Aos que odeiam o ano novo

Aos que odeiam o ano novo

Por: O Poder Popular ·
Os textos de opinião não necessariamente correspondem à opinião do Conselho Editorial e são de exclusiva responsabilidade dos (as) autores.

Jeferson Garcia - Membro da Coordenação Nacional do Coletivo Negro Minervino de Oliveira e Militante do Partido Comunista Brasileiro de Maringá-PR

Na manhã do novo dia, dizia B. Brecht, os abutres se levantarão em nome da ordem. O ano novo irá acordar com mais uma notícia, de um pai calçando meias em um bebê assassinado em Gaza. Milei esfregará o rosto da classe trabalhadora na Argentina. O ano que virá trará a morte da juventude negra no mesmo ritmo, mesmo percurso. Denúncias de expropriação dos recursos naturais, da exploração da força de trabalho e de assassinatos de jovens símbolos vivos dos povos originários. Se não bastasse, uma nova dívida pública sempre vem.

Não à toa, vários militantes recebem a virada de ano novo como quem possui um carma: sua memória. Sua visão de mundo atormenta. Em seu descanso, há culpa, ou falta de perspectiva. Mas nunca esquecimento. A sua forma de ver o mundo, enraizada em sua sensibilidade, o devora perante as festas e os pesadelos de quem vê um ano novo com alternativas cada vez piores e não sabe se há algo para comemorar. E a manhã do novo dia sempre vem.

Mas o militante não anda sozinho. Ele navega pelo mundo com seus camaradas, içando velas e bandeiras, desviando das sereias e monstros, cantando as angústias do mundo em seus panfletos, servindo remédios e poemas para as dores de quem caminha ao seu lado, alimentando seus semelhantes nas ruas e ocupações. Entre o anoitecer e manhã do ano novo, bebe o vinho com familiares e camaradas como quem rega a árvore que sustenta os frutos de sua luta. Assim como as oliveiras insubmissas de Khan Yunis, ele se sustenta com pouco, mas sempre em busca de mais. O carma, às vezes, o culpa pelo descanso. É um período estranho, de tristeza e alegria. A esperança move, a dor fere. Tudo parece mais distante agora. A alegria do encontro da virada o faz sonhar, até sorrir.

As festas não os distanciam dos problemas desse mundo. Nem por um segundo. Ao menos não devem, esse é o seu compromisso. É apenas um tempo para recuperar as forças, para seguir lutando. É tempo de recolher os pedacinhos de sua imagem dia a dia quebrada, agora menos sofrida, nos colos de quem se ama. Nos amores que são rede para seu descanso.

O militante festeja porque precisa, descansa porque dói. Ele sabe que as noites não anoitecem sozinhas, como diria Pedro Tierra. Festejamos contra a solidão, nossa e dos outros. A taça de vinho, em comunhão, ajuda a lembrarmos dos motivos que queremos salvar a todos: os que falam diversas línguas, possuem diversas cores, que vivem a mesma vida, sofrem dos mesmos amores. De Potosí à Rafah.

O carma alimenta, de alguma forma, a consciência de quem se preocupa com um mundo novo, mas sabe que o ano novo não basta. Esse carma não poderia ter melhor função: é um coração em chamas, que mantém aceso o fogo da consciência, que não nos impede de comemorar, mas nos previne de esquecer.

Festejar não é inútil camaradas. Oferecer diálogo, encontro. Esse é um símbolo de quem descansa pensando coletiva e solidariamente em uma realidade nova. Símbolo que se fez prática o ano todo. Porque o/a militante pisou no barro, ergueu bandeiras e ficou rouco. Os problemas não acabarão, eu sei. Lá fora existe um lugar sombrio, feito de juros, desemprego e reforma trabalhista. O Papai Noel estava vestido de agronegócio. As dores do ano velho, mais uma vez, apagaram sua esperança, eu sei. Mas não é hora de desespero, nem de esperança desmedida. Levar para o novo ano a teimosia dedicada às lutas que acreditamos.

Sim, o horizonte não tira férias. A luta de classes também não. Descansemos e brindemos para podermos sonhar-lutando desde o primeiro dia, do primeiro segundo se necessário. Quem pavimentará o futuro somos nós, não há responsabilidade maior para começar o ano. Assim nasce o ano novo. Com compromisso.

O desejo de um ano novo não deve ser contido. Não me importa a cor da tua roupa, se é vermelha ou branca. Me interessa se teus punhos seguem cerrados. Esse ano foi dolorido. O luto, o sentimento de perda. Há cansaço por todos os lados. Hemingway dizia que “a melhor escrita se dá quando você está apaixonado”.

Posso dizer, sem medo, que essa regra vale para quem é militante. Mas não se trata de escrita, no caso. Se trata de revolução. Não há revolução sem paixão. Renove a tua, a acolha com carinho, penteie seus cabelos. Cuide, alimente sua esperança. O melhor militante é feito de paixão, dizia um Argentino em Sierra Maestra.

Aos que perderam a energia, a certeza e a paixão, meus votos sinceros de que as encontrem. Se precisarem de ajuda, abram a janela. Olhem lá fora. Os que produzem ainda não comem, os que exploram seguem enriquecendo e vivem bem. Ainda há miséria. Mas estamos aqui. Levantando taças, reafirmando o sentimento dos comunistas. Um brinde aos que lutam!

Que possamos começar o primeiro dia de mais um ano tentando mudar o mundo. Obrigatório para mim é o sonho, dizia Lila Ripoll. Pelo pão de todos, o vinho de todos. Casa, para quem precisa de teto, água para quem tem sede. Terra, poesia e chuveiro. Se não conseguirmos nem brindar às pequenas alegrias, eles já venceram. Mas nós é que venceremos, camaradas.

Que possamos arrancar das cinzas um novo mundo! Um brinde às lutas que abraçamos! E eles? Eles que lidem com o sorriso que tanto incomoda os fascistas.

Acompanhe todas as mídias do nosso jornal: https://linktr.ee/jornalopoderpopular e contribua pelo Pix jornalpoderpopular@gmail.com

Compartilhe nas redes sociais