O que dizem os comunistas israelenses?

Por: Antonio Lima Júnior ·
Manifestantes reúnem-se na Praça Rabin para denunciar o plano de Israel de anexar partes da Cisjordânia. (JACK GUEZ/AFP)

Entrevista de Hugo Albuquerque com Eli Gozansky. Publicado originalmente em Jacobin.

Vivemos tempos catastróficos e as cenas de Gaza aturdem toda a humanidade, em uma crise com desdobramentos globais, inclusive na política interna brasileira – um terremoto que produziu um horizonte de indeterminação muito grande, desde efeitos eleitorais muito grandes nos países centrais, a reabertura de um movimento de massas também nas ruas das capitais dos países ricos e, ainda, o risco de uma nova guerra mundial.

Sobre isso, falamos com Eli Gozansky, 60 anos, judeu israelense que vive en Tel Aviv e é membro da direção do Partido Comunista de Israel, o qual integra a Frente Democrática para Paz e Igualdade [ החזית הדמוקרטית לשלום ולשוויון], conhecida pelo acrônimo em hebraico Hadash [חד”ש], das únicas organizações israelenses que reúne judeus e árabes, e com cinco deputados no parlamento israelense, quatro deles do Hadash – e concorre em lista conjunta com o partido árabe Ta’al, acrônimo de Movimento Árabe de Renovação [الحركة العربية للتغيير].

Como está a percepção interna em Israel sobre o massacre que está acontecendo na Faixa de Gaza?

O ataque do Hamas do 7 de outubro pegou de surpresa os israelenses, seja do ponto de vista militar quanto do ponto de vista do número de mortos, feridos e sequestrados. A sensação empregada foi de negligência total e de que os residentes foram abandonados pelo governo e pelo exército. Os sentimentos de medo e choque se converteram em ódio contra o Hamas, palestinos e também contra o governo, especialmente em relação à figura do premiê Netanyahu. O governo declarou, imediatamente, um estado de guerra que, junto com a crise e a lavagem cerebral midiática, criou uma espécie de psicose massiva que se expressou em horríveis chamados racistas por vingança. E também, chamamentos por “unidade nacional” por um lado e duras críticas dirigidas ao governo por outro.

Cabe recordar que o governo israelense atual, liderado por Netanyahu, é o mais direitista, fascista e racista da história de Israel, ao que se somam as muitas acusações de corrupção contra ele. É um governo que pretendeu mudar o regime mediante um golpe constitucional. Contra isso se insurgiram os protestos mais poderosos e maiores que se registraram no país – durante 40 semanas seguidas, embora concentrado no tema democrático, e apenas nós, que também fazemos parte do “bloco contra a ocupação”, nos manifestamos no sentido de que “não há democracia com ocupação”, “não há democracia sem igualdade”. Isso foi uma voz importante que ressoou e pôs a questão palestina na agenda. Naquele contexto, do ponto de vista das relações exteriores, Netanyahu estava isolado, e por essa razão, tendo apoio dos Estados Unidos, ele buscou contornar a questão palestina e chegar a um acordo com a Arábia Saudita às custas dos palestinos.

Tudo isso mudou depois do 7 de outubro.

Netanyahu saiu do mencionado isolamento internacional quando os Estados Unidos e a Europa apoiaram Israel na sua guerra brutal contra Gaza, tendo por intenção original a deportação massiva dos palestinos para o Egito. Isso, contudo, fracassou pelo rechaço egípcio. Internamente, Netanyahu incorporou seu opositor Benny Gantz ao governo. Ainda, da mesma maneira que fazem muitos governos de direita, ele se aproveitou da crise para aprofundar a opressão contra os palestinos da Cisjordânia, incluído aí a limpeza étnica na parte sul de Cisjordânia, levada a cabo por colonos de ocupação com o apoio do exército, também contra os árabes israelenses, que são 20% da população, e, por fim, contra qualquer um que pretendesse questionar a guerra e o assassinato de inocentes em Gaza: centenas de prisões, demissões e expulsões de universidades de Israel apenas por escrever algo no facebook, com o governo se usando de um argumento vago de identificação desses manifestantes como apoiadores do Hamas, que pelo governo são iguais o Estado Islâmico ou os nazistas.

Hoje, a Suprema Corte indeferiu nossa petição, a qual requeria o direito de nos manifestar livremente em duas cidades com uma população árabe (Umm al-Fahm e Sakhnin). A razão alegada foi que a situação era particularmente explosiva e que a polícia não tinha forças suficientes para fazer frente aos “perigosos” manifestantes. Outra evidência do nível de perseguição e dano sistemático ao já limitado espaço democrático isralense foi a suspensão do deputado comunista Ofer Kasif, pelo prazo de 45 dias, de sua atividade no Knesset por ter condenado a guerra. Além disso, vimos também as ameaças da polícia contra eventuais anfitriões de uma conferência de judeus e árabes em Haifa. Também foi preso, embora já tenha sido solto, Mohammad Barakesh, ex-deputado pelo Hadash e chefe do Comitê Supremo de Vigilância dos Árabes de Israel, que é a organização guarda-chuva de todos os movimentos e representantes eleitos da população árabe. Há muitos outros exemplos.

Por iniciativa nossa, se criou um grupo judeu-árabe cujo objetivo era prevenir ataques racistas. Desde o princípio das manifestações, fizemos o chamado para devolver todos os sequestrados por meio de trocas deles pelos prisioneiros palestinos. Junto a isso, fizemos manifestações diretas contra o governo e especialmente contra seu líder, Netanyahu, assim como chamamos diretamente a um cessar-fogo imediato. Também iniciamos recentemente uma coalizão de dezenas de organizações de Israel, com judeus e árabes, que emitiram uma importante declaração por cessar-fogo, a troca de todos os presos ou sequestrados e um chamado por uma solução política e não militar. Agora, depois de um mês, começamos a sentir lentamente um ligeiro despertar da centro-esquerda, principalmente no âmbito das relações entre judeus e árabes dentro de Israel, ainda não seja o suficiente.

O que está claro é que o governo atual, e também o principal núcleo de oposição, não tem reais respostas para o eventual dia posterior à guerra, apenas que Netanyahu se demita após a guerra.

Netanyahu está em baixa, mas agora, contudo, lidera um governo com sua oposição liberal como sócia minoritária. Quais são as possibilidades reais no curto prazo?

A possibilidade é que a decepção, que surgirá mais tarde, pela conduta do governo Netanyahu, seja do ponto de vista como político ou do ponto de vista socioeconômico com a crescente crise, junto do entendimento que o povo palestino não desaparecerá por si só e com as lutas que estamos travando sobre esta questão – juntamente com a pressão internacional que se irá expandir – levarão a uma mudança, primeiro a substituição deste governo e depois as negociações com os palestinos vão começar.

Não está claro quando isso acontecerá, pois depende de muitas variáveis. Mas está claro que se isso não acontecer, passaremos da catástrofe ao desastre. Mas estou otimista e acredito que as forças progressistas entre ambas as nações poderão mostrar o caminho correto e justo.

Qual o risco de regionalização do conflito no Oriente Médio?

O perigo de uma guerra regional, no entanto, não só existe como poderia se converter em um conflito mundial, na medida em que os Estados Unidos têm trazido mais porta-aviões e submarinos. Na fronteira com o Líbano, Continuam as trocas de tiros e disparos de mísseis, embora ambos os lados estejam se mostrando cautelosos em se lançar à guerra total. Mas o apoio do governo Biden a Israel e seu ataque à Faixa de Gaza está prejudicando, gravemente, o presidente americano agora que está começando a campanha eleitoral em seu país, mas também a opinião pública mundial, especialmente no Oriente Médio bem como na Europa e nos Estados Unidos, se opõe à continuação do massacre contra a população de Gaza.

Como se vê, internamente, a ruptura de relações de muitos países em relação à Israel?

Como coloquei, isso não tem um grande impacto no público interno, seja porque a atenção está fixada na guerra, ou porque Israel ainda recebe o apoio dos governos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Mas agora as vozes da insatisfação estão aumentando, o que provavelmente afetará esses governos.

Qual a posição do Partido Comunista de Israel?

O Partido Comunista de Israel tem uma posição coerente e clara contra o dano a civis inocentes de todas as partes. Condenamos o massacre de outubro e seus perpetradores por um lado, mas somos contra os bombardeios bárbaros e os castigos coletivos contra o povo palestino por outro. Nós apoiamos a troca de presos palestinos pelos israelenses sequestrados e que, também,  uma solução de paz justa baseada no estabelecimento de um Estado palestino independente na Cisjordânia e em Gaza, ao lado do Estado de Israel trará segurança, paz e esperança a ambas as nações. Fazemos um chamado às negociações para essa solução sob os auspícios das Nações Unidas e pedimos que forças progressistas nos ajudem nessa importante luta. Também condenamos a opressão e perseguição fascista contra os cidadãos de Israel, principalmente aquela dirigida contra os os árabes e as forças de esquerda consequentes, além de chamarmos à luta um conjunto de judeus e árabes que apoiem essas ideias.

Existem alguns perigos graves, como uma guerra regional que resulte em uma guerra mundial. Aumento das agressões a inocentes e limpeza étnica em Gaza e Cisjordânia.Bem como o perigo de um aumento do racismo e do fascismo e da transformação de Israel num Estado completamente fascista.

A solução da construção de um Estado binacional, democrático e laico não é considerada?

Em teoria sim, mas na realidade não. Por várias razões importantes: a primeira é o povo palestino quer e tem o direito à independência. Em segundo lugar, a descrença mútua é enorme, certamente, ainda mais depois dos últimos massacres entre as duas nações.  Terceiro, Israel é muito mais forte economicamente, de modo que se o único Estado for estabelecido agora, sem uma fase de independência para os palestinos, se perpetuará o apartheid e o controle econômico dos Judeus. É claro que no futuro, depois de os dois países existirem em paz e prosperidade, esta solução é uma possibilidade. Como comunista, também é claro para mim que num futuro distante, depois de mudarmos o sistema econômico para o socialismo, as condições irão mudar e será possível abolir completamente todos os Estados.

Sobre os autores

HUGO ALBUQUERQUE

é publisher da Jacobin Brasil, editor da Autonomia Literária, mestre em direito pela PUC-SP, advogado e diretor do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (IHUDD).

ELI GOZANSKY

é membro da direção do Partido Comunista de Israel, trabalha com software e foi militante durante toda a sua vida. Ele foi o primeiro soldado em Israel a ser preso devido à sua recusa em servir na Primeira Guerra do Líbano, em 1982.

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