A experiência do trabalho de solidariedade do Partido Comunista da Turquia (TKP)
Por Raul Moutinho, membro das coordenações nacional e estadual (SP) da UJC e militante do PCB
O trabalho de solidariedade
Na segunda-feira, dia 06 de fevereiro, um terremoto de magnitude 7.8 atingiu a Turquia e a Síria, deixando mais de quarenta mil mortos. Apenas na Turquia, o país mais atingido, o número de pessoas mortas já passa dos trinta e cinco mil. A atuação do Partido Comunista da Turquia (TKP) diante desta tragédia é uma lição para os comunistas brasileiros e é uma iniciativa que entrará para a história da luta e da solidariedade proletária em todo o mundo.
Desde o primeiro dia, o TKP deu o exemplo de como organizar a solidariedade de classe. Imediatamente após o terremoto expuseram seu plano de ação: organizar a assistência em primeiro lugar, avaliar os pedidos de ajuda de maneira rápida, não usar da catástrofe de maneira oportunista, mas não deixar de criticar o governo do AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, o partido governista de Erdögan) e a classe dos capitalistas quando fosse necessário. Realizaram, na noite do mesmo dia, reuniões nas sedes do TKP para coordenar as ações e iniciaram a publicação de um boletim diário sobre o terremoto. Ao mesmo tempo, apresentaram um programa político para enfrentar a tragédia:
(1) Nenhum recurso para shows políticos e visitas de propaganda
(2) Reparação imediata da infraestrutura destruída. Financiamento a partir da expropriação dos recursos de empresas irregulares e que tenham violado as regulamentações
(3) Nenhuma taxa de reconstrução deve ser paga pelo povo
(4) Confisco do maquinário de grandes empresas de construção
(5) Privilegiar a vida acima dos lucros
O primeiro boletim já apontava para o tamanho da destruição. O TKP agiu de forma rápida a partir de suas sedes. Especialistas e membros do partido foram despachados para a região atingida. Todas as casas foram convertidas em centros de solidariedade, rua por rua e vizinhança por vizinhança. Simultaneamente, não exoneraram o governo e a classe capitalista da responsabilidade e denunciaram que o povo trabalhador sempre é deixado para sofrer as tragédias, mesmo aquelas previsíveis, como era um terremoto na região.
No dia seguinte (7), em uma nota política do Partido, dobram a crítica contra o governo. As autoridades centrais não se uniram à mobilização popular de solidariedade. Muito pelo contrário: o AKP privilegia seus próprios votantes, demora horas para o lançamento de novas equipes de busca e resgate, não utiliza as unidades militares para auxiliarem no socorro — inclusive as unidades em território sírio —, não intervém nas estradas interditadas pela neve e nem no incêndio em um dos principais portos do país. Neste mesmo dia, equipes de evacuação da Turkish Hard Coal Corporation (TTK), pessoas experientes neste trabalho, não puderam chegar à região porque seus esforços de auxílio não foram aprovados pela Diretoria responsável do Ministério de Assuntos Internos do governo, ao mesmo tempo em que o AKP tentava capitalizar sobre estes esforços de auxílio. Fica explícito, já a partir deste momento, qual seria a prática governamental: paralisia, abandono, favorecimento dos seus próprios interesses, tudo a partir da completa ausência de um plano logístico para desastres.
O TKP, por sua vez, fortalecia seu escritório de emergência, assim como a capacidade e o escopo de sua operação. Lançou novos focos de solidariedade, conseguiu estabelecer um caminhão de comida capaz de alimentar três mil pessoas por dia e já possuía mais de trezentos membros trabalhando na região. Naquela mesma noite, três caminhões já estavam a caminho da região e mais quatro veículos partiriam para auxiliar.
O terceiro dia confirma os fatos anteriores. Enquanto o Partido Comunista trabalhava para distribuir da melhor maneira possível os recursos limitados com os quais contava, as autoridades centrais mostraram-se incapazes de auxiliar o povo, mas muito capazes em garantir que veículos de organizações religiosas pró-governo furasse o engarrafamento em Hatay, uma das cidades mais prejudicadas pelo terremoto. Neste dia, o número de membros do TKP trabalhando na solidariedade proletária já passava de quatrocentas pessoas, enquanto mais de cem formavam a equipe de busca e resgate. O TKP aponta: a paciência do povo está se esgotando. O governo usa de censura para criar uma imagem positiva falsa de si mesmo.
Escritórios de emergência foram estabelecidos em diversos locais. Os apelos por ajuda eram avaliados e encaminhados, a comunicação era estabelecida nos locais atingidos e atualizações da situação eram providenciadas de maneira regular. Os materiais doados, coletados nestes escritórios, são enviados às regiões destruídas, sendo, muitas vezes, a primeira ajuda que recebem, diante da paralisia do governo.
A combinação do trabalho de solidariedade e a luta política
Fica claro: as leis de mercado são um entrave para a organização da solidariedade e para o auxílio ao povo. As empresas de comunicação, por exemplo, não possuíam estrutura para desastres e nenhuma coordenação pode ser realizada entre elas, já que eram unidades separadas. Praticamente não existia autoridade central atuando, mas mesmo que existisse e funcionasse, a propriedade privada impediria qualquer coordenação dos esforços.
A partir do quarto dia, o TKP, sem abandonar a solidariedade e a assistência, aponta o caminho da luta política. No quarto boletim diário consta o slogan do qual devemos aprender: “Estamos prontos para transformar os grandes exemplos de solidariedade mostrados por nosso povo em organizações permanentes em todos os locais em que estamos”. No dia seguinte, uma importante nota — “Uma grande tempestade está se formando, não temos tempo a perder” — apresenta a análise do Secretário Geral do TKP, Kemal Okuyan: Não é por conta do terremoto que as pessoas morreram, mas sim por conta da economia de mercado e pela reação governamental. A Turquia possui tecnologia e recursos humanos para salvar as pessoas, mas com o governo e sistema atual, elas não podiam ser corretamente mobilizadas. Os grandes monopólios, domésticos e estrangeiros, já começam a calcular seus lucros e planejar suas operações de mercado. A imagem de Erdögan é assimilada na imagem de um país destruído. O povo, sobre quem a crise será descontada, está em risco. O povo turco entendeu, a partir deste triste exemplo, o valor da organização, do planejamento e os problemas da economia de mercado. Deve-se exigir o controle do país o quanto antes. Dali em diante, a combinação entre o trabalho de solidariedade e o trabalho político é a chave.
Até o último comunicado do trabalho de solidariedade, já eram mais de quinhentos militantes envolvidos, inclusive uma delegação do Comitê Central do Partido. No dia 13 de fevereiro, há apenas dois dias, uma nova nota política é divulgada: “TKP clama para fortalecer a vontade de fundar um novo país”. A solidariedade proletária deve continuar, mas é necessário levantar o peso que caiu sobre as costas do povo turco, sendo que a Turquia possui os recursos humanos e materiais para isso. O mercado, as políticas orientadas ao setor privado, as organizações e seitas religiosas destroem o país, assim como as operações dos países imperialistas. Por anos, o TKP apontou que o país precisa da propriedade coletiva, da laicidade e do patriotismo; agora, a Turquia precisaria se livrar da ordem atual o quanto antes e passar para uma economia planificada e estatizada, reestabelecer a laicidade e se tornar um país forte e independente. Para isso, é necessário sim uma revolução, mas entendendo que ela é uma questão atual, que não pode ser postergada, que uma grande transformação é necessária mesmo para resolver os problemas imediatos.
O chamado do TKP é explícito: junte-se ao Partido Comunista da Turquia para fundar um novo país. Se você não é comunista, mas quer dar um “Basta!” aos chefes do país, aos monopólios domésticos e estrangeiros, aos países centrais imperialistas e suas garras, procure o TKP para encontrarem um caminho comum e para juntarem forças.
É preciso abandonar a luta por causas menores e se unir com vontade e determinação para fundar um novo país.
Ontem, uma campanha de assinaturas foi iniciada em prol de uma Turquia independente, soberana e ilustrada , uma República que se erga na base da igualdade, do interesse público e do secularismo. Um programa é apresentado nesta campanha: “Não aceitamos viver em um país dominado por monopólios locais e estrangeiros, seitas, comunidades religiosas, a OTAN e os imperialistas, em que sofremos profundamente em cada epidemia, em cada enchente e em cada terremoto. [Queremos] Uma economia planificada e estatista, políticas comunais e igualitárias, uma ordem política laica, um país independente e soberano”. Hoje, Okuyan, o Secretário Geral do TKP, em uma entrevista afirmou: o estado perdeu sua capacidade organizativa, o problema é político, mas o povo ainda não pede que o governo renuncie porque uma alternativa política ainda não amadureceu em todo o país. O trabalho político continua, uma reunião aberta com o Secretário Geral acontecerá na capital, Ankara, no sábado (18), com a palavra de ordem “Nos erguemos para não estarmos mais embaixo de destroços”
Algumas conclusões a partir da atuação do Partido Comunista da Turquia (TKP)
Os comunistas de todo o mundo podem aprender muito com a atuação do Partido Comunista da Turquia. Em primeiro lugar, destaca-se o programa político. Nem explorando de maneira desonesta e com fins oportunistas a situação do país, nem abandonando a crítica ao governo e a classe capitalista turca, a posição do TKP evoluiu dia a dia conforme a própria conjuntura evoluiu: em primeiro lugar, a solidariedade acima da mera disputa política; em seguida, porém, frente a paralisia do governo, a crítica rígida a política do AKP, de Erdögan e dos monopólios locais e estrangeiros, que tentam capitalizar sobre a crise; com a constatação de uma evolução do ânimo do povo, um programa claro: há que se fundar uma nova Turquia, em novas bases, com uma economia planificada, uma ordem política laica, um país soberano e uma organização coletiva. Nem por isso, caiu-se no esquerdismo imediatista: o Partido tem consciência de que o povo turco ainda não pede a renúncia do governo porque não há uma alternativa política madura, nem mesmo por via do TKP.
Em segundo lugar, salta aos olhos o trabalho organizativo do Partido Comunista da Turquia. Em poucas horas, conseguiram apresentar um programa político para a catástrofe, organizar e articular o trabalho de solidariedade e direcionar centenas de membros de sua militância para a região. A chegada do TKP antes do governo nos locais, a rápida articulação de alimentação e doações em sedes em diversas cidades, assim como a possibilidade logística de transportar esses materiais, a formação de uma equipe de busca e resgate e de equipes de assistência, mobilizando de amigos do Partido até as bases e o Comitê Central, é um exemplo da capacidade que os comunistas necessitam para suas tarefas históricas revolucionárias. Para além de tudo, é presente uma concepção de longo prazo: transformar as organizações de solidariedade locais em organizações permanentes vinculadas ao Partido Comunista.
Em terceiro lugar, é notável a amplitude do complexo de imprensa, de agitação e propaganda, do Partido Comunista da Turquia. Seu site de notícias, o “soL” (haber.sol.org.tr) publica notícias num intervalo incessante, sem nunca passar de dez minutos entre uma notícia e outra. Ao mesmo tempo, consegue publicar editoriais e textos mais densos, com um corpo de colunistas que chega a quase cinquenta pessoas. O site oficial do Partido possui, todos os dias, uma nova nota, uma nova entrevista, um novo texto expondo a posição do TKP. O canal no Youtube (soLTV) não passa um dia sem um vídeo sobre a situação do país. Nos locais é estabelecida uma rede de comunicação com o centro do Partido, que interpreta e publica sua posição a partir dessas várias fontes espalhadas por todo o país.
Não se pode afirmar que essa crise social irá se transformar em uma crise revolucionária, ou mesmo uma crise política de grande magnitude centrada no partido governista. Certo é, porém, que o TKP deu uma lição aos comunistas do mundo e tem a possibilidade de acumular grandes forças na Turquia, enraizando-se ainda mais na classe trabalhadora a partir de um trabalho intensivo e honesto de solidariedade proletária, sem recuos políticos indevidos, nem oportunismo de qualquer matiz. Cabe a nós aprender com o exemplo dos camaradas turcos.
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