Organizar o povo e movimentar as ruas em torno das demandas populares
Por Silas Toussaint - militante da UJC e do PCB-SP
Se por um lado, a vitória de Lula na corrida à presidência representou um fôlego para a amplitude da classe trabalhadora, que, nos últimos 4 anos sofreu com as mazelas da austeridade, do desemprego, da violência e do genocídio, diametralmente, abre-se uma nova janela histórica, que apresenta possibilidades tanto para construção de novos caminhos, quanto pode significar o retorno de atores nefastos que pairam a política brasileira.
A formação da equipe de transição, encabeçada pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin sinaliza a formação de um governo de coalizão amplo, que ganha ao inserir os movimentos sociais e os povos originários na mesa de negociação com a nomeação de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara, mas vai na contramão ao nomear paralelamente nomes como Guido Mantega, Simone Tebet e os economistas liberais André Lara Resende e Pérsio Arida para a pasta econômica.
O momento atual exige firmeza para encabeçar os problemas emergenciais enfrentados pela classe trabalhadora, como a expansão da fome e da carestia, do desemprego e do déficit habitacional, que, ao piorar as condições de vida da classe trabalhadora, à conduz a marginalidade, ao pauperismo e torna precárias suas condições de organização que viabilize uma contraofensiva ao neoliberalismo.
Desse modo, torna-se necessário compreender que esses problemas estão ligados às características profundas da formação social brasileira, ao desenvolvimento tardio do capitalismo dependente brasileiro e aos complexos de contradição fundantes que demarcam a construção do Estado Nação brasileiro, à saber, a predominância do latifúndio e da agricultura monocultora, que, ao voltar-se à produção para exportação, é incapaz de resolver a questão da fome e a justa distribuição de alimentos saudáveis. O desemprego estrutural do capitalismo, que somado à introjeção deficitária da população negra nas relações capitalistas, quanto à conturbada transição do regime de acumução do fordismo para o modelo de acumulação flexível que demarca o neoliberalismo e, o último complexo, a expropriação fundiária que concentra nas mãos de poucos uma enorme quantidade de terra e, na realidade urbana, de moradia, como é visivelmente observável o boom imobiliário nas capitais, sobretudo do sudeste, que é acompanhado paralelamente pela ampliação da população vivendo nas ruas e das ocupações da luta por moradia.
Salientado que esses problemas estruturais do Estado Brasileiro não podem ser resolvidos sem uma mudança nas relações de produção e portanto, a institucionalidade republicana preserva, por sua própria natureza, uma série de limites. Cabe estabelecer um eixo de mediações, reivindicações para estarem na agenda cotidiana das forças populares e provocarem um tensionamento à esquerda na agenda do governo que se forma.
Isso porque este governo tende à ser objeto de disputa, tanto à direita, por setores do centrão e mesmo da centro-direita, entidades empresariais como o agrupamento “Todos Pela Educação”, Fundação Lemann e demais figuras e organizações representantes do grande capital, que, mesmo tendo apoiado o golpe de 2016 e a esteira de reformas perversas à classe trabalhadora em sua diversidade, buscarão espaço para continuar perpetuando a agenda neoliberal. Quanto à esquerda, pelos movimentos populares, o movimento sindical, os estudantes, os povos originários e o movimento negro, que foram essenciais no enfrentamento ao bolsonarismo e, mesmo diante da inércia de diversos setores da centro-esquerda durante as mobilizações de 2020 e 2021, construíram um processo de lutas importantíssimo para demarcar a voz das classes populares contra a violência perpetuada pelo bolsonarismo, pelas forças policiais e pelo descaso no tocante à pandemia.
Essas forças populares não podem se deixar cooptar pelas portas abertas na institucionalidade, que como suscitado anteriormente, apresenta um caminho repleto de limitações estruturais e é objeto de disputa pelas elites nacionais e estrangeiras. Não deixar, portanto, as ruas de lado, mesmo nos momentos de maior “estabilidade” é o caminho certo para avançar o movimento dos trabalhadores e a agenda que se contraponha ao receituário neoliberal.
Nesse sentido, cabe reconhecer novamente que o Bolsonarismo, mesmo diante das constantes derrotas sofridas continua a ser um fenômeno vivo nas ruas, as hordas fascistas continuam a questionar o resultado eleitoral e mesmo que não possuam um respaldo institucional suficiente para uma empreitada golpista, continuarão a brandir latidos, que só poderão ser ceifados com a força do povo nas ruas.
Em breve análise, emerge que as forças populares organizadas, o movimento sindical e as frentes de luta já existentes, convergirem na construção de uma agenda de luta e de movimentação política unificada, que articule a atividade do executivo, dos parlamentares de esquerda e do conjunto das forças populares, com a força das ruas, em torno de um programa de enfrentamento ao neoliberalismo e da construção da hegemonia da classe trabalhadora na construção deste governo. Não esperando deste a solução dos problemas fundamentais deste país, mas a gestação de condições que propiciem o avanço da contra-ofensiva do proletariado ao fascismo e ao neoliberalismo, que seguem vivos na vida política e no cenário econômico nacional e internacional.
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