Por dentro das torcidas: Zumbi dos Palmeiras
Fernanda Lima para o Peleja
Em meio a um cenário de reivindicações, movimentos de torcedores estão surgindo pelo país para debater, revisitar, afirmar e construir novas identidades nas torcidas.
Ofutebol é vivo, mutável, território de criação e disputas, e por isso novos capítulos são acionados à sua história diariamente. E os grandes responsáveis pela maioria dessas mudanças sociais e culturais do esporte, as mais profundas, são os torcedores.
Em meio a um cenário de reivindicações sobre preço dos ingressos, festas nos estádios e participação mais ativa nos rumos dos clubes, movimentos de torcedores estão surgindo pelo país para debater, revisitar, afirmar e construir novas identidades nas torcidas. Um deles é o Zumbi dos Palmeiras.
O coletivo surgiu em 2023 como uma forma de se conectar com os palmeirenses pretos e mostrar que, diferente do que dizem, sim, existem muitos negros entre os seus milhões de torcedores.
Associada por rivais à branquitude italiana e ao elitismo dessa classe no século passado, a torcida do Palmeiras tem entendido ao longo do tempo que precisa se mobilizar para contar os outros lados da sua história que costumam ficar escanteados - a presença das pessoas negras na construção e fortalecimento do clube e da torcida alviverde, por exemplo.
Eu troquei uma ideia com o Renato Porto, fundador do Zumbi dos Palmeiras, para entender mais sobre os ideais do coletivo e como eles estão ocupando esse papel na transformação da imagem branca e rica que muita gente costuma ter de quem apoia o clube.
"Quem tá na rua e na quebrada também é palmeirense. Olha quanto preto tem aqui. Você vai falar o que?"
Homem negro, morador da periferia, jornalista há pouco tempo e palmeirense desde que nasceu, Renato era um dos que se sentiam excluídos pelas falas sobre o Palmeiras ser um clube de brancos. "Olha eu aqui", ele pensava. E percebendo essa pouca participação dos torcedores pretos nas festas que rolam nas arquibancadas do estádio é que ele juntou alguns amigos quem também se identificavam com a causa e criou um coletivo com a identidade e estética negra e de periferia.
"No Palmeiras não tinha nenhum movimento que abraçasse a causa preta, a galera da periferia, da quebrada. Tem movimentos antifascistas, mas com essa nossa identidade, não. Nenhuma torcida é uma coisa só. O mais importante é quebrar esse estereótipo e o pessoal da periferia se identificar com a gente.'"
Um nome forte que remete a um dos maiores ícones da luta pela liberdade do povo preto, garfo no cabelo black, punho cerrado, personalidades negras importantes e frases de luta contra o racismo chamam atenção nos posts nas redes sociais, nas camisas, bandeiras e adesivos personalizados. Renato me explicou que queria mostrar a identidade e os valores do coletivo logo de cara, com um nome potente, e que a serifa escolhida também é para representar a rua, seguindo o estilo de pichação e grafite.
O lema do coletivo "Pele preta e manto verde" chegou a provocar o questionamento de alguns torcedores pela referência ao preto, cor do maior rival, mas para Renato esse uso ultrapassa a discussão clubista. É a sua própria cor, a cor de um grupo que por muito tempo foi apagado da torcida e que agora está sendo resgatado. Além disso, ele explicou que nas artes a cor é um verde em tom escuro, o que, segundo ele, também é simbólico.
"Pele preta e manto verde. Isso diz muito sobre a gente, sobre querermos nos conectar com o preto palmeirense."
E esse apagamento foi fortalecido pelo próprio clube, em certa medida. Isso porque há algum tempo acontece um afastamento gradual dos torcedores pobres dos estádios aqui no Brasil e pelo mundo. No Palmeiras, especificamente, isso contribuiu ainda mais para a ideia de que a torcida do clube era composta apenas por brancos com grana, e isso também é tema de discussão no coletivo. Sem ingressos a preços acessíveis, os torcedores palmeirenses de quebrada não conseguem acompanhar o time no Allianz Parque, uma das arenas mais modernas do país.
"A diretoria também contribuiu pra isso. Não tem como tirar 300 reais do aluguel, da faculdade, da compra de casa pra ir pro estádio. A diretoria separou mesmo. O estádio não é pra todo mundo."
Já no fim da conversa, eu perguntei para ele sobre o apoio de outros torcedores ao trabalho importante de resgate e afirmação da cultura negra palmeirense que o Zumbi dos Palmeiras está fazendo.
"A gente tá tendo um reconhecimento da torcida. A gente chega pra trocar uma ideia e a torcida abraça o nosso coletivo. Nós já escutamos coisas como 'eu tava cansado de ouvir falarem que o Palmeiras é só time de branco e italiano, ainda bem que vocês apareceram'."
A expectativa é de que o coletivo cresça, ganhe mais adeptos e incomode quem não quer que as coisas mudem. O reconhecimento de outros torcedores ao Zumbi dos Palmeiras é um sinal de que existem aliados do movimento, e de que juntos eles podem ajudar a fortalecer a histórica identidade dos pretos palmeirenses, lutar por uma arquibancada mais diversa, menos elitizada e por um futebol realmente popular.
"O maior sonho é a galera ir se identificando e se conectando com a gente, porque a luta é de todo mundo."
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