O que pensa a torcida antirracista do Palmeiras?
Guilherme Montenegro do Alma Preta Jornalismo
Clube fundado por imigrantes italianos cresceu e se diversificou, mas torcedores negros relatam que iniciativas como essa ainda são “resistência"
Eram 14 horas de um dos domingos mais aguardados pelos torcedores alviverdes. No final de um dos mais disputados Brasileirões da história, mesmo que a consagração como campeão tivesse sido melada pelo Flamengo, que venceu o Cuiabá por 2 a 1 no dia anterior, os arredores do Allianz Parque, em São Paulo (SP), estavam completamente ocupados pela torcida que mais comemorou títulos brasileiros nos últimos dez anos.
Na rua Caraíbas, dentre muitas bandeiras de tradicionais torcidas palmeirenses, um bandeirão chama atenção pela frase “Fogo nos racistas”. Era o cartão postal da torcida Zumbi dos Palmeiras, fundada em maio de 2023 por um grupo de torcedores do clube que vivenciam o estranhamento da sua identidade por parte de torcedores brancos dentro e fora dos estádios, o que traz a necessidade de afirmação de que esses torcedores existem e que podem ocupar esse espaço sem apagar sua identidade afro-brasileira.
Renato Oliveira, jornalista de 23 anos, foi um dos fundadores da torcida que segundo ele tem o objetivo de “tirar o estereótipo que o Palmeiras é só time de branco e italiano, que o Palmeiras é só time de playboy, um time que tem muito torcedor preto e muito torcedor da quebrada”.
A referência do nome da torcida ao mais reconhecido líder quilombola no Brasil, segundo Renato, é uma forma de demonstrar o posicionamento do grupo: ”A gente queria um nome que já causasse impacto, que é a mensagem quando o pessoal lê o nome, já entendesse qual que era o nosso direcionamento, a nossa ideologia”, pontuou o jornalista.
A busca pela representatividade nesse espaço também atraiu a atenção da estudante de publicidade Elisa Maria de Lima Neta, de 19 anos. A jovem lembra que seu pai é palmeirense, mas sempre foi questionado sobre tal fato. “O pessoal da rua dele vivia zoando ele. ‘Ai, você, preto, pobre, de quebrada, maloqueiro, sendo palmeirense’. Aí ele acabou meio que ocultando isso da vida dele, sabe?”.
No caso de Elisa, ocupar esse espaço pode ser ainda mais complexo, já que a masculinização do mundo do futebol criou barreiras ainda maiores para as mulheres negras estarem nos círculos de torcidas organizadas. A jovem defende que um de seus objetivos nessa atuação na Zumbi dos Palmeiras é atrair mais ainda esse setor, pois muitas ainda teriam “receio” desse espaço, pois quando querem discutir futebol são taxadas como quem “não sabe nada de futebol”, finaliza a estudante.
Mas fato é que o mundo do futebol não está isolado da realidade desigualdades socioeconômicas e raciais que estruturam o Brasil. A bola rolou no Allianz Parque e Renato estava à postos junto de uma infinidade de pessoas para acompanhar o primeiro tempo do jogo, quando foi abordado por outro torcedor que questionava a presença da torcida antirracista na Rua Caraíbas, dizendo frases como: “Aqui não tem racismo, aqui não tem branco nem preto, é todo mundo verde”, gerando um intenso debate no meio da multidão que parecia estar mais interessada nos dois gols anulados (e mesmo assim comemorados) do Palmeiras nos primeiros minutos de jogo.
“A gente é Palmeiras, mas veio pra atormentar todo mundo. Vai se incomodar com isso por que? Se o palmeirense não entende a mensagem de fogo nos racistas, é fogo nele também”, comentou Renato sobre possíveis obstáculos à organização do grupo dentro da própria torcida.
Essa tentativa de invisibilização do conflito racial dentro do futebol nunca foi possível, já que o esporte coleciona desde histórias de divisões raciais de torcidas e casos de jogadores que foram vítimas de racismo dentro e fora de seus clubes.
O professor de educação física e ex-árbitro da Confederação Brasileira de Futebol, Márcio Chagas, afirma que “o estádio é uma representação de uma estratificação racial e social muito bem desenhada. Quem senta nos camarotes, nas cadeiras e nas arquibancadas, ditas como sociais, é um público majoritariamente branco”.
Chagas sabe bem o que é se sentir isolado dentro desse mundo, o professor contaque foi durante um determinado momento, no Rio Grande do Sul, o único árbitro negro apitando. “Quando eu abro a denúncia em 2014 e falo sobre um caso de racismo que eu passei na serra gaúcha e na cidade de Bento Gonçalves, automaticamente eu me afasto da arbitragem e fica uma lacuna de 9 anos sem que tenha um árbitro negro apitando no Campeonato Gaúcho da 1ª Divisão, e nenhum árbitro negro mais ocupou a função.”
Ele explica que a fundação de uma torcida como a Zumbi dos Palmeiras cumpre o papel de não deixar que pessoas negras se sintam isoladas em qualquer lugar. O entendimento que leva as pessoas negras periféricas a se organizarem de uma forma, por meio de torcidas organizadas é exatamente a ideia do aquilombamento. “Porque nos últimos anos, em virtude de uma elitização e um afastamento dos pobres e automaticamente dos negros, é uma maneira de voltar a ser um esporte popular”, finalizou o ex-árbitro.
“A gente é um quilombo”. Em concordância com a ideia apresentada por Márcio Chagas, essa frase também foi ecoada por Renato e Elisa. Segundo os palmeirenses, os próximos passos da torcida serão para fazer crescer ainda mais esse quilombo. Baile black, ação social, participação em manifestações e o aluguel de uma sede estão entre as prioridades, mas a maior expectativa nesse momento é pelo título do campeonato brasileiro que, ao que tudo indica, será comemorado pelo Zumbi dos Palmeiras na Barra Funda e em outras tantas quebradas de São Paulo.
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