Moradores de Rua Crescem em Fortaleza – Soluções Possíveis, Descaso e Causas Escancaradas
Por Edgar Docas, estudante de Arquitetura e Urbanismo, militante da UJC e do PCB
Recentemente, uma coleta de dados feita pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, atualizou o número de moradores em situação de rua na capital e constatou que de 2014 a 2021 houve um aumento chocante de 54% nesses números – os dados, inclusive, demonstram claramente o perfil etário, de gênero e as motivações de quem teve que recorrer à rua pela falta de condições de manter-se em casa, mas o dado mais significativo é que a maior parte dos entrevistados estava nessas condições há pelo menos 5 anos – o que leva a pergunta: o que houve em 5 anos no Brasil?
Para introduzir esse assunto, é importante que se afirme, também, que para aqueles que transitam pela capital, é visível o crescimento: nas praças, debaixo de viadutos. A figura do homem, negro ou pardo, morador de rua, hoje pode ser facilmente substituída pela imagem de famílias inteiras que estão nos sinais, em entradas de supermercados e praças.
E por mais que haja movimentos de luta por moradia e ocupações vitoriosas, como a Ocupação Carlos Marighella, que conta com famílias que estiveram ou quase chegaram a recorrer à rua, que, graças a árdua luta conseguiram se estabelecer em uma área cedida pela Prefeitura, há também ocupações que foram violentamente reprimidas e despejadas, como a das famílias do Vicente Pizon.
Como foi colocado pela Supervisora de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Ceará, Mariana Lobo, a situação foi agravada pela pandemia, o que se demonstra pela grande quantidade de moradores que estão nas ruas há mais de um ano e há menos de 5 anos (22,3%), porém há outros fatores que corroboram na linha do tempo para os que estão nessas condições.
Em 2017, consolidou-se então a Reforma Trabalhista do golpista Michel Temer. Aplaudida por políticos da ordem e liberais de toda sorte da mídia burguesa, como todas as deformas, esta chegava com uma promessa: a de que iria aumentar o número de empregos no Brasil, que à época, o número de desempregados batia mais de 13 milhões e crescia (algo em torno de 12,7%) com relação aos anos anteriores, já, naquele momento, sendo a mais alta desde então. Nos anos seguintes, sem surpresa, esse número aumentaria cada vez mais, até chegarmos a marca de 2021, em contexto de pandemia e ainda vivendo sob a égide da PEC do Teto de Gastos, onde temos 13,2% de desempregados.
É impossível desconsiderar o efeito devastador da reforma trabalhista de 2017 na classe trabalhadora, e mesmo os jornais que outrora comemoravam e davam espaço para colunistas que são, nada menos, que opinólogos liberais e porta-vozes da burguesia, atestam o seu fracasso, e contra esse fracasso, a solução mais óbvia seria retroceder e aplicar as medidas que já deram ao Brasil uma porcentagem abaixo dos 5% (em 2014), certo? Não para a burguesia nacional, que cresceu em fortuna durante o genocídio brasileiro, uma vez que há proposta de puxar cada vez mais a corda da precarização com uma nova reforma trabalhista, já denunciada pelos camaradas da Unidade Classista.
Por que falar sobre reforma trabalhista e desemprego quando o assunto é moradia?
Ora, em um momento onde, segundo dados do DIEESE, o salário mínimo deveria ser de quase R$ 6.000,00, é impossível não apontar que o custo de vida para a classe trabalhadora aumentou exponencialmente em detrimento de seu salário, o que impacta diretamente na subsistência do trabalhador, em um país que possui uma massa de pessoas que vivem de aluguel e onde o alcance de programas de habitação se torna dificultado (com o anúncio da Casa Verde e Amarela, de Bolsonaro). Produtos básicos para a sobrevivência, alimentação, vestimenta e higiene disputam com o aluguel a maior parcela do salário mínimo, afora serviços como água, energia e internet, que subiu ao patamar de serviço essencial.
A piora das condições de vida e de trabalho no Brasil são as grandes responsáveis por empurrar para a miséria e para a morte (no contexto da pandemia) a classe trabalhadora. A pesquisa aponta que duas coisas seriam essenciais para mudar o cenário em que essas pessoas vivem atualmente: casa (40%) e emprego (29,3%) e que a maioria quer sair desta situação (94,3%) – parece óbvio, mas em tempos de reacionarismo charlatão que tem espaço editorial e midiático é preciso, como Brecht ponderou, defender o óbvio.
Após a divulgação dos dados, a Prefeitura de Fortaleza anunciou investimentos anuais de 8 milhões de reais em ações para oferecer assistência para os moradores de rua – uma piada vindo de uma gestão que ofereceu, em conjunto com o Governo do Estado, com o qual possui vínculos, muito mais que o quádruplo para empresas de ônibus que têm empurrado os trabalhadores para uma bateria diária de péssimos serviços, lotação e, obviamente, infestação do covid-19, além, e não podemos esquecer disso, do aumento do valor da tarifa que ocorreu e não foi maior por conta de movimentações, inclusive do sindicato dos motoristas de transporte público que sofreram uma repressão brutal na capital cearense, com direito a helicóptero sobrevoando a sede do sindicato.
E, por falar nele, o Governo do Estado do Ceará vangloria-se a todo momento que pode da gestão que fez da pandemia e muito mais do investimento em Segurança Pública que tem feito desde muito antes, na gestão de Cid Gomes, que como diz o ditado espanhol, criou os corvos que bicaram os seus olhos, durante o motim de 2020 – entretanto, esse mesmo investimento não encontra par com relação à educação, saúde e moradia, embora os dados oficiais digam que sim – entretanto, o que se vê no dia a dia não é correspondente à demanda da população mais carente que se vê vivendo com menos de R$ 200,00 mensais, imagine então pensar no nível de precarização e miséria que vivem os que hoje se encontram vivendo nas ruas da capital.
Então, tem-se claro que medidas paliativas não irão retirar essas pessoas das ruas, vão oferecer apenas uma manutenção para a persistência da miséria, o progressismo petista vinculado com o continuísmo da gestão Ferreira Gomes, do governador Camilo Santana aliado com a gestão do autoproclamado progressista José Sarto, prefeito da capital, são menos, muito menos que o necessário para solucionar este problema.
Por essa razão, é preciso ter muito claro que a solução para os moradores de rua em Fortaleza perpassam por um investimento em habitação e muito mais que isso: geração de emprego e renda para que além de moradia, haja moradia digna e que a mesma seja estendida para o conjunto da população cearense, que na medida em que aderiu a programas de habitação popular, não teve acesso a aparelhos públicos para a manutenção da vida (como no caso do protesto dos moradores da Comunidade Orgulho do Ceará que aconteceu, também, em meio à pandemia). A luta por moradia digna deve ser uma luta conjunta, pois somente a organização popular coletiva é capaz de garantir as condições de vida necessárias para a sobrevivência dentro do pior momento histórico do Brasil dos últimos anos.
A questão da saúde pública também é um fator que deve ser levado em consideração na hora de reivindicar os direitos dos moradores de rua, já que parte deles é usuária de entorpecentes, sobretudo o crack, que, até mesmo em regiões mais distantes do Centro, como por exemplo, nas proximidades do Campus do Itaperi, no bairro Serrinha, vai criando massas de moradores de rua sem assistência e que vivem à mercê do vício.
Para a grande massa da população da capital que trata a questão como um incômodo ou como invisíveis estes que estão ali, cabe um trabalho de consciência e solidariedade, desvinculado do assistencialismo patético, mas que possua um caráter classista e que diga alto e claro que os problemas, inclusive destes, que passam por grandes dificuldades para manter o seu padrão de vida, tem nome: o capitalismo na sua mais cruel faceta, o neoliberalismo, que como um urubu faminto vai se fartando da carne podre dos que vão morrendo aos milhares seja por fome, cansaço ou adoecimento físico e mental, para que haja manutenção constante da riqueza de bilionários que vão crescendo em número e fortuna no Estado e no país, tornando a oferta de mão de obra cada vez mais barata e transformando a precariedade e as relações informais de trabalho numa opção viável, mas que num futuro próximo será responsável pela miséria de milhões.