A democracia da mazorca constitucionalista de 1932

A democracia da mazorca constitucionalista de 1932

Por: O Poder Popular ·
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Lucas Andreto - Historiador e membro do Comitê Regional do PCB em São Paulo

Chegado o feriado de 9 de julho, a burguesia paulista, seus representantes políticos e seus ideólogos de todos os tipos, intelectuais, jornalistas, filósofos, historiadores etc, adoram relembrar a chamada "Revolução Constitucionalista" e seu legado "democrático" para o Brasil. Com isso em mente, pretendemos neste breve texto trazer para o público um pouco do que era a "democracia" defendida pela "revolução" de 1932, por meio de seus principais porta-vozes e o que ela significou do ponto de vista da luta de classes.

O principal ideólogo da Mazorca de 32 era Ibrahim Nobre, muito conhecido na época por ter sido delegado da Delegacia de Ordem Pública e Social (DOPS) em 1927, exercendo dura repressão sobre o movimento operário, sobretudo a greve dos gráficos de 1929, quando muitos deles foram espancados e presos pela polícia e tiveram suas casas invadidas. Ibrahim, chamado "tribuno da revolução", dizia que a revolta da oligarquia paulista em 32 era a "guerra de Jesus contra Lênin" e adicionava que "como na Alemanha, onde foi implementada uma profilaxia anti-judaica, São Paulo deve eliminar os elementos que joãnalbertizaram o sangue paulista”. Isto é, fazia apologia do regime nazista na Alemanha justamente por ter ele esmagado completamente o movimento operário e comunista.

João Alberto, que da origem ao verbo "joãoalbertizar" usado por Ibrahim Nobre foi um tenentista interventor do governo federal em São Paulo no ano de 1931, até julho. De origem nordestina e simpatizante de algumas demandas do movimento operário, foi chamado pela burguesia paulistana de "comunista". Esta, exigia um governador "civil e paulista". Portanto, como um bom simpatizante do nazismo, Ibrahim, também era xenófobo e aplicava essa característica à sua "revolução" constitucionalista.

Outro grande "herói" de 1932 foi Júlio de Mesquita Filho, principal dono do jornal "O Estado de São Paulo", vulgo Estadão. Mesquita apoiou a revolta por meio de seu jornal e de todas as maneiras possíveis. Dizia-se ferrenho defensor da constituição e da democracia, o que não o impediu de usar o editorial do Estadão para defender a Lei de Segurança Nacional em 1935 para sufocar o movimento da Aliança Nacional Libertadora e o PCB.

Em 1952, pelas páginas de seu jornal, quando a eugenia já era algo sobejamente descartado cientificamente e considerado uma aberração ética e política, escreveu Júlio de Mesquita Filho, relembrando o conflito de 32 que "seria impossível João Alberto, um mero tenente de artilharia, fosse capaz de compreender a situação paulista. Nada mais natural do que um nordestino, nascido sob o Signo do padre Cícero e criado para admirar bandidos como Lampião e Antônio Silvino, impelido pelo  determinismo social do meio em que passou sua juventude, apoiasse Getúlio Vargas, homem da horda".

Quer dizer, para Mesquita Filho, 1932 foi a batalha dos civilizados paulistas contra a horda de bárbaros nordestinos liderados por Getúlio Vargas e João Alberto. Cabe lembrar que em 1952 o Estadão fazia dura campanha contra o novo governo de Getúlio que, naquele momento, buscava apoio no movimento operário para defender pautas nacionalistas. Em outras palavras, a "horda" de Getúlio era também a classe operária como um todo.

Cabe também algumas palavras sobre Alfredo Ellis Jr., outro "herói de 1932", um de seus principais teóricos. Em seu livro "Confederação ou Separação", Ellis Jr. se mostra entusiasta da eugenia e diz que o sucesso econômico de São Paulo provém de sua população de maioria "branca e europeia", de maneira que os estados do norte e nordeste seriam atrasados economicamente por ter população negra e mestiça. Ellis Jr. considerava que era "puro lirismo sentimental chamarem irmãos um dolico louro do Rio Grande do Sul, um bachy-moreno de São Paulo, um dolico-moreno de Minas ou um platyrephaloamongoilado do Sergipe ou do Ceará ou ainda um negro da Bahia", de tal forma que São Paulo deveria ter completa autonomia estadual em relação à federação brasileira ou... separar-se. A diferença de raças era para ele um empecilho para o Brasil ser um país unificado e de sentimento nacionalista em seu povo. Em outro de seus livros, "Primeiros Troncos Paulistas", Ellis Jr. ainda defendeu que os negros estariam fadados à "extinção" em São Paulo, por sua incapacidade de adaptação genética (leia-se, darwinismo social do mais grotesco nível). São Paulo rumava inexoravelmente para o branqueamento e, como a população negra não teria "contribuído para a nação paulista", o estado seria rico e próspero.

Termos como “dolico”, “bachy” e “platyrephaloamongoilado” eram categorias da pseudo-ciência eugenista, principalmente da frenologia, que afirmava que o formato do crânio das pessoas determinava suas aptidões, capacidades mentais e atitudes ética e morais. Ora, já em 1807, Hegel dizia a respeito de tais “artes nocivas e estudos nada sadios” que “se alguém dissesse ‘ages na verdade como um homem honesto, mas vejo por teu aspecto que te forças, e que és um canalha no teu coração’, não há dúvida que até a consumação dos séculos qualquer sujeito de brios responderia com um soco na cara”.

Para essas e outras pérolas de 32, recomendo o livro "1932: A História Invertida" de Francisco Quartim de Moraes.

Como podem ver, esses "heróis" eram muito “democratas” por suas palavras e ações e que sejam inspiração dos nossos atuais burgueses diz muito sobre eles e sobre o tipo de democracia que se busca criar por aqui.

A mazorca de 1932 não passou de uma revolta da oligarquia paulista para retomar sua hegemonia política, defender os interesses dos fazendeiros paulistas produtores de café e manter o Brasil como uma economia primário exportadora, subordinada economicamente e politicamente aos países imperialistas.

Se um dia ocorrer no Brasil uma revolução proletária, essa comemoração tem de ir para a lata do lixo da história.

Entretanto, não precisamos perder o feriado. No dia 9 de julho, lembramos o início da greve geral de 1917, quando a polícia paulistana assassinou o operário José Martinez (completamente esquecido se comparado com os quatro patetas MMDC), dando início a uma revolta popular que tomou a cidade e o país nos meses seguintes. É o Dia da Luta Operária, já comemorado como feriado municipal na cidade de São Paulo. Um motivo digno para a classe trabalhadora celebrar o 9 de julho e poder descansar, poupando por um dia a retirada de mais-valia de sua força de trabalho por parte dos patrões.

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