O projeto de perseguição às/aos profissionais da educação em Goiás

O projeto de perseguição às/aos profissionais da educação em Goiás

Por: O Poder Popular ·

Por PCB Goiás

Escrito por Maik Hilário - Militante da Corrente Sindical Unidade Classista e da União da Juventude Comunista.

Uma professora de História da Arte, egressa da Universidade Federal de Goiás, foi demitida no dia 4 de maio de 2023 pelo Colégio Expressão, sediado em Aparecida de Goiânia, devido a perseguição política, cada vez mais comum no estado de Goiás. A demissão ocorreu após repercussão em rede social pelo deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO), reunindo seus seguidores, a fim de pressionar a instituição de ensino para demiti-la. A docente foi exposta e teve seu trabalho questionado por pessoas cuja orientação se dá mediante um ideal fascista. Para piorar, ela foi demitida por telefone sob pretexto de perda de capital da escola. Logo, seria mais fácil abdicar da criticidade e da firmeza científica do que mantê-la.

Dois dias antes de seu desligamento, a professora havia publicado em sua conta do Instagram uma fotografia em que vestia uma camiseta em homenagem ao artista Hélio Oiticica (1937-1980), com a estampa da bandeira-poema “Seja Marginal, Seja Herói” (1968), conteúdo programático da disciplina. Oiticica produziu a obra com base na violência extrema existente no regime empresarial militar brasileiro (1964-1985) contra as pessoas marginalizadas, principalmente com relação à violência dos grupos paramilitares. Em vídeo recente, o deputado assumiu não ter conhecimento prévio da obra e de sua historicidade; apenas após o ocorrido foi buscar entendê-la. Contudo, forjando narrativas, como de costume, Gayer disse que a busca lhe permitiu encontrar mais motivos para justificar a sua iniciativa. Era de se esperar que essa parcela social negacionista e anticientífica, aliada aos interesses do grande capital, fosse interpretar maliciosamente a referida obra de arte, haja vista que foi o contexto político dela que levou Gilberto Gil e Caetano Veloso ao exílio em 1968.

A perseguição a profissionais da educação está crescente em Goiás, tornando-se prática comum, em uma caçada supostamente despretensiosa e favorável a uma imaginada neutralidade político-ideológica. Em junho de 2022, outro docente foi demitido por motivação correlata, embora dessa vez a causa criada tenha sido a forma de suas avaliações. O professor de Sociologia do Colégio Visão, em Goiânia, após ter aplicado uma atividade com uma tirinha do cartunista André Dahmer, também foi alvo do referido deputado. Diante  das mesmas táticas, o colégio cedeu à pressão e o demitiu às pressas, mesmo com manifestação interna de alunas/os. Também nesse caso, Gayer (eleito em 2022, com 200.586 votos, tendo como principal bandeira a “luta contra a doutrinação ideológica nas escolas”) se envolveu diretamente no processo que culminaria na demissão do docente, agindo de forma coerente com a sua nefasta agenda de perseguição, difamação e humilhação de professoras e professores.

Gayer reivindica ilegalmente a profissão de professor, bastando observar em qualquer rede social ou site biográfico, tendo em consideração que não concluiu o curso de nível superior. A verdade é que possui uma pequena escola-empresa de idiomas, cujo capital foi avaliado em 10 mil reais. Dessa forma, intitula-se professor, quando deveria se intitular instrutor de inglês, haja vista a ausência de titulação formal e o caráter técnico/prático das escolas-empresas de idioma. A profissão de professor não pode ser tratada como “bico” ou trabalho temporário e desprovido de formação. Ao fazer isso,  além de manipular a narrativa, ainda termina por desprezar a profissão, rebaixando-a. Gayer busca, pois, apoio em um cabedal cultural que não possui, mas socialmente considerado importante, a fim de garantir a legitimidade da posição que busca ocupar.

Sem qualquer prerrogativa, ferindo artigos da Constituição Federal/1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), criou um sítio eletrônico no intuito de reunir denúncias contra docentes das escolas de educação básica, em vã ilusão de que as/os alunas/os são cotidianamente doutrinadas/os por “comunistas”, quando na verdade o marxismo carece de hegemonia até mesmo em ambientes acadêmicos. O site busca intimidar escolas e professoras/es, mas com motivos bastante distintos. De um lado, as escolas intimidam-se devido à pressão que poderá ser despendida e ao cálculo de possível queda no nível de matriculadas/os. De outro, os/as professores/as intimidam-se devido à pressão derivada da escola, que exigirá práticas antipedagógicas e, assim, colocará em xeque a posição profissional da/o docente e sua segurança financeira mensal. Sabendo fazer uso desses dois pilares presentes na escola privada, o parlamentar age de modo malicioso no intuito de perseguir incansavelmente as/os profissionais da educação.

Quando percebe o mínimo de reação, como recentemente, furta-se ao debate político, acadêmico ou pedagógico, definindo toda repercussão como “esquerdista”. Chegou, por exemplo, a acusar as mídias hegemônicas do estado, seus críticos de rede social, as/os parlamentares e professoras/es de “comunistas” e pertencentes à “extrema-esquerda”, como se fossem contraditórios e inconciliáveis. Criando um espantalho, Gayer acusou seus críticos de conspiração violenta, dizendo que o queriam morto ou cercado em sua residência para intimidá-lo. Seu interesse, à primeira vista delirante, tem intenção clara: polemizar, esvaziar o debate político, banalizar a violência simbólica, negar a ciência e monetizar com os vídeos – faturou R$ 40.709,49, conforme relatório do Google para a CPI da Covid-19, em 2021.

Desde a década de 2010, a extrema-direita, inspirada por Olavo de Carvalho, vem tentando disputar covardemente o ambiente escolar/acadêmico. Gayer pertence a esse grupo, cuja pretensão é a implementação de uma neutralidade política e pedagógica, ocultando, porém, seus interesses, na medida em que a própria noção de objetividade e tecnicidade é uma proposição do liberalismo. Portanto, o que se tem é uma posição que se pretende externamente neutra, mas que induz e introjeta ideologia liberal. A censura às disciplinas, às/aos professoras/es e às instituições também ocorreu na ditadura empresarial militar brasileira a serviço da manutenção de uma suposta ordem social. É um jogo de cartas marcadas para o mundo acadêmico, no entanto desconhecido por grande parte da sociedade, que inocentemente antevê boas perspectivas com a ideia e os títulos mobilizados, como “doutrinação ideológica”, “viés ideológico”, “professor/a militante”, “escola sem partido” etc.

Outrossim, são as escolas-empresas (escolas privadas de qualquer orientação) em seu caráter jurídico que são pressionadas e direcionadas a uma cessão pragmática, por vezes ocorrida sem provocação externa. As escolas-empresas podem ser definidas de modo empresarial em razão da sua finalidade de atuação, que não é a educação. As escolas particulares buscam o educar, porém mediante pagamento.

Essas instituições, pequenas e médias em suma maioria, têm como objetivo o acúmulo de capital para suas/seus proprietárias/os com base na exploração da força de trabalho de professoras/es, auxiliares, secretárias/os, coordenadoras/es, merendeiras/os, faxineiras/os etc. O conhecimento formal apropriado apenas importa quando está diretamente relacionado às margens de lucro e à aprovação/fidelização da clientela. Caso as/os responsáveis pelas/os alunas/os desaprovem qualquer medida, a empresa se adequará imediatamente com vistas a não perder ou seguir perdendo sua receita mensal, sem se importar com implicações na qualidade do ensino no tocante ao que será implantado/modificado.

As escolas particulares – que se manifestam numa multiplicidade de tipos, formas e realidades, como as confessionais tradicionais e não tradicionais, as tipicamente empresariais de grande, médio e pequeno porte, as pequenas escolas sob controle familiar em bairros – , de um modo geral, não possuem gestão democrática, a maior parte desconsidera a pluralidade pedagógica proposta/desenvolvida por professoras/es e um grande número delas sequer remunera de forma minimamente condizente a hora-aula (pagando, em Goiás, em média 16,8% a menos do que o piso estabelecido para o magistério público). Deve-se registrar que é prática frequente na grande maioria delas o ataque aos direitos trabalhistas, explorando a mais-valia de todas/os funcionárias/os (seja na forma do aumento da mensalidade que incide sobre o discente, seja na intensificação das horas trabalhadas), assediando moralmente docentes e não remunerando condizentemente horas-atividades. Nessas instituições têm sido frequentes a perseguição às/os sindicalizadas/os e o silenciamento das/os alunas/os com posturas críticas e/ou irreverentes, de forma alinhada às/aos responsáveis ultraconservadores. Mesmo o desalento de alunas/os neurodivergentes ou deficientes físicos tem sido relatado em muitas dessas escolas. Enfim, a escola privada, por essência, degenera os princípios educativos e pedagógicos, prejudicando docentes, administrativas/os e discentes. Por conseguinte, afeta negativamente a qualidade do processo de ensino-aprendizagem que possa emancipar a classe trabalhadora.

Quanto à censura prévia e/ou post factum, os estabelecimentos não podem se esquivar por trás dos ditames liberais do direito à propriedade, levando em consideração que a liberdade catedrática, independentemente da concepção pedagógica do projeto político-pedagógico, possui garantia constitucional. A/o professora/or, por fim, goza de autonomia didática intra e extraclasse no que se refere à regência. O dinheiro não deveria ser o balizador da seleção acurada do currículo de cada campo disciplinar, mas, sim, o saber e a/o profissional apta/o a tal movimento.

Em contrapartida, a escola pública, apesar das contradições e das precarizações impostas pelo governo estadual, tem como finalidade de atuação a educação, sem vislumbrar ideias mercadológicas e sem ceder a interesses de uma clientela. Há perfeitamente possibilidade de construção de uma escola popular, aberta a todas/os, formativa, crítica, horizontalizada e com liberdades democráticas. Nos princípios da administração pública, ainda que em um Estado burguês, deve-se prezar pelas/os cidadãs/ãos – pela classe trabalhadora –, quem arca com os tributos arrecadados de forma regressiva no país, e não pelos que pagam para ter privilégios e possuem capacidade para monopolizar a educação das/os filhas/os.

A tentativa de intimidação e censura pode ser atribuída à busca pelo controle absoluto da educação das/os filhas/os, como se pudessem colocá-las/os em uma redoma ideológica, sem contato com a diversidade existente na sociedade. Isso, verdadeiramente, se chama doutrinação. É lamentável que o controle político-ideológico presente na sociabilidade das/os filhas/os pelas/os responsáveis seja tamanho a ponto de censurar ideias, proposições, vivências e socializações distintas. Deveríamos saber que o tempo e a sociedade em que vivemos possuem amarras sociais que não são desprendidas repentinamente, sendo impossível obter monopólio ou controle irrestrito da educação de alguém, seja ela formal, não formal ou informal.

A perseguição às/aos professoras/es em Goiás passa pelos governos estadual e municipais, pelas escolas privadas e pelos seus interesses mercantis, pelos/as responsáveis ímpios/as presos/as a ideias conservadoras e pelos políticos extremistas como Gustavo Gayer. É preciso cobrar dos sindicatos da educação maior presença nas escolas, fazendo trabalho preventivo e organizativo, mobilizando a categoria e inserindo-a nos problemas da profissão e da rede escolar. Mais do que isso: é preciso denunciar a perseguição presente em escolas e de políticos e de cidadãs/ãos reacionárias/os, construindo alternativas populares e fortalecendo o sistema público de educação. Apenas com docentes conscientes das demandas e organizadas/os coletivamente será de fato possível combater a censura instaurada em Goiás, bem como confrontar discursos dos políticos raivosos e maliciosos em face da população que os escuta. Nesse contexto, por mais adverso que seja, é imperativo seguirmos em frente construindo uma vanguarda social verdadeiramente revolucionária, forjada na luta e apoiada numa vasta organização pela base!

Publicado originalmente em: https://pcbgo.org/2023/05/22/o-projeto-de-perseguicao-as-aos-profissionais-da-educacao-em-goias/

Acompanhe todas as mídias do nosso jornal: https://linktr.ee/jornalopoderpopular e contribua pelo Pix jornalopoderpopular@gmail.com

Compartilhe nas redes sociais