Lula e o desrespeito às organizações indígenas no governo de transição: os limites da conciliação de classe.
Por Cacau Felix –militante da UJC-SP
No domingo do dia 30 de outubro, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva repercutiu-se em todo o Brasil e no mundo o retorno do presidente responsável por tirar o país do mapa da fome, com a derrota de Bolsonaro e seu projeto neofascista, nasceu-se a esperança no coração de muitos brasileiros de tempos melhores. O mesmo sentimento foi ecoado pelas comunidades indígenas, que no Governo do Bolsonaro foram uma das que mais sofreram com os constantes ataques aos direitos indígenas, flexibilização das invasões nos territórios, aumento do garimpo e retrocesso nas demarcação de terras com a certificação de terras privadas em áreas indígenas não homologada.
Mas diferentemente de muitos brasileiros, a vitória de Lula para os indígenas não representava apenas uma esperança, ela era um compromisso de melhorias que Lula estabeleceu com os povos indígenas em sua campanha, assinando uma carta de reivindicações no Acampamento Terra Livre (ATL), maior espaço de movimentação política dos povos indígenas do Brasil, e prometendo não só a criação de um Ministério dos Povos Indígenas, mas a revogação de todas as decisões da gestão de Bolsonaro relacionadas aos povos indígenas.
Em maio desse mesmo ano, escrevi a matéria “Lula no Acampamento Terra Livre: promessas de uma nova aliança com os povos originários que já nasceu falida” (disponível no site do Jornal O Poder Popular e também do Jornal O Futuro de São Paulo) falando sobre essas promessas e seus reais significados, em resumo, já apontava como as promessas de Lula não passavam de um mero espaço eleitoreiro, e agora em novembro com o início do governo de transição, podemos já começar a fazer um pequeno balanço sobre.
O governo de transição é previsto em lei, e foi criado para preparar os novos governos, permitindo que esses saibam o que o governo anterior deixou, o novo presidente eleito tem o direito de nomear 50 cargos remunerados para a transição, mas pode contar com trabalho de voluntários. A equipe de transição de Lula foi dividida em 31 áreas temáticas, e o vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), vem anunciando aos poucos os novos nomes das pessoas que irão integrar as equipes técnicas. Um dos grupos é intitulado "Povos Originários", e vem acompanhado da criação do Ministério dos Povos Indígenas, um ministério voltado exclusivamente à questão indígena e que é uma das promessas feitas por Lula no ATL, e que ele vem cumprindo.
Entretanto, na Conferência do Clima da ONU (COP 27) realizada na semana do dia 14 de novembro, a deputada federal eleita e liderança indígena Sônia Guajajara (PSOL) declarou que: “Até o momento a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) não foi incluída nas discussões do governo de transição do presidente eleito, em especial sobre a construção do novo Ministério dos Povos Originários”, que foi criado por meio de portaria publicada no dia 9 de novembro. Na manhã do dia 16 de novembro, o Gabinete de Transição Governamental anunciou os nomes que iriam compor o grupo temático “Povos Originários”, mas pela falta de diálogo com a Apib, a maior articulação de povos indígenas do Brasil, nenhum dos nomes que estava na lista faziam parte das indicações encaminhadas previamente pela Apib ao Gabinete de Transição, bem como não existia nenhum indígena do nordeste, a Apib destacou que em sua lista enviada aos responsáveis pelo governo de transição a diversidade regional já estava sendo levada em consideração.
Cabe salientar que, os povos indígenas têm suas próprias organizações sociais e se foi feito uma lista por essas organizações, isto deve ser respeitado, por mais que os nomes que foram convidados para os governos de transição são inegavelmente lideranças indígenas fundamentais do movimento indígena, não foram nomes indicados pela Apib. Dentro os nomes convidados estão: Célia Xakriabá, Davi Kopenawa Yanomami, Benki Piyãko, Joenia Wapichana, Marivelton Baré, Sônia Guajajara e Tapir Iwalapiti, todos indígenas, e entre os nomes não-indígenas da pasta estão: João Pedro Gonçalves da Costa, ex-senador pelo Amazonas e ex-presidente da Funai: João Pedro Gonçalves da Costa, ex-senador pelo Amazonas e ex-presidente da Funai; Juliana Cardoso, deputada federal eleita (PT-SP) e Márcio Augusto Freitas de Meira, ex-presidente da Funai. O nome dos não-indígenas para compor o grupo técnico também é algo que incomodou as lideranças indígenas.
Após pressão da Apib, no mesmo dia o Governo de Transição acatou algumas das indicações da organização e Kleber Karipuna, Eunice Kerexu, Yssô Truká, Weibe Tapeba e Eloy Terena foram incorporados ao grupo técnico. Apesar disso, é evidente que o governo de transição não tem construído um espaço de diálogo com as organizações indígenas, além disso, destaco aqui também como são poucas as pessoas indígenas para compor o grupo técnico, até o momento são 13 pessoas. Comparando por exemplo com o grupo técnico de educação, temos mais nomes de institutos e fundações empresariais como Fundação Lemann que sozinha tem 18 representantes, além de organizações Fundação Tide Setubal, Todos pela Educação, organizações inclusive que são contra a educação pública, relembro brevemente de como a Priscila Cruz (presidente-executiva do Todos pela Educação) defendeu os cortes do FUNDEB para as redes estaduais como Bahia, Ceará e Pernambuco.
Dessa forma, temos mais nomes dos nossos inimigos de classe do que indígenas nesse governo de transição. Outros fatos importantes salientados pela Apib, é que a organização espera que a participação do movimento indígena não se restrinja apenas a transição de governo, mas seja construída em toda estrutura governamental dos próximos quatro anos, assim mesmo que Lula esteja criando um Ministério exclusivo para os povos indígenas, é esperado que os indígenas estejam em todos os grupos técnicos e, especialmente de saúde e educação, duas pastas que são essenciais para garantir uma saúde indígena e educação indígena que cumpra com os direitos dos originários e ouça as proposições das comunidades, bem como o grupo de meio ambiente, que impactará diretamente os rumos do agronegócio e a demarcação de terra. A Apib e lideranças indígenas também esperam que Lula aceite as indicações para a Funai e a Secretaria de Saúde Indígena.
Apesar de todas as cobranças e expectativas da organizações indígenas, o que já estamos vendo do Governo Lula é o oposto, ele não vem ouvindo os apontamentos da Apib e ignorou suas indicações para o governo de transição, cedendo apenas após pressão do movimento indígena; os nomes até o momento são poucos e estão limitados a um grupo técnico, inclusive excluindo indígenas do grupo técnico de “Igualdade Racial” e “Mulheres”. E outro fato mais absurdo é como alguns dos nomes do grupo técnico “Agricultura, Pecuária e Abastecimento” são inimigos declarados dos povos indígenas, como Kátia Abreu, ex membro da bancada ruralista no Senado, que recebeu o “prêmio” Motosserra de Ouro, do Greenpeace, durante a COP-16 entregado em mãos pela Sônia Guajajara, além de outros nomes ligados ao agronegócio, como Carlos Favero (PSD-MT).
Podemos ver como é muito contraditório firmar uma aliança com povos indígenas, mas mesmo assim deixar de ouvi-los e ao mesmo tempo fazer outras conciliações com setores do agronegócio. Retomando um pouco as conclusões do texto “Lula no Acampamento Terra Livre: promessas de uma nova aliança com os povos originários que já nasceu falida”, vejo que Lula não restringiu suas promessas apenas a eleição, de fato ele vem cumprindo parte delas, mas é evidente que as promessas feitas possuem um limite, um limite imposto pela socialdemocracia. Se por um lado ele cria o Ministério dos Povos Indígenas, por outro não tem faz uma abertura de diálogo para que os próprios indígenas decidam sobre os rumos dessa ministério; se por um lado reforça a aliança com o movimento indígena por outro também está fazendo acordos com representantes do agronegócio.
Dessa forma, mesmo que estejam sendo feitas algumas mudanças, nós comunistas sabemos que a social-democracia nunca será capaz de romper de fato com as lógicas capitalistas, desde a construção de sua campanha Lula através da conciliação já sinalizava como seria seu mandato, começando com a escolha de seu vice-presidente: Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, ladrão de merenda, chefe das chacinas nas periferias de São Paulo, inimigo dos professores e também dos indígenas (no primeiro texto eu aponto sobre como o ex-governador lidou com o território Jaraguá), além de acordo com setores do agronegócio e da pecuária como Simone Tebet, que também defende o Teto de Gatos, e de representantes da Fundação Lemann, defensores do desmonte da educação, da Reforma do Ensino Médio, da nova BNCC e da precarização do trabalho docente.
O próprio Lula já afirmou que procurará conciliar a produção no campo com a preservação do meio ambiente, em um primeiro momento de sua campanha, Lula chamou parte do setor de fascista e direitista e afirmou que limitaria a exportação de carne, mas mais próximo às eleições, no entanto, amenizou o tom, e agora já fala nessa conciliação entre povos indígenas e agronegócio. Mas é importante destacar que é impossível você conciliar interesses entre classes tão distintas e com interesses muito diferentes, o agronegócio quer expandir sobre as terras para aumentar seu bem de capital para plantação, enquanto o movimento indígena luta pela demarcação de terras e preservação das mesmas.
Em algum momento uma das classes será a mais privilegiada, e conhecendo não só histórico de Lula e a pressão política que o agronegócio consegue fazer, mas sobretudo os limites que a socialdemocracia possui, é mais fácil acreditar que os povos indígenas serão os mais prejudicados do que o agronegócio. Dessa maneira, mesmo que Lula esteja de fato mais aberto às exigências do movimento indígena e até fala de uma “produção do campo que preserve o meio ambiente”, é impossível que ele rompa totalmente com a lógica de desenvolvimento a qualquer preço, da expansão contínua, e da maximização do lucro, todas essas ideologias opostas às necessidades das comunidades indígenas, sem de fato romper com os setores do agronegócio.
Nossa tarefa nesse momento é apontar as contradições e limites desse governo, cobrar as promessas feitas em campanha, mas mais que isso, é lutar pela construção do socialismo, pois mesmo que a criação de um Ministério Indígena ou a participação dos indígenas dentro dos espaços de governança são conquistas importantes, elas nunca serão capazes de romper com o desenvolvimento capitalista, individualista e depredador que ameaça o modo de vida indígena. Álvaro García Linera, Ex-Vice-presidente da Bolívia, em seu livro “Socialismo Comunitário: Um horizonte da época” aponta que a nova fase do capitalismo de acumulação primitiva do capital é antagônica as resistências indígenas, o capitalismo explora a natureza e a vida natural, atingindo não só a natureza mas os seres humanos, e as resistências indígenas buscam o oposto. Assim, a participação indígena é apenas o começo, e um começo que possui limites dentro da social-democracia, se queremos que os indígenas estejam construindo um sistema que respeite o seu modo de vida, devemos romper com o capitalismo e construir o socialismo através da luta indígena.
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