O buraco do funcionalismo: GGN mapeia déficit de mais de 240 mil servidores públicos no Brasil

O buraco do funcionalismo: GGN mapeia déficit de mais de 240 mil servidores públicos no Brasil

Por: O Poder Popular ·

Patricia Faermann para o Portal GGN

Há 244 mil vagas de servidores públicos que não foram preenchidas em toda a administração pública federal. A principal defasagem está na Educação, com mais de 30 mil vagas no Ministério Educação e mais de 21 mil em Institutos, Universidades e Fundações. Individualmente, a Saúde registra o topo do buraco no funcionalismo público: 35.187 vagas.

Os números foram obtidos pelo Jornal GGN com a análise dos Dados Abertos da Gestão de Pessoas do Executivo Federal. As planilhas reveladas na reportagem fazem parte do conjunto de dados da Lei de Acesso à Informação e referem-se ao mês de abril, uma das últimas atualizações deste balanço. Confira:

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A grande maioria das vagas ocorrem por aposentadoria do servidor, posse em outros cargos e falecimento. A Administração Pública não consegue informar quantos destes postos entraram em extinção, ou seja, não existem mais. Mas todos eles são cargos efetivos aprovados em lei, o que exigiria o preenchimento por servidores públicos.

Os dados também excluem servidores do Banco Central do Brasil e carreiras de inteligência da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), além do Judiciário, que são servidores próprios ligados ao Poder Judiciário independente. A íntegra dos dados está disponível ao final da reportagem.

Na prática, o resultado destes números são a paralisação e insuficiência dos serviços prestados à população, com uma quantidade de funcionários públicos que não dão conta das demandas atuais existentes.

Em conversa com representantes da categoria ao GGN, o enxugamento dos servidores públicos é, para as carreiras, a materialização de uma chamada “reforma administrativa silenciosa“, que vem impactando a estrutura do próprio Estado brasileiro.

Ao jornal, o Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) informou que “a recomposição e revalorização da força de trabalho na Administração Pública Federal são pautas prioritárias” da pasta, que está buscando “recuperar a capacidade de atuação do Governo na execução de políticas e oferta de serviços públicos”.

Mas acrescentou que a atuação enfrenta “limites orçamentários“. “O MGI vem atuando em várias frentes, dentro dos limites orçamentários, sempre em diálogo os órgãos da Administração Federal e entidades de servidores do Executivo Federal.”

O NÚMERO 1: A EDUCAÇÃO

É o caso da Educação, que está no topo deste ranking e cujos servidores carregaram uma greve desde março, entre os técnicos de institutos e universidades federais, e desde abril entre os professores, encerrando-se em junho. As demandas da categoria foram, principalmente, o reajuste da remuneração.

Mas a falta de força de trabalho, com vagas não preenchidas, repercutindo no consequente aumento da carga horária mínima semanal dos docentes, estabelecidos na Portaria 983 de 2020 do MEC, também entrou para as reivindicações.

A medida assinada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro aumentava o tempo de trabalho dos professores em sala de aula e obrigava o controle de frequência por meio do ponto eletrônico para docentes do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT). Foi um mecanismo tomado para suprir a falta de novas contratações de professores.

Depois de meses de mobilizações da categoria, que envolveu 64 de um total de 68 universidades do país, o governo federal cedeu em algumas das demandas, entre elas a revogação da Portaria 983/2020.

“O MEC se comprometeu a revogar imediatamente essa portaria e criar um grupo de trabalho para uma nova regulamentação, com prazo de 60 dias para implementação”, contou o representante da seção sindical do ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) no Rio Grande do Sul, André Martins, ao final de uma das negociações com o governo, no dia 14 de junho.

Segundo Martins, a revogação foi uma “proposta importante, que atinge de forma direta o fazer docente da carreira” e uma conquista para a categoria, que estava atenta a novos gestos do governo nos dias seguintes.

O DÉFICIT NA SAÚDE

Nos dados do funcionalismo, a Saúde é a pasta que, individualmente, tem a maior defasagem de servidores públicos. Os cargos, contudo, não necessariamente estão desocupados: há uma quantia, ainda indeterminada, de postos que foram assumidos por bolsistas e consultores, em condições inferiores de trabalho, sem direitos trabalhistas da CLT ou da Administração Pública.

Essa substituição de funcionários públicos por bolsas e contratos temporários foi exposta pela Folha de S.Paulo, em maio deste ano. A prática foi adotada para preencher as lacunas de trabalhadores com o enxugamento dos concursos públicos durante o governo de Jair Bolsonaro.

Hoje, o Ministério da Saúde enfrenta dificuldades para mapear quantos são e em quais órgãos estão estas defasagens de contratações que fogem dos concursos públicos. Em 2021, o Ministério da Saúde havia revelado que, pelo menos, 2,5 mil trabalhadores eram não concursados.

Em 3 anos, os números aumentaram, mas ainda estão sendo dimensionados. Em uma das vias, o Ministério de Gestão criou um plano chamado “Dimensionamento da Força de Trabalho”, no qual prevê calcular as faltas, na Saúde e nos demais órgãos da Administração Pública, para adotar estratégias nesse sentido.

Ainda assim, o déficit de profissionais da Saúde é demanda já conhecida, não somente em unidades federais, como em municípios e estados, para todos os postos: administrativos e atendimento direto da população, com falta de enfermeiros e médicos.

Exemplo disso é a greve dos hospitais federais do Rio de Janeiro, em negociação com o governo federal desde 2023 e com paralisações desde 15 de maio. Além das reivindicações por melhores condições de trabalho, falta de insumos e estruturas precárias, os servidores relatam que os hospitais federais do estado estão funcionando com somente 30% do quadro, o que provocou a suspensão de consultas, cirurgias eletivas e exames não oncológicos.

Para tentar responder a essa defasagem, o Ministério da Gestão e da Inovação decidiu direcionar 220 vagas do concurso unificado à Saúde. Ainda estão sendo avaliados os órgãos que receberão os novos profissionais, devendo ser levados para as secretarias de Vigilância em Saúde e Ambiente; Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo Econômico-Industrial da Saúde; Atenção Especializada à Saúde e Atenção Primária à Saúde.

O ‘Enem dos Concursos

Também chamado de “Enem dos Concursos”, o concurso público unificado foi uma iniciativa criada pela pasta para realizar milhares de contratações públicas e direcionar estes funcionários aos postos prioritários ou com maior defasagem.

De acordo com o MGI, será feita a aplicação simultânea de provas em todos os Estados e no Distrito Federal no dia 19 de agosto, com “6640 vagas para 21 órgãos, incluindo Ministério da Saúde”.

Os sindicatos, contudo, veem com preocupação e crítica o chamado “Enem dos Concursos”. De acordo com o diretor da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS), Cristiano Machado, a lógica transformará servidores especializados e com conhecimento técnico em trabalhadores “transversais” que atuariam como uma terceirização de forma precarizada.

“A nossa grande preocupação aqui, enquanto FENASPS, é a questão da reforma administrativa e as tais carreiras transversais. Ou seja, o governo coloca a perspectiva de ter um núcleo único de carreiras que poderiam trabalhar em qualquer órgão, ao invés de carreiras específicas”, relatou ao GGN.

De acordo com Machado, se confirmada e implementada essa lógica de carreiras transversais, a entidade enxerga a medida como “um projeto neoliberal de desmonte dos órgãos que executam as políticas públicas do Estado”.

O ÓRGÃO MAIS AFETADO: INSS

Depois da Saúde e Educação, em terceiro lugar no ranking de cargos públicos vagos do país está o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que somente este órgão acumula 24.039 postos não ocupados.

“Temos um déficit de 24 mil servidores e as últimas contratações, que o INSS fala em contratar 1.200 servidores e depois mais 500, são totalmente insuficientes para dar conta da nossa demanda”, afirmou o diretor da FENASPS.

Segundo o dirigente, o balanço atual do órgão é que são solicitados cerca de 1 milhão de benefícios e serviços da população ao INSS: “é uma demanda muito grande de trabalho para o quadro de servidores que nós temos”.

Ele narra que antes do governo de Michel Temer, o INSS lotava aproximadamente 40 mil servidores e hoje tem em torno de 18 mil. “De 2015 para cá, nós perdemos metade desse quadro funcional, porque o governo não faz concurso. A gente precisa do processo de retomada da contratação de servidores pelo regime jurídico único e na carreira do Seguro Social.”

Ainda mais ameaçador, os servidores do Seguro Social e Previdência ainda convivem com um risco adicional: a extinção de um dos postos que hoje representa 80% de toda a força de trabalho do INSS, o cargo de Técnico do Seguro Social.

“O que apuramos é que o Governo pretende extinguir o cargo de Técnico do Seguro Social, responsável pela análise e concessão de benefícios, que correspondem a 80% da força de trabalho do órgão. Isso significaria danos irreversíveis à população, que terá que enfrentar o sucateamento do INSS, que já está sem mão de obra qualificada para analisar e conceder benefícios”, escreveu o Sindicato dos Trabalhadores do Seguro Social e Previdência Social, em uma nota no dia 17 de junho.

O adoecimento dos servidores do INSS

Um levantamento recente produzido por pesquisadores da FENASPS, entregue ao GGN, mapeou o adoecimento dos servidores do INSS como consequência de, entre outras razões, o aumento da carga laboral e pela falta de reestruturação das carrerias.

Um dos dados revelados é que 56% dos servidores do INSS consultados se afastaram nos últimos 2 anos por adoecimento e 54% relataram que adoeceram porque cumprem jornadas superior a oito horas diárias.

Quando questionados quantas horas de trabalho semanal efetivamente cumpriram nos últimos anos, a maioria (54% dos servidores do INSS) ultrapassou 8 horas de trabalho por dia, sendo 47% entre 8 e 10 horas, 5% entre 10 e 12 horas e 2% mais de 12 horas diárias. Além disso, 30% dos servidores também relataram que realizam o trabalho nos finais de semana e feriados.

Jornada de trabalho semanal, efetivamente realizada pelos servidores(as) do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS:

Servidores(as) do INSS que desenvolvem ou não suas atividades aos finais de semana e/ou feriados:

Segundo Machado, uma das ferramentas criadas pelo governo para tentar suprir esse déficit de servidores foi a implementação do INSS digital, que, ao mesmo tempo, excluiu a população que não tem acesso ao digital e celulares, e gerou um quadro de “agências muito vazias, que funcionam com estagiários que não são da carreira do Seguro Social, e centrais de teleatendimento 135 que funcionam com trabalhadores terceirizadas”, impactando a categoria.

E assim como outras carreiras, o INSS também enfrenta uma depreciação das remunerações e espera do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) propostas de valorização.

Estratégias do Ministério da Gestão

O levantamento do GGN ainda revela que em quarto e quinto lugar no ranking de funcionários públicos em falta estão o Ministério da Fazenda, com 24.039 vagas, e as Forças Armadas, que somando os Comandos do Exército, Marinha e Aeronática, têm 16.507 cargos vagos.

À reportagem, o MGI explicou que o plano para suprir essas defasagens inclui o diagnóstico do “Dimensionamento da Força de Trabalho”, que segundo a pasta “será o insumo para o desenho de soluções de recomposição de pessoal“. Segundo o governo, somente 19 de 70 órgãos da administração pública entregaram essas informações, mas espera que até 2025 todos eles tenham enviado os balanços.

A partir do cálculo destes buracos, o Ministério informou que pode fazer novas contratações efetivas ou temporárias, transferências de pessoal entre órgãos e pastas, entre outras medidas.

A pasta também afirmou que vem dialogando e negociando com as carreiras de servidores públicos: “Já foram assinados 17 acordos assinados com os servidores públicos e há 17 mesas de negociação abertas”, disse à reportagem.

• Disponibilizamos aqui a Base de Dados Abertos sobre as vagas de servidores da Administração Pública Federal

• Acesse aqui a íntegra da pesquisa sobre o adoecimento dos servidores do INSS

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