Negritude e Trabalho de Base – O CNMO e a Organização da Luta Cotidiana

Por: Antonio Lima Júnior ·

Por Antonio Alves – Militante do PCB desde 1998. Foi candidato à vice-presidência da república na chapa encabeçada por Sofia Manzano. É autor do livro: Guia Prático de Agitação e Propaganda.

(Artigo publicado originalmente no site do Coletivo Negro Minervino de Oliveira)

Muito se fala sobre a importância do “trabalho de base”. Porém, diante da complexidade de um tema aparentemente simples, é preciso que se analise os detalhes e se compreenda o que é “a base”.  A Base é entendida diante do contexto político social, a sua área de convivência comum, o seu espaço de atuação política, cultural, religiosa, lazer, enfim, é o seu espaço de convivência cotidiano.

Para um sindicalista, sua base são os trabalhadores de sua categoria. Para um estudante que dirige um grêmio ou Diretório Académico são os outros estudantes daquela escola, curso ou universidade. Para um militante do movimento negro, pode ser o seu espaço de cultura, sua comunidade, seu local de trabalho ou no terreiro ou igreja em que frequenta, dependendo de sua fé religiosa.

Entendendo o que é “a base” podemos avançar inicialmente no que desejamos trabalhar com a nossa base social. Pensando de forma planejada, articulando possibilidades e oportunidades para iniciar um bom trabalho político.

Planejar é muito importante

Sabendo exatamente o que é “a base”, devemos tratar de organizar a nossa ação e incidência política, determinando quais são nossos objetivos, quais são as prioridades e planejar como atingiremos nossas metas propostas para a construção desse trabalho essencial e permanente.

Lembrando que o trabalho de base é algo real e permanente. Não se trata de um ato, de uma ação direta, mas sim do enfrentamento das contradições profundas ocasionadas pelo sistema capitalista no cotidiano da vida dessas pessoas. Podemos dizer que teremos diversas camadas de “enfrentamento” nesse processo que constitui o trabalho de base. Por isso é importante planejar as ações e determinar metas realizáveis e que atinjam objetivos simples, mais concretos.

Digamos, por exemplo, que tenhamos camaradas que frequentam um terreiro e que na célula ou no coletivo que atuam, decidam fazer um trabalho com os frequentadores desse espaço religioso. É interessante começar a falar sobre o marxismo, o materialismo histórico, da dialética, da exploração do Capital? Sinceramente, esse dialogo no primeiro momento não trará nenhum atrativo aos frequentadores.

Agora imagine que num determinado momento, os camaradas envolvidos no processo religioso começam a abrir um diálogo sobre as religiões de matriz africana e a exploração e desigualdade social que a nossa população sempre sofreu, é fruto das contradições do capitalismo. Ressaltar a importância da vida comunitária. Que seria importante o terreiro realizar algumas ações de abertura para comunidade para discutir sobre esses assuntos.

Planejar uma ação para a tarefa do trabalho de base é pensar no básico, construindo laços de confiança entre o militante e aquelas pessoas que o cercam e passam a fortalece-lo enquanto um representante legítimo de sua base social.

As metas, devem ser simples, mas também comemoradas a cada avanço possível. Se estamos iniciando um trabalho do zero, primeira meta seria garantir o respeito daqueles que convivem conosco. Parece simples, mas é preciso obter o respeito das outras pessoas de sua base, isso não surge de uma fala em assembleia, ou de uma posição positiva numa reunião, mas começa exatamente com o tempo e o respeito que as pessoas começam a nutrir pelo seu comprometimento, seriedade e coerência.

Devemos pensar sobre as prioridades, sabendo que existem outras tarefas importantes que não podem ser negligenciadas. Mas que devemos ter em mente que em determinadas circunstâncias, as prioridades devem ser respeitadas.

Segure a ansiedade, você está no caminho certo

Sabemos que a vida militante não é algo fácil. Temos reuniões, compromissos, atividades, atos e demais tarefas. Todas essas questões perpassam pelo trabalho de base, e talvez exatamente por isso, as vezes outras pessoas da organização não compreendem a questão da temporalidade e as diferenças entre os ambientes societários onde os militantes atuam, quais problemas enfrentam e como devem ajudar a superar suas dificuldades.

O trabalho de base numa ocupação urbana, é diferente da discussão dentro de uma empresa ou sindicato, que é paradigmaticamente oposto ao trabalho realizado numa comunidade ou na universidade. Todos esses lugares citados acima tem diferenças de composição social, intelectual, organizativa e etc. Sem contar o que motiva a mobilização e ação dessas pessoas diante do que estão enfrentando.

Como diz o trecho de Formula Mágica da Paz (Racionais MC’s): “Cada um lugar, um lugar, cada lugar uma Lei”. Temos que ser flexíveis e compreender o espaço em que estamos atuando, a linguagem e as regras desses espaços. Respeitando as suas diferenças e compreendendo onde podemos fortalecer e potencializar o nosso trabalho, fortalecendo o espaço de nossa atuação.

Então segura a ansiedade, não se desespere se está difícil fazer o recrutamento, se as pessoas não querem entrar na organização, se é ninguém quer entrar no sindicato. Peraí! Cuidado camaradas! O trabalho de base é totalmente diferente do trabalho de recrutamento, diferente do processo de organização das pessoas seja lá em qual setor seja (independente de ser o local de estudo, trabalho ou moradia).

O trabalho de base é a construção de uma relação sólida de confiança com outros indivíduos que convivem em espaços comuns de luta política e social. O intuito é através dessas relações, fortalecer nossa política, aumentando nossa influência com aquelas pessoas que passam a confiar na nossa liderança e nas nossas ideias. Lembrando, nosso objetivo não é trazer toda a sociedade para dentro do partido, mas sim, levar as ideias do partido para o maior número de pessoas, entendendo que nem todos podem entrar ou compreender a nossa forma de organização.

Mas como posso fazer o trabalho de base?

Como deixamos destacado, o trabalho de base é algo permanente, acontecendo em todos os lugares possíveis. Acontece aonde a gente se socializa, comunica, participa, celebra, festeja. Enfim, o bom militante que faz o trabalho de base, deve lembrar sempre do Milton Nascimento, na música “Bailes da Vida”, parafraseando – O militante deve ir aonde o povo está.

Jogando luz sobre a questão de como dar os primeiros passos na construção do trabalho de base, deixamos três dicas importantes;

1) Visitar o espaço comum: É importante humanizar as relações. Você militante, deve fazer o esforço de visitar, entrar em contato com as pessoas, ouvi-las, levar em consideração as suas vivências, problemas, alegrias e angústias. Visitar os espaços e conversar é algo essencial.

Nessa sociedade desigual, onde as pessoas são exploradas, desconsideradas, desrespeitadas, o ato de escutar, de acolher, de entender o problema do outro e propor soluções é uma questão bastante importante. Em geral, as pessoas estão querendo ter no mínimo alguém que as escute. Seja na escola ou universidade, no bairro ou no trabalho, sempre temos pessoas precisando falar, querendo ser ouvida, desejando desabafar.

2) Fazer a social: É quase uma obrigação militante participar dos espaços de celebração, festa, momentos de sociabilidade seja na comunidade, na escola, no clube, enfim, participe dos momentos de alegria com seus companheiros e companheiras.

Os momentos de festa são muito importantes, pois é um momento de descontração e abertura, onde as pessoas aumentam seus laços de confiança e costumam se aproximar. Para nós, é muito importante fazer com que mesmo os trabalhadores mais recuados passem a nos ver como liderança e confiar nas nossas propostas, na nossa liderança.

3) O trabalho político: O fortalecimento de nossa discussão político/ideológica com a nossa base. Algo essencial para nos diferenciarmos de outras organizações. Apresentando o nosso ponto de vista enquanto marxistas, explicando o porque de nossa posição, explicando as implicações políticas, realizando um verdadeiro trabalho pedagógico de educar as pessoas, levando as mensagens e fortalecendo-a política e ideologicamente.

Esse trabalho pode ser feito com conversas, cine-debate, compartilhamento de livros e textos, palestras, enfim, temos uma gama imensa de possibilidades de construir relações e compreender que fazer o trabalho de base é algo cotidiano, prático, difícil, mas que é necessário e recompensador.

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