O capitalismo verde e as instalações eólicas offshore sobre o litoral do Ceará

O capitalismo verde e as instalações eólicas offshore sobre o litoral do Ceará

Por: O Poder Popular ·

Por  Anderson Fonte, Membro do CR do PCB Ceará e militante da Unidade Classista

A pauta ambiental e a transição energética tem sido bastante repercutida atualmente. O esforço da comunidade internacional envolve países, organismos internacionais, ongs, grandes multinacionais, e colocam esses temas na ordem do dia da geopolítica. O Brasil, por toda sua biodiversidade e potencial de energia limpa, está no centro das movimentações.

O Presidente Lula tem se engajado diretamente em uma articulação internacional que tem como aparência a preocupação com um desenvolvimento sustentável, pretensamente preocupado em priorizar a questão ambiental. A primeira agenda internacional de Lula após eleito, quando ainda nem tinha tomado posse, foi a participação da COP-27, em novembro de 2022 no Egito. Em uma das deliberações, o presidente conseguiu encaminhar que a próxima conferência, a COP-30, aconteça na cidade de Belém, em 2025. Sem dúvidas a agenda ambiental tem sido uma das prioridades. Mas como tem se dado isso?

Quando nos atentamos à concretização de projetos e políticas de mudança na matriz energética,  percebemos que o que tem pautado esses projetos e políticas é, em grande medida, o poder econômico do capital privado internacional. Ações com a aparência de preocupação ambiental tem, em sua essência, o interesse pelo lucro. É isso o que chamamos de capitalismo verde.

Nesse contexto, o estado do Ceará, por suas características geográficas e climáticas, tem estado no centro das atenções para empreendimentos de geração de energias renováveis, principalmente a energia eólica, a energia solar e o hidrogênio verde. O ponto alto são projetos de instalação de parques eólicos offshore (dentro do mar). São 21 projetos protocolados no Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com capacidade de geração de energia de 53.585 megawatts. Os investimentos previstos são da ordem de US$ 100 bilhões.  (1)

Por trás desses empreendimentos existem gigantes empresas internacionais, como a francesa Total Energies, uma gigante francesa da petroquímica e da geração de energia.  Essa empresa, inclusive, opera no pré-sal; aliás, "a primeira empresa internacional a operar um campo em produção no pré-sal brasileiro", na Bacia de Campos. (2) O lucro líquido da Total Energies no primeiro semestre deste ano foi  um  lucro líquido de US$ 6,54 bilhões. (3) Outras gigantes de destaque são a Qair (França), a Neoenergias (Espanha) e a Shinzen (Japão). A única empresa brasileira com algum relevo nos investimentos, a CEMIG, está em projetos de privatização pelo Governo de Minas Gerais (a frente, Romeu Zema, Partido Novo).

O potencial de exploração de recursos naturais na costa é imenso. Inclusive, com grandes possibilidades de energias fósseis, como o petróleo. Atualmente a Petrobrás mapeia na costa brasileira, na Margem Equatorial (no Brasil, do Amapá ao Rio Grande do Norte, passando pelo Ceará) uma nova fronteira de exploração de petróleo, chamado de "novo pré-sal'', com o potencial de exploração de 30 bilhões de barris de petróleo - o que coloca o Brasil de oitavo para quarto maior produtor de Petróleo do mundo. (4) A própria Total Energies já solicitou ao IBAMA a exploração do Bloco 59, o bloco de exploração inicial da costa. O pedido foi negado pelo IBAMA. O que garante que essas empresas privadas da geração de energias não irão eventualmente se interessar em explorar essa lucrativa mercadoria que é o petróleo na costa cearense? O que garante que essa empresa imaculada e preocupada com as futuras gerações chamada Total Energies não irá operar seu poder privado na costa cearense para exploração de petróleo, sendo que já tem histórico?

Trata-se do avanço do capitalismo verde internacional sobre os recursos naturais nacionais. Trata-se da privatização dos recursos naturais e da costa brasileira. Com uma aparência de preocupação ambiental, gigantes internacionais exploram territórios brasileiros e recursos com a finalidade do lucro privado.

E o que deixam aqui? Além do ataque a nossa soberania nacional e energética, deixam prejuízos ambientais e sociais. É o que vemos no impacto ambiental causado pelos empreendimentos eólicos no mar e o avanço sobre a economia, o modo de vida, e a existência de povos tradicionais.

OS IMPACTOS NAS COMUNIDADES TRADICIONAIS COSTEIRAS

As instalações das usinas eólicas em alto mar (offshore) provocam um grande impacto na fauna marinha. Influencia negativamente a biodiversidade marinha nas respectivas regiões.  Essa é uma contradição fundamental tendo em vista que a geração de energias renováveis e a propagada transição energética vem através de uma preocupação com questões ambientais (ou pelo menos deveria ser isso).

Além disso, essas usinas eólicas em alto mar provocam um grande impacto existencial entre povos tradicionais da comunidade costeira do nosso estado. São pescadores/as, marisqueiras/os, barqueiros, quilombolas, indígenas. Esses, que vivem da pesca artesanal, como já não bastasse a concorrência com a pesca industrial, tem ameaçado o seu sustento financeiro e até de subsistência devido a esses parques eólicos no mar. Como as instalações eólicas serão estruturadas em torno de 20km da costa cearense (algumas delas até 5 km da costa), justamente a altura a qual ocorre a pesca artesanal, isso afeta diretamente a atividade pesqueira.

É dessa atividade que milhares de pessoas tiram seu sustento. Só no bairro do tradicional Grande Mucuripe, símbolo histórico e cultural do nosso estado, são mais de 3.000 pescadores que tiram seu sustento dessa prática. Somam-se ainda famílias de todo litoral oeste e leste que dependem da pesca artesanal. O ciclo produtivo da pesca artesanal abrange, além dos pescadores, marisqueiras, barqueiros, pequenos comerciantes de peixaria (peixeiros), vendedores de gelos (geladões). (5) O Ceará responde a mais de 25% da exportação de pescados no Brasil (1/4 delas!). Qualquer interferência nessa área traz um significativo impacto econômico imediato para a região.

Além das questões materiais de subsistência e macroeconômica, existe o impacto cultural. O modo de vida dessas milhares de pessoas são identificadas com o modo de vida pesqueiro. Afinal, são comunidades tradicionais. Imprimiram uma cultura própria no território e o território lhe socializou, lhe educou. A jangada, as velas, a rede, a peixeira, as histórias de pescador do folclore cearense. Tudo isso faz parte da vida e da história de gerações das comunidades costeiras. Isso é a barbárie e os investimentos Europeus e Japoneses são a civilização? (6)

Outras atividades econômicas costeiras podem sofrer com os mega empreendimentos eólicos, como é o caso do turismo comunitário, através de pousadas, barracas, guias de turismos, etc. Em Icaraí de Amontada, onde o turismo comunitário é fundamental, já há uma preocupação grande da população local nesse sentido. Há projetos com previsão de mais de 70 aerogeradores no mar, numa faixa de 3 a 8 km da costa, que impacta na paisagem natural, um grande elemento de atração turística do local, que poderá se transformar em um cenário realizado de distopia e futurismo alienante. (7)

Nesse processo, os mega empreendimentos praticamente ignoram as populações costeiras locais. Há uma reinvindicação dos movimentos de resistência pela aplicação da convenção convenção 169 da OIT, um dispositivo da Organização Internacional do Trabalho que o Brasil é signatário. Esse dispositivo garante uma consulta pública prévia, livre e informada. No entanto, esse dispositivo é praticamente ignorado pelas grandes empresas.

SOBERANIAS AMEAÇADAS

Dessa forma o avanço do capitalismo verde internacional ameaça a soberania nacional, a soberania energética, a soberania alimentar, e, no fundamental , soberania popular. Nesse processo, fica evidente as contradições entre capitalismo e democracia. As populações são submetidas, esmagadas,  pelo capital privado internacional.

Enquanto o povo brasileiro, trabalhadores que sustentam a produção, o território, a cultura nacional,  são oprimidos, os lucros são operados pelas multinacionais dos países  do centro do capitalismo. Mesmo dispositivos formais, como a convenção 169 da OIT, são ignorados quando se trata do poder econômico. É capitalismo pintado de verde e sangue. Dinheiro e opressão.

Instituições do estado, como a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e da sociedade civil como a Federação das Indústrias do Ceará articulam-se em conciliação com o avanço das mega empresas. O Complexo Portuário do Pecém é o centro de ação dessas duas instituições. Embora o Governo do Estado do Ceará, tendo a frente o governador Elmano de Freitas (PT) aparentemente abra um espaço de diálogo com movimentos sociais, por outro lado mostra entusiasmo com os atuais projetos - além de algumas de suas próprias secretarias, como a  citada Secretaria do Desenvolvimento Econômico ser articuladora dos empreendimentos internacionais (a exemplo do Hub no complexo do Pecém, ligando esse porto ao Porto de Roterdã, na Holanda).

A Petrobrás, que é e sempre foi alvo do capital privado, onde é sonhado noite e dia sua privatização pelos capitalistas, e que precisaria ser fortalecida e engajada na transição energética, sofre aos poucos a privatização. Recentemente, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou a venda da refinaria Lubnor, no Mucuripe, para empresas privadas. Essa atitude provocou uma corajosa greve dos trabalhadores da refinaria. Seja pela energia limpa, seja pelas energias fósseis, o capitalismo coloca os seus tentáculos.

ESSA LUTA ELA É DE TODOS NÓS.

Através de grandes empresas, governos, ongs e think thanks, o capitalismo e a pauta ambiental se articulam em um jogo geopolítico que tem como pano de fundo o controle pelo poder energético e o lucro. Geração de energia é dinheiro e poder. Nesse meio, uma população que não tem nenhuma arma a não ser resistência e organização.

Na perspectiva da mobilização popular, pescadores, marisqueiras, barqueiros, populações indígenas, organizações do movimento popular estiveram  no dia 15 de julho atuando em uma marcha na Av Beira Mar, rumo ao Mercado dos Peixes em Fortaleza (região que concentra jangadeiros e comerciantes de pescados, além de famoso ponto turístico ). A palavra de ordem era "Mar Aberto, Velas Livres". A pauta, o avanço das eólicas em alto mar. Estiveram presentes comunidades de vários locais da costa cearense.

O Partido Comunista Brasileiro - PCB, coletivos partidários, e também a Organização Popular - OPA, estiveram presentes nas mobilizações. O PCB entende que a construção do poder popular perpassa pelas variadas lutas que trava a classe trabalhadora desse país. A luta contra a sanha do lucro do capitalismo internacional é uma luta justa.

Importante destacar que não se trata de uma luta contra a produção de energia limpa. Não somos contra a geração de energias renováveis. Nem tampouco uma luta contra instalações eólicas em si. Trata-se de uma luta contra a atual forma de materialização da transição energética, pautada pelo lucro em detrimento das comunidades tradicionais. Lutamos para que a organização da classe trabalhadora (inclusive do ramo da pesca artesanal) se articule e se mobilize a tal ponto em que ela, a classe trabalhadora, possa ter o poder político de pautar a mudança energética - e não que o capital privado paute. O irracionalismo capitalista não harmoniza natureza,  transição energética, soberania e povo. Pelo contrário, põe tudo em submissão e transforma  em mercadoria. É isso o que tem se transformado, nesse formato,  as energias renováveis: MERCADORIA. O mar, o vento, o sol, o sub-solo, toda a natureza se transforma em mercadoria e lucro privado. Só o poder popular terá a capacidade e legitimidade de planificar essas contradições de forma harmônica, onde a vida e a felicidade dos povos seja a prioridade, e não o mercado.

É mais uma batalha na luta de classes contra a dinâmica avassaladora dessa máquina de moer vida, o capitalismo.

(1)
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/egidio-serpa/ibama-analisa-21-projetos-offshore-do-ceara-com-potencia-de-53-gw-1.3310425

(2) https://totalenergies.com.br/sobre-nos/totalenergies-no-brasil

(3)
https://www.google.com/amp/s/valor.globo.com/google/amp/empresas/noticia/2023/04/27/lucro-da-totalenergies-cresce-no-1o-trimestre-mesmo-com-precos-mais-baixos-de-petroleo.ghtml

(4) Sobre o novo pré-sal
https://www.brasildefato.com.br/2023/05/10/novo-pre-sal-sem-estudo-amplo-petrobras-poe-em-risco-foz-do-amazonas

(5) Sobre as condições de vida de trabalhadores/as da pesca artesanal no Mucuripe.
https://oestadoce.com.br/geral/pescadores-e-marisqueiras-reivindicam-novos-projetos-para-a-valorizacao-do-setor-no-ceara/

(6) Foram esses trabalhadores que foram os fundadores de vários bairros, como o próprio Mucuripe. O clube de futebol Terra e Mar, que disputa a terceira divisão do campeonato Cearense é um clube fundado por jangadeiros. Inclusive o seu estádio. Vários dos antigos jangadeiros trabalharam nas primeiras gerações de trabalhadores do Porto do Mucuripe e da Companhia docas. O Grande Mucuripe é uma Fortaleza, um castelo encantando (nome de um dos bairros), da tradição do jangadeiro. Quem não conhece o Mucuripe cantado por Belchior, Fagner? Escrito por Audifax Rios? Nas telas por Orson Welles? Quem não ouviu a história de Chico da Matilde, o Dragão do Mar, que lutou ao lado de jangadeiros para não transportar escravos?

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