Promessa de uma nova aliança com os povos originários que já nasceu falida
Texto de opinião: Cacau Félix - militante da UJC/USP
Em abril, no último Acampamento Terra Livre (ATL), maior espaço de movimentação política dos povos indígenas do Brasil, o candidato à Presidência da República Luiz InácioLula da Silva (PT) assinou uma carta com reivindicações dos diversos povos presentes noATL, prometendo a criação do Ministério dos Povos Indígenas e o lançamento do "Dia do Revogaço", data em que derrubaria todas as decisões da gestão de Bolsonaro relacionadas aos povos indígenas, caso fosse eleito em outubro.
Em um primeiro momento essa notícia parece uma grande conquista, afinal um candidato finalmente está se comprometendo com os povos indígenas e suas demandas, mas conhecendo o histórico do Governo Lula e as perspectivas de aliança do seu vice candidato Geraldo Alckmin, percebe-se que tal documento não significa nenhum avanço para os povos indígenas e que as grandes promessas de Lula não passam de mero espaço eleitoreiro.
Fazendo uma pequena retrospectiva de como o Governo Lula lidou com as políticas de demarcação dos territórios previstas na Constituição Brasileira, o ex-presidente homologou menos aéreas que governos anteriores ao seu. O portal do Comitê de Organização de Informações da Presidência da República contabiliza que o governo Lula homologou, até 2009, 81 Terras Indígenas (TI), o que equivale a cerca de 18,6 milhões de hectares. Em contrapartida, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) calcula que na verdade foram homologadas cerca de 14,3 milhões de hectares. E, mesmo com essa diferença de contabilização, a discrepância de homologação do Governo Lula em relação aos dois governos anteriores é enorme. Collor/Itamar homologou cerca de 31,9 milhões de hectares e os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso homologaram cerca de 36 milhões de hectares, uma diferença de cerca de 19,65 hectares comparando com os dados do Cimi.
Dessa forma, o governo Lula foi um dos governos que menos atendeu aos direitos territoriais indígenas, ficando atrás apenas dos governos de Dilma Rousseff, que homologou cerca de 21 TI, e do atual presidente Jair Bolsonaro, que não só não homologou nenhum território indígena, como também autorizou a certificação de terras privadas em áreas indígenas não homologadas. Pode-se dizer que grande parte das dificuldades de homologação se deu em decorrência das pressões feitas pelos setores econômicos com que Lula tem aliança, especialmente do agronegócio, mas não somente isso, visto que existia um claro interesse governamental de não demarcar as terras.
Para além das questões de demarcação de terra propriamente ditas, foi também no GovernodeLulaqueasinvasõesdeterritórioseaviolênciacontraindígenasse intensificaram. Segundo levantamento feito pelo Cimi, nos oito anos de governo do Lula e nos dois primeiros mandatos de Dilma Rousseff, 560 indígenas foram assassinados no Brasil - uma média de 56 por ano, sendo que em 2007 foram assassinados 92 indígenas. Isso representa um crescimento de 168,3% em relação à média dos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Ainda conforme os levantamentos, dentro de todos os Estados, o Mato Grosso do Sul é o que mais registrou casos de mortes entre indígenas: foram 32 pessoas mortas e 27 tentativas de homicídio. As taxas de homicídios eram de 100 por 100 mil pessoas, na época maiores que a do Iraque, e quatro vezes maior do que a taxa nacional, demonstrando que os povos indígenas enfrentavam uma verdadeira guerra contra o agronegócio. Entretanto, o Governo Lula sempre foi omisso em relação ao intenso processo de violências enfrentadas por esses povos, talvez um dos grandes demonstrativos do completo descaso e falta de interesse pelos povos indígenas do ex-presidente.
E aqui cabe destacar duas coisas: a primeira é que essas mortes, além de serem subnotificadas, vão muito além de números tangíveis, pois a morte de indígenas significa uma perda da memória, história de vida, tradições, maneiras de ser, cosmovisões. De maneira que cada pessoa indígena morta representa uma grande perda cultural a toda a sua comunidade. A segunda coisa é que grande parte dessas violências cometidas são causadas pela questão fundiária, de modo que a ausência de demarcações de terras torna as comunidades muito mais inseguras e vulneráveis aos ataques. Assim, se o Governo Lula tivesse dado mais atenção à questão da demarcação, as mortes de centenas de indígenas poderiam ter sido evitadas.
E é claro que não poderia deixar de citar uma das maiores ações de etnocídio dos governos petistas: o projeto de construção da Usina de Belo Monte, que se iniciou no Governo Lula e foi concluído no Governo Dilma. Tal construção fazia parte de uma série de políticas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 28 de janeiro de 2007, programa do governo federal que englobava um conjunto de políticas econômicas, planejadas para os quatro anos seguintes, e que teve como objetivo acelerar o crescimento econômico do Brasil. Mas que claramente representava os interesses da classe dominante brasileira, pois o PAC serviu para financiar e apoiar empresas da agroindústria, do agronegócio, os banqueiros,asempreiteirasdaconstruçãocivil,osconglomeradosqueinvestem nas grandes barragens, em mineração, na exploração madeireira e os grandes latifundiários que se dedicam ao monocultivo ou à criação bovina.
A Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi construída na bacia do Rio Xingu, próxima ao município de Altamira, no norte do estado Pará, e com sua construção houve um deslocamento por parte das comunidades do Alto do Xingu, que tiveram que deixar as regiões que seriam alagadas por conta da barragem. Além do alagamento de algumas regiões, houve uma grande alteração em toda a estrutura hidrográfica daquela região, provocando também a seca de diversos rios, como o rio Xingu. Todas essas mudanças não afetaram só a natureza, mas todo o modo de vida daquelas comunidades, que, além de deixarem sua terra ancestral, tiveram a sua alimentação, modo de vida e modo de se relacionar alterados. Se antes a alimentação era baseada em recursos naturais, hoje as comunidades precisam ir ao mercado para se alimentar, pois não é mais possível plantar nem pescar com os rios secos. Hoje todas as relações desses povos alteraram-se drasticamente, e o número de invasões aumentou muito, principalmente de madeireiros. Os danos foram tantos que a Justiça Federal em Altamira, no Pará, reconheceu que a Usina de Belo Monte provocou interferências significativas “nos traços culturais, modo de vida e uso das terras pelos povos indígenas, causando relevante instabilidade nas relações intra e interétnicas”. Perdas irreparáveis a todas as comunidades não só indígenas, mas também ribeirinhas daquela região.
E como se não bastasse todo esse histórico do Governo Lula, trago aqui também um caso que exemplifica bem a forma com que o seu vice candidato Geraldo Alckmin trata os povos indígenas. Em sua gestão como Governador no Estado São Paulo, em junho de 2017, Alckmin sancionou um projeto que autorizava o governo estadual a conceder à iniciativa privada 25 parques estaduais, favorecendo a exploração das Unidades de Conservação (UCs), da qual o Parque Estadual do Jaraguá fazia parte. Esse parque abriga o Território Indígena Jaraguá, que tem hoje cerca de 900 indígenas da etnia Guarani Mbya, de maneira que esse projeto causaria a diminuição da terra indígena, provocando o cercamento daquela comunidade e alterando suas práticas culturais. O texto previa que as concessões fossem por 30 anos para “a exploração dos serviços ou o uso de áreas inerentes ao ecoturismo e à exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais”. Nesse projeto, em nenhum momento o povo Guarani do Jaraguá foi consultado, muito pelo contrário, foi ignorado em tentativas de diálogo que as lideranças tiveram naquela época. O interesse de Alckmin era claramente conceder a terra à iniciativa privada e dificultar a demarcação e homologação daquele território.
Além disso, os indígenas do Jaraguá vivem até hoje em condições precárias, e o ex-Governador nunca tomou nenhuma providência ou elaborou políticas
públicas para melhorar as condições de vida dessa comunidade.
Quando Lula assinou os documentos no ATL, reconheceu todos os erros do governo do PT e pediu confiança dos povos indígenas para uma nova chance, prometendo que tudo o que diga respeito aos povos indígenas será feito com consulta prévia. Entretanto, olhando todo esse histórico de perdas irreparáveis dos povos indígenas, e considerando as futuras perspectivas de alianças feitas por Lula, é difícil acreditar que haverá grandes mudanças como o mesmo promete. Além disso, todas as ações do Governo Lula não foram “acidentes” ou apenas
ocorrências imprevistas ocasionadas por pressões das elites empresariais, mas são fruto de um projeto de governo que leva uma ideologia totalmente oposta ao projeto de vida dos indígenas: a ideologia do desenvolvimento a qualquer preço, da expansão contínua e da maximização do lucro. Não só Lula, mas Alckmin também representa bem os interesses da classe empresarial e, se hoje o direito ao território e à demarcação de terras é a principal luta do movimento indígena, não por um sentido ganancioso de exploração, mas pelo fato de a terra estar atrelada à relação ancestral e identidade dos povos, é impossível acreditar que um Governo que não rompa com essa ideologia e com a classe empresarial consiga atender as demandas e necessidades das comunidades indígenas.
Não nos deixemos iludir por falsas promessas, mas apontemos as contradições de uma candidatura que não representa os interesses da classe trabalhadora. Precisamos não só de um candidato disposto a construir um programa que olhe verdadeiramente para as necessidades dos povos originários e dos trabalhadores, mas também de um novo modelo de sociedade. Um novo modelo de sociedade que rompa radicalmente com o desenvolvimento capitalista, individualista e depredador que ameaça o modo de vida indígena, modelo que somente será possível com a construção do poder popular rumo ao socialismo.
Demarcação Já!
Pelos direitos e pela vida dos povos indígenas!
Chega de garimpo em nossos territórios!
Basta de etnocídio!
Pelo Poder Popular, rumo ao Socialismo!
- Editoriais
- O Jornal