O fim da escala 6×1 e a luta de classes

O fim da escala 6×1 e a luta de classes

Por: O Poder Popular · Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Por Rodrigo Lima - Sociólogo e militante do PCB em SC

A luta pela redução da jornada de trabalho no capitalismo remonta aos primórdios da industrialização, em que trabalhadores e trabalhadoras eram submetidos até 18 horas de trabalho diários, com folga apenas nos domingos, que eram reservados para as atividades religiosas. A exploração ocorria principalmente em base da extração da mais-valia absoluta (com a extensão da jornada de trabalho ao limite máximo) já que o nível de desenvolvimento tecnológico em países europeus do século XVIII era muito rudimentar para que a extração da mais-valia relativa fosse predominante (por meio do aumento da produtividade com a modernização e reorganização da produção).

A primeira regulamentação da jornada surgiu em 1802, na Inglaterra, com a Lei Health and Morals of Apprentices Act, que limitou a jornada de trabalho para doze horas diárias e proibiu o trabalho noturno, mas contemplou apenas jovens aprendizes das fábricas têxteis. Desde então, muitas mobilizações e lutas foram travadas pela classe trabalhadora pela redução da jornada de trabalho. Dentre as quais podemos destacar os protestos de maio de 1886 em Chicago/EUA, as lutas das mulheres russas em 1917 por melhores condições de vida e trabalho, que deram origem ao 8 de março, dia internacional da mulher. Além das inúmeras greves, mobilizações e revoluções protagonizadas pelos trabalhadores e trabalhadoras que culminaram na redução da jornada.

Ilustração da Revolta de Haymarket de 1886, em Chicago (Wikipédia).

No caso brasileiro, a última conquista da luta pela redução da jornada de trabalho, ocorreu em 1988, com a promulgação da Constituição Federal. O limite da jornada foi reduzido de 48h para 44h semanais, resultado das mobilizações dos trabalhadores brasileiros, como a greve das 40 horas semanais, que em novembro de 1985 mobilizou 480 mil trabalhadores de categorias que incluíam metalúrgicos, químicos, trabalhadores em plásticos, entre outros. Outra ação importante foi a Operação Vaca Brava, em que metalúrgicos de São Bernardo do Campo paralisaram por 54 dias e radicalizaram as ações diretas, que incluíam a destruição de automóveis nos pátios das fábricas. Desde a década de 1990, a pauta pela redução da jornada de trabalho segue presente, mas sem avanços significativos. No decorrer dos anos, algumas categorias mais organizadas conseguiram arrancar dos patrões, através da pressão e da negociação coletiva, a redução da jornada.

Greve Operação Vaca Brava, Fonte: Agência Senado

No século XXI, esta pauta se mantém viva, tanto nos países do capitalismo central como periférico. No Brasil, em 2003, foi lançada a Campanha Nacional pela Redução da Jornada, promovida pelas centrais sindicais, com o apoio técnico do DIEESE, que tinha como objetivo a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem a redução dos salários. Durante os governos petistas, não houve avanço, os governos de Lula e Dilma nunca pautaram e mobilizaram esta agenda.

Em 2019, começou a tramitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 221/19, cuja finalidade é reduzir de 44 para 36 horas a jornada semanal, com prazo de 10 anos para sua total implementação. Em 2023, começou a tramitar o Projeto de Lei (PL) 1105/2023, de autoria do senador Weverton (PDT-MA), que acrescenta um artigo à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), facultando a redução da jornada de trabalho, desde que ocorra sem redução salarial. A proposta aponta como possibilidade a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais e a escala 4×3, mas que dependeria de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Porém, o projeto está parado no Congresso Nacional.

A luta pelo fim da escala 6×1 ganhou rápida adesão pois afeta a maioria dos/as trabalhadores/as brasileiros/as, segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022, 65% dos contratos encontram-se nesta situação. Destes, 65% ganham até dois salários mínimos e 42% recebem até 1,5 salário mínimo. As mulheres pretas são as mais afetadas por esse regime de trabalho.

A disputa pelo tempo na sociedade capitalista é um dos temas centrais para a classe trabalhadora. Como aponta o sociólogo Sadi Dal Rosso, a jornada de trabalho atinge os trabalhadores em três aspectos essenciais: “afeta a qualidade de vida, pois interfere na possibilidade de usufruir ou não de mais tempo livre; define a quantidade de tempo durante o qual as pessoas se dedicam a atividades econômicas; estabelece relações diretas entre as condições de saúde, o tipo e o tempo de trabalho executado.” (Dal Rosso, 2006, p. 31)

Mas foi em novembro de 2024 que a luta pelo fim da escala 6×1 e pela redução da jornada de trabalho ganhou força junto à opinião pública e pautaram o debate nacional. Através do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), criado em novembro de 2023 e liderado por Rick Azevedo (PSOL/RJ), e que teve a proposta formalizada como Projeto de Emenda Constitucional (PEC), em novembro de 2024, pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). A PEC conseguiu o número mínimo de 171 assinaturas de parlamentares e foi enviada para a análise da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJ), presidida atualmente pela bolsonarista Carolina de Toni (PL-SC). A correlação de forças no parlamento é desfavorável ao projeto, e a maioria dos deputados já se posicionou contra a aprovação da PEC. O que revela que a mobilização e a pressão dos trabalhadores e das trabalhadoras terão de se intensificar.

Fonte: Instagram de Rick Azevedo

O Movimento VAT alinha-se ao movimento internacional 4 Days Week Global, que foi criado em 2019, por Andrew Barnes, fundador da empresa Perpetual Guardian, que é a maior companhia fiduciária da Nova Zelândia, e por Charlotte Lockhart, uma advogada, empresária e investidora. Chama a atenção que a agenda internacional tenha sido incentivada e mobilizada por setores empresariais, e não por organizações sindicais. No Brasil, a iniciativa ganhou o nome de 4 Days Week Global Brazil e tem sido impulsionada pela empresa Reconnect Happiness at Work & Human Sustainability, dirigida por Renata Rivetti, que propõe um novo desenho estrutural das empresas, com a reorganziação dos processos, da gestão do tempo e da cultura organziacional. Uma proposta que se articula ao movimento global “capitalismo consciente”.

A agenda do 4 Day Week Global sustenta-se  no modelo 100-80-100 como base para as mudanças na jornada de trabalho: 100% do salário, 80% da carga horária e 100% da produtividade. Mas a proposta, conforme apresentada por setores empresariais, de exigir a mesma produtividade em menos tempo de trabalho, aplicada na realidade de superexploração do trabalho no capitalismo brasileiro, precisa ser analisada com ressalvas.

Como afirmou a socióloga Adriana Marcolino em entrevista para o Brasil de Fato: “O movimento é positivo por ser uma iniciativa de redução da jornada, mas isso não tem envolvido o movimento sindical e manter a produtividade é não redistribuir os ganhos.” Precisamos reduzir o ritmo de trabalho, que aumentou muito nos últimos tempos e é responsável por um conjunto de doenças. A ideia é reduzir a jornada para dividir essa produção para mais pessoas, para que elas de fato trabalhem menos. Não basta disponibilizar mais horas livres. É preciso ter qualidade de saúde e segurança no trabalho”. Chama atenção que a PEC proposta por Erika Hilton dá ênfase ao aumento da produtividade e eficiência dos/as trabalhadores/as apresentada como uma contrapartida à redução da escala e da jornada de trabalho. Uma busca por conciliar interesses de classe para gerar um consenso para a sua aprovação. O que é inviável numa sociedade dividida em classes.

Mas a tese defendida pelas empresas que fomentam o movimento 4 days week não sensibilizou a burguesia brasileira. Entidades como a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do estado de São Paulo (Fecomércio-SP), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Associação Comercial de São Paulo se opõem à proposta de fim da escala 6×1. Enquanto isso,  o governo Lula “lava as mãos” através do Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que declarou simpatia à causa, mas apontou que a resolução deve ser buscada com base na negociação e nas convenções coletivas, com a jornada e a escala sendo estabelecidas em mesas de negociação. Um discurso que reforça a injusta relação do negociado sobre o legislado, o que desfavorece a classe trabalhadora.

Portanto, a proposta do fim da escala 6×1 tem de avançar a partir das discussões dos trabalhadores e trabalhadoras e do movimento sindical. Articulada a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, com a garantia de melhores condições de trabalho, o que passa pela revogação da reforma trabalhista de 2017, debate que acabou sendo engavetado pelo governo Lula.

A tramitação da PEC só acontecerá com a pressão das ruas, de greves gerais pautadas pela classe trabalhadora organizada. Apenas parando a produção e a circulação das mercadorias será possível conquistar o fim da escala 6×1, a redução da jornada e melhores condições de trabalho. Alguns movimentos importantes começaram a ocorrer, como as recentes mobilizações e denúncias dos trabalhadores e trabalhadoras das redes de supermercados Matheus no Maranhão e Zaffari no Rio Grande do Sul, além da greve da Pepsico pelo fim da escala 6×1, nas plantas de Sorocaba e Itaquera, em São Paulo. Mas ainda são ações que estão muito aquém do que é necessário para que a classe trabalhadora consiga avançar na conquista destes direitos.

Referências

DAL ROSSO, Sadi. Jornada de trabalho: duração e intensidade. Cienc. Cult. [online]. 2006, vol.58, n.4, pp. 31-34. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252006000400016

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