os problemas da nossa classe em nosso estado, que dirá, então, do Brasil, ou mesmo do mundo.

Neste clima de honestidade e debate aberto e franco entre comunistas, é importante dizer que o PCB, em suas discussões internas no Rio Grande do Sul, contemplou a possibilidade de apoiar o camarada Humberto Matos para a Câmara Federal. Cabe dizer que o nosso principal empecilho foi de ordem legal: para garantir a viabilidade eleitoral do PCB dentro das eleições burguesas, era importante que o Partido disputasse a Câmara Federal, sob pena de ser penalizado pelo Estado, nas atuais normas que obrigam os partidos a terem um desempenho eleitoral mínimo como contrapartida para não perderem o registro eleitoral em um momento futuro. Ou seja, parafraseando o camarada Humberto, foi justamente para nossa campanha poder continuar existindo no RS e no Brasil que o PCB se viu obrigado a lançar uma candidatura para a Câmara Federal — a camarada Juliana Guerra, que representa o projeto do Partido Comunista, construído coletivamente pela militância do Rio Grande do Sul, nestas eleições de 2022.

Juh Guerra, Leo Silvestrin e Carlos Messalla, candidatos do PCB, no 28º Grito dos Excluídos em Porto Alegre. Foto: Leonardo Zanini.

A tática das e dos comunistas, durante e depois das eleições

Concordamos com Humberto quando ele afirma que o lugar da UP não é do lado das organizações morenistas, ou melhor dizendo, das organizações social-democratas. O PCB tem uma larga experiência histórica e mesmo recente com a social-democracia brasileira, inclusive com sua ala esquerda, suficiente para entendermos que sempre em que pudermos reafirmar nossa autonomia política enquanto comunistas, este é um princípio que não devemos abrir mão.

Contra a fome, é tempo de defender a construção de mercados e restaurantes populares, a estatização da agroindústria e a socialização da terra; contra o atraso e a dependência, defender a estatização dos monopólios privados, a construção de uma indústria estatal tecnológica de ponta, ligada à pesquisa e desenvolvimento das universidades públicas; contra o fascismo, defender a prisão de Bolsonaro, dos militares, dos empresários golpistas e a criminalização da extrema-direita; contra o atual regime, defender a construção de Conselhos Populares nos locais de estudo, trabalho e moradia para dirigir a política e a economia. Contra o capitalismo e o imperialismo, construir o socialismo e o comunismo.

Entendendo que a unidade entre comunistas que atuam em diferentes organizações é um longo processo, nos colocamos à disposição para construir atividades e ações unitárias tanto com o camarada Humberto quanto com a militância da UP, seja durante ou após as eleições. Respeitamos os camaradas que citamos aqui e sabemos que a conjuntura deve nos aproximar ainda mais no futuro próximo. Afinal, o lugar das e dos comunistas é dentro do Partido Comunista, e não de partidos reformistas.

Paz entre nós, guerra aos senhores!

(*) Leo Silvestrin é militante da União da Juventude Comunista, do Partido Comunista Brasileiro e é candidato a Deputado Estadual pelo PCB no Rio Grande do Sul.

(**) Caio da Silva é entregador, presidente do Centro Acadêmico de Direito José Néri da Silveira e militante da União da Juventude Comunista.

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