Luiz Gonzaga não teria espaço no São João de Maceió

Por Fernando Cirino, para o Portal A Voz do Povo

Que o Nordeste é uma invenção da classe dominante do Sul e Sudeste do país não há dúvida. Mas junto da exploração econômica, da criação de esteriótipos negativos, da pilhagem de recursos naturais, do isolamento sistemático via limites territoriais e da manutenção disso tudo em prol de uma camada ínfima da sociedade brasileira, cria-se, com o passar do tempo, uma gama de tradições que compõem uma cultura riquíssima. Apesar de todas as diferenças que existem entre os Estados da região há elementos que os unificam, o São João é um deles. Para algumas pessoas esse é o elemento mais forte e simbólico dessa unificação.

As festividades juninas advém do catolicismo, é o período de celebrar alguns dos santos mais cultuados da Igreja, São João, Santo Antônio e São Pedro. Porém, como quase tudo que é sagrado o é por ser contraponto ao que é profano, o mês de junho enche de alegria os/as que gostam de uma boa festa popular, na rua, sem corda (ou ao menos deveria ser assim). Da “sala de reboco” aos palhoções, das festas de rua aos campeonatos de quadrilhas juninas, do forró nas feiras aos palcos megalomaníacos. Sem querer os tais santos geram muito dinheiro e fazem a roda da economia girar.

Segundo o Ministério do Turismo o São João movimenta cerca de R$ 4 bilhões de reais no Nordeste brasileiro. Comércio, produção de eventos e hotelaria são os setores que mais lucram nesse período, além, claro, de demandarem mais trabalhadores(as) empregados(as). Junto das fogueiras a economia também fica aquecida e não apenas para os grandes empresários. Visto que se trata de uma tradição popular, que tem sua base na sociabilidade do povo humilde, principalmente nos interiores, é hora do vendedor de fogueira, de fogos de artifício, de comidas típicas, dos músicos, dos pequenos comerciantes fazerem seus pés de meia para “aguentarem” até o fim do ano.

Em meio à tudo isso algo vem turvando, nos últimos anos, o brilho desse festejo tão bonito e importante. A indústria cultural é uma das mais agressivas quando o assunto é expansão de mercado e quando mega empresários do ramo se tornam aliados de políticos que não dão a mínima para as tradições populares é onde mora o perigo. Na última década o agronegócio da região Centro-Oeste tem investido pesado para expandir sua agenda política e usa a música sertaneja para tal objetivo. Não é coincidência que hoje em dia isso tenha inundado as festas juninas por todo o Nordeste. Tem gente ganhando muito dinheiro com isso! Em Maceió, nesse momento, podemos dizer, sem medo de errar, que o São João agoniza. O prefeito João Henrique Caldas (PL) vem, sistematicamente, desde o seu primeiro ano de mandato, atacando uma tradição construída com muito esmero pela classe trabalhadora alagoana.

Os artistas locais, principalmente os músicos, vem sendo boicotados sem piedade pela Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC). Na terra de Jacinto Silva, Clemilda, Xameguinho, Chau do Pife, Zeza do Coco, Nelson da Rabeca e tantos/as outros/as artistas brilhantes o que acontece, ao invés da valorização da música local e suas raízes, é justamente o contrário, uma pasteurização estética que nega Alagoas. Se ignorarmos as decorações dos eventos da prefeitura fica impossível saber do que eles tratam, parecem apenas carnaval fora de época. O que JHC vem fazendo com o São João só reforça que a burguesia alagoana odeia tudo que vem do nosso povo. Do nosso Estado eles só querem três coisas: recursos naturais, mão de obra barata e dinheiro, muito dinheiro.

É inaceitável a humilhação que artistas de forró e coco vem passando nesse São João. Ver shows serem cancelados com os artistas em cima do palco, ver forrozeiros se apresentando num coreto minúsculo, ver grupos de forró terem seus horários de show mudados para satisfazer a vontade de uma “celebridade musical” qualquer é muito triste. Não é por falta de recursos que centenas de cantores/as, dançarinos/as e músicos da terra não estejam sendo devidamente valorizados, pois, a FMAC vem pagando cachês milionários para artistas que nada tem a ver com o São João. Inclusive as suspeitas de superfaturamento e caixa dois em cima desses contratos são enormes. Nada justifica um só cantor receber R$ 980 mil reais para uma única apresentação, como foi o caso de Gustavo Lima, por exemplo. E por “coincidência” ele ser apoiador fiel de Bolsonaro, tal qual o prefeito, é apenas um mero detalhe. Parece máfia? Imagina.

O governador Paulo Dantas poderia muito bem fazer um contraponto à tudo isso e fazer desse São João o maior exemplo de como valorizar a cultura e os/as artistas locais. Politicamente seria ótimo para a imagem dele, porém, a Secretaria de Cultura do Estado decidiu passar o período junino hibernando. Resolveram ignorar o lado profano de João, Antônio e Pedro.

Mas isso é assunto para um outro texto.

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