Nagorno-Karabakh e as perguntas ao chamado direito internacional
Eduardo Grandi - Militante do PCB no Vale/Serra/Oeste de SC
No último dia 19 mais uma crise migratória foi deflagrada às portas da Europa quando o exército do Azerbaijão, em uma invasão-relâmpago, retomou à força o território de Nagorno-Karabakh. A região é um enclave de maioria armênia dentro do Azerbaijão, reconhecido pelo direito internacional como parte do território do Azerbaijão, mas que vinha há muitos anos sendo autogovernado pelos armênios.
Pergunta-se: o direito internacional não deveria também garantir a segurança dos armênios no Nagorno-Karabakh? Caso sim, por que então a própria liderança armênia do enclave orientou seu povo a deixar o território após a ação militar, desencadeando um êxodo em massa que pode desalojar os mais de 140 mil armênios da região? Talvez porque os armênios saibam que o Azerbaijão é um aliado histórico da Turquia (e por tabela, também dos EUA) e lembrem bem como são tratados pelos turcos e seus aliados, como no Genocídio Armênio de um século atrás, quando o Estado turco promoveu o extermínio de mais de 1,5 milhão de armênios. Diferente dos historiadores, o direito internacional (incluindo o Estado brasileiro) não reconhece o genocídio. O atual regime de Istambul o reconhece por outras vias, condenando à prisão todos que se referem ao genocídio como genocídio, da mesma maneira que prende e persegue outras minorias em seu território, como os curdos. De novo, nem uma palavra do direito internacional sobre todos esses crimes. Seria porque a Armênia é um aliado histórico da Rússia?
Isso suscita mais questões não respondidas pelo chamado direito internacional. Por que os armênios do Nagorno-Karabakh são abandonados à própria sorte se, no caso do Kosovo, território da Sérvia de maioria albanesa, justificou-se até uma invasão da OTAN (sem qualquer deliberação no âmbito da ONU!) para proteger a população local dos alegados abusos cometidos pelo governo sérvio? Seria porque a Sérvia é outro aliado histórico da Rússia? Sequer o direito internacional, na figura da maioria dos países, reconhece Kosovo como país independente! Como também nada fez a respeito dos crimes cometidos pelos EUA em diversos países, no Iraque, no Afeganistão, na espionagem sistemática de líderes e pessoas comuns do mundo inteiro, na perseguição política de dissidentes como Assange, Snowden e tantos outros. De forma inversa, diferente dos historiadores, esse mesmo direito internacional tenta tachar as mortes dos ucranianos durante a era stalinista como “genocídio” (o assim chamado holodomor), ignorando que a grande fome dos anos 1930 impactou toda o povo da União Soviética, não somente os ucranianos. De novo, a quem interessa a imparcialidade do chamado direito internacional?
Com essa postura de dois pesos, duas medidas do chamado direito internacional, quem poderá garantir a segurança dos russos habitantes do Donbass e da Crimeia (regiões consideradas por esse mesmo duvidoso direito como parte da Ucrânia) caso as tropas russas deixem a região? A História mostra que começar guerras sob o pretexto de proteger seus próprios grupos étnicos vivendo sob bandeiras alheias é no mínimo temerário, pois foi este o pretexto usado por Hitler para declarar guerra ao mundo em 1939. Ainda cabe debater se a “operação militar especial” russa na Ucrânia seria uma guerra antifascista (ou mesmo anti-imperialista) ou somente uma oportunidade de Putin garantir, por exemplo através da Crimeia, uma base naval permanente (não fechada pelo inverno) em mares ocidentais, o que seria crucial para as pretensões expansionistas russas. Mas é impossível ignorar a necessidade de autodeterminação dos russos do sudoeste da Ucrânia quando estes são ameaçados há quase uma década por um regime instaurado em Kiev que glorifica a memória de criminosos de guerra nazistas e promove brutalidades como o Massacre de Odessa de 2014. Se o direito internacional nada faz a respeito dos crimes de ucranianos contra russos (pelo contrário, chega a rotular de antidemocráticos os plebiscitos que decidiram democraticamente pela separação de Donbass e Crimeia da Ucrânia), perde toda a autoridade para apontar crimes russos contra ucranianos.
Isso leva às perguntas finais: a quem serve o atual esquema de poder global, escondido sob disfarces políticos (a vagamente definida “comunidade internacional”) e legais (o na verdade também vagamente definido direito internacional)? Quem define as regras da ordem mundial “baseada em regras” exigida pelos EUA (que sequer reconhece instituições desse alegado direito internacional, como o Tribunal de Haia)? Existe alguma chance de se promover a paz e a autodeterminação dos povos dentro das atuais regras da ordem mundial, sequestradas por instituições como por exemplo o poder de veto do Conselho de Segurança da ONU? E por fim, quando teremos de fato direito internacional, e não somente o direito de determinadas potências imporem ao mundo os interesses de suas classes dominantes?
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