'Sionista, racista e anti-imigração': o que defende a extrema direita alemã, fortalecida nas eleições da UE
Leandro Melito para o Brasil de Fato
Em entrevista ao Brasil de Fato, militante do Partido Comunista alemão analisa ascensão do fascismo nas eleições da UE
A Alemanha foi um dos países onde a extrema direita avançou em número de assentos no Parlamento Europeu nas eleições do último domingo (9). O partido AfD (Alternativa para a Alemanha, em alemão) obteve seu maior resultado histórico nas eleições europeias, com 15,9% dos votos, o segundo lugar atrás dos conservadores (direita tradicional) da CDU/CSU, de acordo com resultados oficiais divulgados, ainda não definitivos.
Desde sua fundação, há 11 anos, o partido de extrema direita se colocou contra a União Europeia, sentimento que cresceu em setores da sociedade a partir da crise financeira de 2008, aponta Daniel Shumi, militante do Partido Comunista alemão.
"Algumas partes da sociedade, especialmente como a pequena burguesia, foram afetadas pela crise financeira de 2008 e nutriam simpatia por isso, porque nenhum outro partido tinha esse foco anti-UE", diz. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele aponta que a ascensão do AfD está ligada ao racismo antimuçulmano, principal estratégia de propaganda utilizada pelo partido.
"Isso não aconteceu em um vácuo. Eles só conseguiram prosperar porque todos os jornais e quase todos os partidos têm uma narrativa antimuçulmana. Todos os grandes partidos, até mesmo o Partido Social Democrata é muito anti-muçulmano. É um ambiente muito racista, portanto, é muito fácil para o AfD não apenas definir narrativas, mas florescer nesse ambiente."
O racismo antimuçulmano na Alemanha, avalia Shumi, está diretamente ligado ao sionismo, que coloca o antissemitismo como questão a ser combatida, e paradoxalmente atribui essa prática aos imigrantes muçulmanos no país.
Shumi diz que o movimento sionista se fortaleceu na Alemanha após a Segunda Guerra Mundial em um movimento da sociedade alemã para se afastar do genocídio judeu que havia sido praticado pelo regime nazista.
“A maioria dos nazistas nunca foi presa depois da guerra e ainda ocupava cargos políticos importantes. Especialmente, se olharmos para os laços econômicos, não havia realmente nenhuma justiça. Os capitalistas estrangeiros, donos das empresas, que tinham campos de concentração, nunca foram julgados no Ocidente. Portanto, ao apoiar o sionismo, a Alemanha poderia se apresentar como um país que está novamente ao lado dos judeus. E poderia promover todas essas narrativas liberais.”
Guerra da Ucrânia
Outro tópico importante de mobilização para a extrema direita na Alemanha é a guerra na Ucrânia, na qual o governo alemão tem investido política e financeiramente, como aliado dos Estados Unidos.
"Os EUA estão fazendo a Alemanha pagar por essa guerra de forma muito eficaz. A coalizão líder, entre o FDP, o Partido Liberal, o Partido Verde e o SPD (Partido Social Democrata), estava cortando fortemente todos os aspectos sociais do estado nos últimos anos, em pelo menos 20% ou números muito altos em todos os ministérios, exceto no Ministério da Guerra”, diz Daniel Shumi.
Ele aponta que há um sentimento na sociedade alemã de que a classe média no país está sendo impactada pela guerra na Ucrânia. Essa insatisfação com a queda do padrão de vida devido aos recursos destinados para financiar a guerra, apoiada tanto pelo governo, como pela imprensa tem sido canalizada com sucesso pela extrema direita: os únicos partidos com uma narrativa para impedir a participação da Alemanha na guerra são a AFD e o BDW, um "partido jovem, nascido de uma divisão na esquerda, mas que tem pautas conservadoras como anti-imigração e anti-muçulmanas".
"Ela realmente se tornou uma guerra entre a Otan (aliança militar do Ocidente) e a Rússia, e na mídia é um tabu absoluto. Há uma grande lacuna entre o que as pessoas sentem, o que está acontecendo e o que a mídia está retratando. A extrema direita está com slogans como: ‘Ok, a mídia está mentindo para você’. E isso é realmente verdade. Por dizer coisas desse tipo, a direita está ganhando a simpatia das massas, infelizmente, especialmente dos jovens."
Como fica a esquerda?
Na avaliação de Daniel Shumi, a esquerda alemã atravessa uma grande crise e o SPD (Partido Social Democrata) que representa a esquerda institucional no país, está "preso às suas narrativas pós-modernas e antiautoritárias de esquerda" e "perderam sua posição anti-imperialista em muitas questões, como se pôde ver muito bem no Afeganistão, e ainda não conseguiram ativamente fazer propaganda contra o genocídio em Gaza."
Proibido desde o regime nazista de Adolf Hitler, o Partido Comunista alemão teve um curto período de legalidade, após a Segunda Guerra Mundial, mas permanece proibido desde a refundação da Alemanha Ocidental, após a queda do muro de Berlim. Da perspectiva do movimento comunista no país, Shumi aponta que há a percepção da necessidade de reconstrução. "Você ainda enfrenta muita repressão como comunista. Portanto, esse é um dos fatores pelos quais o movimento comunista está em uma crise muito profunda na Alemanha, e realmente não há unidade na esquerda", aponta.
"Eu não diria que essas eleições são um tapa na cara da esquerda, porque todos nós prevemos isso, e é como um muro que está se aproximando nos últimos dois anos. Mas pelo menos há cada vez mais pessoas que estão levando mais a sério a mudança e estão mais dispostas a se organizar."
Shumi classifica a luta de resistência da população palestina como um sinal de esperança e exemplo de prática política para a esquerda, ao se aproximar de temas presentes na vida cotidiana das pessoas, e que tem gerado mobilizações importantes na Alemanha.
"Os palestinos estão ensinando aos alemães no momento o que é um ser humano, o que é importante na vida e como levar a sério a política. São grupos locais de esquerda que estão se formando, há muitos protestos de estudantes em relação à Palestina e as pessoas falam sobre o socialismo, mas também estão falando sobre a possível Terceira Guerra Mundial que está por vir, então há muito medo. Acho que é muito importante tirar esse medo das pessoas."
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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