Prefeitura de Pelotas e o aparelhamento da escola pública

Prefeitura de Pelotas e o aparelhamento da escola pública

Por: O Poder Popular ·

Por Ian Kelvin Mattos Costa e Leonardo de Andrade

A prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) publicou, no dia 12 de setembro, o Decreto 6.640, afirmando que o Poder Executivo passa a deter o poder de escolha dos diretores para as escolas da rede municipal, ficando a critério de escolha pelo Chefe do Executivo, ou seja, a própria prefeita Paula. O Art. 2º do Decreto afirma que “os gestores das escolas deverão ser selecionados e indicados pelo Poder Executivo, entre titulares de cargo efetivo estável na carreira do magistério público municipal”. De acordo com o Decreto, para a seleção de educadores para a função de diretor das unidades municipais, a Secretaria Municipal de Educação e Desporto deverá publicar um edital com prazo para inscrição de candidatos para o cargo, que deverão apresentar um Plano de Gestão ao Conselho Escolar da respectiva unidade. Mas qual será o papel do conselho? Dar aval ao Plano de Gestão? Com base em que?  Qual é o poder de decisão do tal Conselho? Como é formado esse Conselho?

O Decreto também aponta a constituição de uma Comissão Organizadora das Consultas às Comunidades Escolares. Esta será composta por dois (2) representantes de cada escola escolhidos através de uma assembleia geral promovida pelos Conselhos Escolares. O resultado da etapa consultiva nas unidades de educação será encaminhado para SMED e o Chefe do Poder Executivo irá escolher o gestor escolar. Ou seja, haverá duas pessoas que serão eleitas pela assembleia geral convocada pelo Conselho Escolar. Essas duas pessoas serão responsáveis, em cada escola, para escolher os candidatos a diretoria da unidade de ensino. Os nomes serão levados até a prefeitura que decidirá (com base em quê?) quem irá assumir a diretoria da tal unidade escolar. Mas você se pergunta: onde está a comunidade escolar? Como ela se insere através desse filtro burocrático que irá restringir, ainda mais do que já é, a presença da sociedade na vida escolar?

O Decreto afirma que as Comissões Organizadoras das Consulta às Comunidades Escolares vão organizar o credenciamento da comunidade escolar apta a votar, “identificando-os em listagem específica, emitida a partir dos dados constantes na secretaria da escola.” Papo furado. Estão burocratizando e aumentando a limitação da participação popular na democracia escolar. Este decreto é antidemocrático de ponta a ponta. Imaginamos que algum profissional do magistério, abertamente opositor político do governo da prefeitura, decide se candidatar ao cargo de diretor. A prefeita irá escolher? Será que a prefeita se declara neutra politicamente? Aposto que esse sujeito, reconhecido que é oposição, não passará nem pela etapa de seleção através dos conselhos. Alguma coisa no edital poderá barrar a sua candidatura, quem sabe?

Claramente, uma obstrução na gestão até então democrática da escolha dos gestores escolares pela comunidade escolar, pelos profissionais da educação e a sua comunidade.  O Diretor Escolar sendo designado, escolhido, pela Chefe do Poder executivo é um desaforo a própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB) no que diz os Artigos 14 e 15 que afirmam que os sistemas de ensino devem definir as próprias normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, assegurando às unidades escolares de educação básica seus progressivos graus de autonomia pedagógica. A prefeita Paula conseguiu infringir uma lei constitucional, mas esse é um padrão da direita brasileira que prega um moralismo e um apreço pelas leis e pela democracia, porém, não as cumpre.

Além de tudo isso, o candidato a diretoria da escola deve apresentar um Plano de Gestão Escolar (Pedagógico, Democrático, Administrativo e Financeiro), dentro da realidade da escola. E esse plano terá um modelo disponibilizado pela SMED e que irá definir “elementos mínimos obrigatórios”, quais são esses elementos mínimos obrigatórios? Quem irá defini-los? Com base em que? Com quais finalidades? É mais um aparelhamento de um governo aliado aos interesses da burguesia. Esse ataque à democracia escolar é para abrir caminho para inserir nas escolas públicas, ainda mais, não apenas um currículo neoliberal mas agora uma gestão neoliberal, controlada pela própria prefeitura e servindo aos interesses da mesma. Não basta disseminar cursos de formação empreendedora para gestores escolares e educadores. Agora querem interferir diretamente na gestão escolar. Onde fica a autonomia das instituições de ensino?

A prefeita Paula, através deste Decreto, deixa claro que não quer mais eleições democráticas nas unidades de educação. Seu decreto também não explica que cursos de formação que os candidatos às diretorias das escolas precisarão realizar. Provavelmente alguns cursos de formação empreendedora, ensinando os gestores escolares a lidarem com a escola como se fosse uma empresa, carregando toda ideologia neoliberal para a gestão. Logo estarão obrigando os professores a chamar os alunos de clientes. A Prefeitura de Pelotas partiu para uma ofensiva neoliberal sob a classe do magistério e sob a juventude da cidade, também está promovendo cursos de formação empreendedora em todos os cantos possíveis, buscando “fortalecer o comportamento empreendedor do público jovem como uma habilidade de transformação social”.

Isso é expressão direta da política neoliberal da direita brasileira, imersa nas instituições públicas buscando promover essa consciência dotada de ideologia, mistificadora, naturalizando as relações desiguais e de exploração, promovendo a individualização do sujeito, colocando sob ele a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso. Mistificando o papel do Estado, do coletivo e da política em determinar questões como o desemprego, desigualdade e o pauperismo que estamos vivenciando atualmente. O ataque neoliberal à educação, seja no currículo ou na gestão, é em escala nacional. A educação pauperizada é reflexo da ação da burguesia no controle do ensino brasileiro. É o apagamento do mínimo que resta de uma educação que busca a promoção da consciência crítica e reflexiva sobre os processos sócio-históricos que resultam na realidade na qual estamos inseridos.

Junto ao Decreto, foram publicadas uma série de Resoluções que versam sobre questões importantíssimas relativas ao andamento da educação no município, como a EJA, a recuperação de alunos na pandemia, as escolas em tempo integral, etc. Ademais, com essa resolução, vem o enxugamento do currículo. Professores concursados que tiveram disciplinas reduzidas (como é o caso de História e Espanhol), ou precisarão escolher entre mudar de escola ou aplicar coisas como Projeto de Vida. Quando Althusser, no clássico “Aparelhos Ideológicos do Estado” falava sobre a escola como aparato de dominação do Estado diante das classes populares, havia ainda uma resistência a esse aparelhamento. Havia um cabo-de-guerra entre a sociedade civil e o Estado que buscava aparelhar esses instrumentos como forma de controle.

Hoje, o aparelhamento está escancarado. O enxugamento de currículo é síndrome de uma pedagogia dos tolos, isto é, algo que se vende como bom, mas que não é, com efeito oposto de conscientização e reflexão; com efeito de dominação e conformação das relações sociais. Mas não é possível simplesmente impor um currículo novo às escolas (o currículo oculto, dilema das últimas décadas, já deixou de ser oculto faz tempo). Isto porque o currículo tem resistência. Os professores progressistas, empenhados na sua consciência de classe e na tarefa hercúlea de mostrar aos pobres da escola pública que existe possibilidade além da aula empreendedora que os ensino a fazer “bolo de pote”, resistem a essas modificações. Então, quando surgem medidas como o período temporário nos concursos (em que o concursado pode ser demitido por “insubordinação” dentro dos 3 primeiros anos de trabalho), ou Decretos que dão poder de escolha de gestão ao Poder Executivo, fica claro o aparelhamento: dominação, conformação e burocratização como forma de domínio de todas as esferas do trabalho.

É uma barbárie esse ataque, tanto à gestão escolar, quanto ao próprio currículo que será manipulado aos interesses da própria prefeitura que está diretamente aliada aos interesses da burguesia, nesse caso, do tal mercado educacional. Além disso, coisas como o “projeto de vida” e “empreendedorismo” é um empobrecimento brutal do pensamento crítico. É preciso defender o campo de reflexão e da criticidade na educação. Só o ensino de História, Sociologia e Filosofia possibilita o estudo da realidade, promove a desnaturalização e desmistificação de questões impostas à sociedade de forma naturalizada pela ideologia burguesa. Por fim, todos inseridos em uma escola devem ter o direito de participar da gestão escolar.

Nossas unidades escolares já contam com pouquíssimos aspectos de Gestão Democrática. As direções, formadas dentro da lógica neoliberal, com medo do pobre, possuem forte resistência a se abrirem às classes populares. Mas o fato de haver votação nos dá a possibilidade, como comunidade escolar, de modificar os rumos. Quando isso morre, morre também a possibilidade. Em uma sociedade que precisa incentivar os valores de cidadania e democracia, como podemos ensinar democracia aos alunos se a comunidade escolar não tem o direito de escolha sobre seus próprios líderes?

No Estado burguês, seja a nível nacional ou a nível municipal, esse controle da educação é legitimado através do discurso quase missionário de setores privatistas através das instituições públicas, como a própria prefeitura, completamente aliada aos interesses do setor. Esse discurso moderno de humanitarismo deslavado com uma superioridade classista em que “nós” vamos formar os “outros”, como há tempos as mesmas noções se aplicavam aos civilizados e aos “bárbaros”, “nativos” e “selvagens”. Transformando-os em bons selvagens ou eliminando-os. O povo não precisa passar por processos de “formação” para o mercado de trabalho, também não precisa ter um molde ideológico e comportamental nas suas relações sociais, nem nas suas expressões. Não precisa aprender a empreender como alternativa paliativa para resolver problemas de pobreza ou desemprego gerados pelo próprio sistema capitalista.

Esse avanço neoliberal nas instituições públicas de educação serve apenas para moldar o pensar social, garantir através da educação enquanto ferramenta de formação do pensar, o formato ideológico de um exército de mão de obra a ser explorada, tanto da juventude através desses programas sociais cheios de discursos vencedores e empreendedores, mistificando a realidade concreta e criando ilusões, ou da obrigação de cursos de formação e gestão empreendedora para profissionais da educação dentro das escolas públicas, promovendo a formação de uma consciência social vinculada diretamente a reprodução das relações sociais do sistema vigente, em que o que importa para o indivíduo é a sua produtividade, o quanto consegue produzir e competir com os demais sujeitos. O que não contam é que essa produtividade se chama exploração, e esta irá garantir a continuação da acumulação de riqueza e de poder de apenas 1% dessa sociedade.

Queremos escolas com gestão radicalmente democrática, participação popular, sem conselhos de duas pessoas, sem decretos autoritários e inconstitucional da prefeita Paula Mascarenhas que lhe dá o poder de escolher os diretores e diretoras das escolas municipais. Isso é um escárnio para a democracia escolar, atingindo diretamente a autonomia das instituições e a participação comunitária na gestão da unidade de educação. Precisamos nos mobilizar contra a atual gestão da Prefeitura de Pelotas para que seja derrubado esse Decreto. Temos de dialogar com a classe trabalhadora, com as comunidades escolares. Precisamos começar a falar sobre greve dos profissionais da educação do município. É inadmissível que este Decreto fique em vigência na cidade de Pelotas.

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