Como age o “Partido da PM Paulista” nas eleições

Como age o “Partido da PM Paulista” nas eleições

Por: O Poder Popular · Capitão Derrite, aecretário de Segurança Pública de São Paulo: Foto: Reprodução/Facebook

por Almir Felitte - Advogado e estudioso de Políticas de Segurança Pública para o Outras Palavras

O que é o “movimento de autonomização” em curso no seio da polícia. Como usa táticas da Lava Jato para construir “verdades” – e eleger suas bancadas. Por que quer o desmonte das Guardas Municipais. O “espantalho PCC”. E seus planos para 2026 ao lado de Tarcísio…


No dicionário online Michaelis, a palavra “previsão” é definida como a “antecipação de algo que ainda não aconteceu; conjectura, suposição”. Apesar do título, este artigo não trata de previsões. Ele é fruto de uma outra palavra, localizada antes de “previsão”: a “observação”, definida no mesmo dicionário como “exame minucioso de fenômenos ou fatos físicos ou morais”.

A participação das polícias no cenário político brasileiro já está longe de ser uma mera suposição. É fato dado e observável. Como é cada vez mais observável que o centro estratégico desta perigosa politização policial no país tem seu QG bem definido: a Polícia Militar do Estado de São Paulo, com destaque para seu principal batalhão de elite. Então vamos às observações.

O último (f)ato

Na manhã do último domingo, logo após votar na Zona Sul de São Paulo ao lado de Nunes e seu vice, o Coronel Mello Araújo, o governador Tarcísio produziu as manchetes que tomariam os jornais em pleno dia de eleição.

Interpelado por uma jornalista sobre o que teria acontecido em relação ao PCC e as eleições da capital, sem apresentar qualquer prova, Tarcísio foi enfático: “teve o ‘salve’, houve a interceptação de conversas e de orientações emanadas de presídios por parte de uma facção criminosa orientando determinadas pessoas, em determinadas áreas, a votar em determinados candidatos. Houve essa ação de inteligência, houve essa interceptação”.

Foi o momento para uma jornalista da Folha levantar a bola para o governador dar sua última cortada. Ao perguntar qual era o candidato que a facção indicava para ser votado, Tarcísio respondeu sem pestanejar: “Boulos”.

Já era o suficiente para o famoso “jornalismo declaratório”, aquele tipo de jornalismo que se limita a transcrever as falas das autoridades sem qualquer questionamento. Quando o jornalismo crítico entrou em cena, as urnas já se encaminhavam para o fechamento.

Difícil dizer o quanto este acontecimento impactou nas eleições, mas não quero focar, aqui, no que aconteceu depois. Quero falar dos acontecimentos anteriores que levaram a esta declaração criminosa de Tarcísio.

A PM roteirista e a imprensa como folhetim

Não é novidade que a PM, como instituição, e policiais militares individualmente se utilizem dos veículos de imprensa para criarem suas próprias narrativas políticas. Na verdade, este tipo de relação com a mídia é abertamente visto como uma estratégia eficiente por policiais que queiram entrar no mundo da política.

Em junho, no “1º Congresso Político” da Associação de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o deputado federal Coronel Telhada discursou para um grande grupo de policiais que sonhavam em seguir seu mesmo caminho: “a mídia, sempre a mídia (…), mídia é uma coisa poderosa”. Citando vários policiais que se elegeram através da exposição na imprensa, ele sugeria que os candidatos-policiais buscassem o jornalismo para divulgar suas ocorrências, como ele mesmo costumava fazer.

O próprio Coronel Mello Araújo, eleito vice de Nunes por indicação de Bolsonaro, alcançou os holofotes no fim de 2017, quando comandava a ROTA e deu a famosa entrevista ao UOL/Folha defendendo uma abordagem nos Jardins diferente das periferias e declarando voto em Bolsonaro. Meses depois, Jair lhe deu os parabéns. Em 2019, um cargo na Ceagesp. Em 2024, a Vice-Prefeitura da maior cidade do país.

A questão é que a PM paulista não usa a imprensa apenas para alavancar figuras individuais. Ela atua para estabelecer narrativas completas que a impulsionem como grupo político, coeso, coletivo.

Em 15 de agosto, portais como UOL, Globo e Metrópoles prestaram, mais uma vez, o serviço de jornalismo declaratório. Naquele dia, o coronel Pedro Lopes, chefe do Centro de Inteligência da Polícia Militar de São Paulo, em meio ao 18º encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, falou sobre a influência do PCC nas eleições paulistas e cravou: “É bem maior do que eu imaginava”.

Vejam bem, não estou dizendo que a notícia fosse inventada, muito menos que não fosse problemática. Mas o tom de “nova bomba” dado à declaração do Coronel não tinha cabimento.

Na região metropolitana de São Paulo, desde 2016 as eleições já foram marcadas pelas suspeitas de que membros do PCC teriam sido eleitos. Tanto que, no começo de 2024, vereadores eleitos em 2020 (todos, diga-se, por partidos de direita) foram presos por supostamente integrarem a facção.

Também já faz mais de década que se fala na infiltração do PCC em contratos públicos, inclusive na capital, principalmente no setor de transportes. As polêmicas que cercam Milton Leite, por exemplo, remetem a fatos de 2006, a uma incorporação feita em 2015 e a uma indicação feita em 2017. Qual a novidade que justificava a notícia ser uma “bomba”?

Entre eleições e indicações, todos os casos citados acima têm nomes e sobrenomes (busquem no Google). As declarações genéricas do Chefe de Inteligência da PM, não. Mas elas ganharam a mídia mesmo sem qualquer informação nova e deram um tom “fantasmagórico” ao PCC, sem CPF, sem CNPJ, sem partido definido. Apenas um espectro ameaçador que poderia ser representado por qualquer um nestas eleições. Uma acusação sem acusados, pelo menos até este “primeiro capítulo” apresentado.

Cerca de 2 semanas depois, uma notícia antiga foi requentada. Um membro do PCC tinha sido preso por roubos a bancos pelo COE (da PM) ainda em maio de 2024. Quatro meses depois, em setembro, a Secretaria de Segurança Pública declarou que ele, na verdade, integrava um grupo que tramava o assassinato do Capitão Guilherme Derrite, ex-ROTA, atualmente deputado federal pelo PL de Bolsonaro e, ele mesmo, secretário de Segurança do governo Tarcísio.

No portal Metrópoles, de onde a maior parte dos furos aqui citados tem se originado, a notícia era acompanhada pelo “currículo” de Derrite no governo: “ofensiva contra o secretário ocorre em um momento em que as forças policiais impõem um prejuízo bilionário ao PCC”, dizia o site.

Derrite vinha sendo acossado por movimentos sociais e por parte da imprensa crítica como o grande responsável por uma política de segurança desastrosa, que bate recordes de morte sem diminuir a insegurança dos cidadãos. Mas no jornalismo declaratório que não questiona qualquer informação oficial, ele se tornava automaticamente o nome a ser defendido numa suposta cruzada contra inimigos da sociedade.

No começo de outubro, os “salves”, comunicações feitas por membros presos do PCC para aqueles que estão em liberdade, entraram em cena. No dia 11, o Metrópoles noticiou que um “salve geral” circulava por presídios paulistas desde setembro pedindo o levantamento de dados de policiais penais. Apenas uma carta supostamente assinada pela “Sintonia Final” da facção na Penitenciária de Parelheiros foi mostrada.

Dias depois, ao Globo, o GAECO, grupo de combate ao crime organizado do Ministério Público, desmentiu que o salve tenha circulado em outras unidades prisionais. O Comandante da PM, Coronel Freitas, também minimizou o caso e afirmou que “não há nada que indique que está tendo ‘salve’ de organização criminosa”. Tarcísio sequer se manifestou. Sem maiores declarações das autoridades, o jornalismo declaratório pouco adicionou ao roteiro.

Mas dois pesos, duas medidas. No domingo da eleição, Tarcísio deu uma coletiva após votar: outro suposto “salve” declarava a candidata do PL em Santos como “inimiga nº 1” da facção por ser próxima demais do secretário Derrite (sempre ele). Foi a deixa para Tarcísio desferir, sem qualquer prova, o ataque final à campanha de Boulos, incluindo-o na história dos supostos “salves” para favorecer seus candidatos Nunes e Coronel Mello Araújo.

Sua declaração teve pronto apoio da Secretaria de Segurança Pública, chefiada pelo Capitão Derrite (ele de novo), que emitiu nota confirmando que a informação teria sido obtida pelo Sistema de Inteligência da Polícia Militar. Não da Polícia Civil, a quem incumbem investigações, nem da Polícia Penal, responsável pela custódia dos presídios. Mas da Polícia Militar.

O TRE-SP desmentiu que tenha recebido qualquer alerta do governador Tarcísio. O secretário Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça declarou não haver qualquer indício de que facções criminosas estivessem lançando alguma orientação deste tipo. Até o momento, nem Polícia Civil nem Ministério Público demonstraram haver uma investigação concreta nesse sentido.

Nada disso agora importa. Estava dada ali, por Tarcísio, por Derrite e pelo Sistema de Inteligência da PM, a última manchete das eleições de São Paulo, referendada pelo carimbo do jornalismo declaratório de grandes veículos. Somadas às propagandas de Nunes que tentavam vincular Boulos ao crime organizado, exibindo boletins de urnas em presídios, era o capítulo final do folhetim eleitoral roteirizado pela máquina paulista.

O que a Lava Jato ensinou, a PM paulista faz melhor

Como disse, instituições públicas usarem a imprensa na criação de narrativas que beneficiem determinados grupos políticos não é novidade. O ponto central da “Vaza Jato”, escândalo que deixou nua a “Lava Jato”, foi justamente mostrar a relação promíscua que promotores e juízes mantinham com parte da imprensa para conduzir processos judiciais de acordo com seus interesses.

Na origem dessa relação, vale um mea culpa de nossa esquerda partidária. Lula sempre se vangloriou de ter sido o presidente que mais deu autonomia à Polícia Federal e à PGR, respeitando listas tríplices e garantindo independência funcional. Hoje, creio que já seja mais aceitável dizer o quanto isso é um erro político que, ao contrário do que muitos defendiam, só enfraquece a própria democracia.

Instituições com forte poder de coerção sobre os cidadãos não devem ser autônomas. Elas precisam de mecanismos de controle político e popular, sob o risco de que, sem controle, se tornem poderosas demais e passem a utilizar seu poder de coerção na defesa de interesses próprios. Vale para o Judiciário, vale para o Ministério Público e, sem dúvida nenhuma, vale demais para as polícias. Principalmente para os “pequenos exércitos estaduais” das PMs.

Em São Paulo, porém, nós estamos vivendo o contrário: o inchaço funcional e o aumento da autonomia da PM, principalmente desde que os policiais militares conseguiram emplacar um companheiro de farda para o cargo de secretário de Segurança Pública pela primeira vez na história.

Importante dizer que este movimento de autonomização e falta de controle sobre as polícias é nacional, e foi bem representado pela aprovação da Nova Lei Orgânica das Polícias Militares no fim do ano passado. Já tratei deste tema em âmbito nacional1 e, mais especificamente, de que forma a nomeação de Derrite aceleraria esse processo em São Paulo2. Mas vale falar de alguns novos capítulos dessa história por aqui.

Em abril, a cúpula da Polícia Civil de São Paulo reclamou publicamente de não participar e sequer ser informada sobre a “Operação Fim da Linha”. Dias depois, Derrite provocou: “A gente não vai só assumir, junto com o Ministério Público, o protagonismo no combate ao crime organizado, como a gente vai falar que existe um serviço de inteligência da Polícia Militar, existe um Centro de Inteligência”.

No mesmo mês, Derrite articulou com Tarcísio para dar às PMs o poder de lavrar TCOs (espécie de “mini-inquérito” para crimes menores). A Polícia Civil reclamou e Derrite prometeu montar um grupo de trabalho para discutir o assunto. Porém, desde agosto se tem notícias de que a PM já está recebendo treinamento para realizar investigações ligadas à lavratura dos TCOs.

Na época da Ditadura de 64, é interessante perceber que, mesmo que os militares tenham criado os DOI-CODI e se utilizado, inicialmente, de um grande número de Inquéritos Policiais Militares, eles logo perceberam que precisavam do “know how” da Polícia Civil, especialmente dos DOPS, em manusear a burocracia dos inquéritos policiais civis para a produção de “verdades” que revestissem a repressão da ditadura com alguma legitimidade3.

Os DOPS foram sendo extintos ao longo dos anos 1980, mas, no apagar das luzes da Ditadura, em 1983, o novo R-200 (Regulamento da PM) consolidou a integração das polícias militares com o Sistema de Informações do Exército, o que, para a Comissão Estadual da Verdade de SP, consolidou as P-2 (departamentos de inteligência da PM). Na Nova Lei Orgânica aprovada em 2023, o trabalho de inteligência foi regulado oficialmente como função das polícias militares estaduais.

Mesmo assim, importantes associações representativas, como a FENEME e a DEFENDA PM, assim como deputados policiais, querem mais, e defendem abertamente que a PM se torne oficialmente uma polícia de ciclo completo. Aliás, como deputado, é de Derrite o PL 2.310/2022, no qual propõe que a PM possa compor as informações de inquéritos policiais, tomando na mão grande as funções de investigação hoje exclusivas das Polícias Civis.

De certa forma, esse “trabalho de inteligência” consagrado na Nova Lei Orgânica acalma a ânsia que as Polícias Militares têm pela implantação do ciclo completo de policiamento no Brasil. Oficialmente, a PM não faz investigações para além de crimes propriamente militares. Na prática, sob a justificativa da “inteligência”, a investigação de crimes comuns (e de desafetos) já não é uma exclusividade das polícias civis há muito tempo.

Desta maneira, a PM faz o que a Lava Jato fez, mas com muito menos e muito melhor. Com seus juízes, promotores e delegados federais, a Lava Jato “construiu verdades” tendo a caneta na mão para assinar inquéritos, mandados, decisões judiciais e sentenças que chegavam à imprensa antes mesmo do diário oficial. A PM paulista “cria verdades” sem a caneta na mão, só com as afirmações de um Centro de Inteligência obscuro e a ingenuidade (ou conivência) do jornalismo declaratório.

Este movimento de inchaço da PM que, como um polvo, vai esticando seus tentáculos para se apossar de funções alheias, é o resultado de uma instituição que conseguiu reunir vultuosos recursos com uma autonomia sem precedentes, sem qualquer limite imposto a ela pelo poder civil.

A PM paulista pode ainda não ter todos os instrumentos que gostaria em suas mãos. Mas já tem um verdadeiro partido para lutar por isso nos espaços de poder mais tradicionais daqui pra frente.

O Partido da PM Paulista

Atualmente, a PM paulista conta com 3 deputados federais (Coronel Telhada, Capitão Augusto e Capitão Derrite, este último, licenciado para ser Secretário Estadual), 3 deputados estaduais (Major Mecca, Capitão Conte Lopes e Capitão Telhada), 2 vereadores (Major Palumbo e Sargento Nantes) e 1 Vice-Prefeito (Coronel Mello Araújo). Não fosse a morte precoce de Major Olímpio, teria ainda um senador.

Com exceção do Major Palumbo, que é do corpo de bombeiros, do Capitão Augusto, que fez carreira em batalhões do interior, e do finado Major Olímpio, que representava a AOPM, todos os outros 7 nomes têm histórico pela ROTA. Alguns, como o Telhada pai e Mello Araújo, chegaram a comandar o Batalhão. Dos 10 nomes, apenas um não faz parte do oficialato da PM paulista.

Boa parte deles parece manter uma relação umbilical. O Coronel Telhada, por exemplo, é pai do Capitão Rafael Telhada e chegou a trabalhar com o pai de Mello Araújo, a quem chama carinhosamente de Mellinho. Derrite, além de admitir ver Mello Araújo como uma inspiração, considera Rafael Telhada seu afilhado de braçal, por ser um ano mais velho que ele na Academia do Barro Branco. Quando um áudio de Derrite reclamando da punição a PMs que matavam demais foi estrategicamente vazado em 2015, era justamente Rafael Telhada quem ele estava defendendo. Major Mecca, por sua vez, é mais um que já figurou no canal de entrevistas no Youtube de Derrite, assim como Telhada, Mello Araújo e o Sargento Nantes, o mais novo na política, que chegou a trabalhar com Derrite na ROTA quando ainda era cabo.

Quando o Partido Progressista ainda articulava para encaixar um nome como vice na chapa de Nunes, seu filiado Coronel Telhada saiu em defesa do nome de Mello Araújo, mesmo que o colega de farda fosse do PL. A movimentação despertou a fúria do Delegado da Polícia Civil de São Paulo, Olim, deputado estadual pelo PP.

Toda esta base unida e coesa de policiais militares na política paulista parece ser um dos principais pilares de sustentação do governador Tarcísio. E essa base não esconde seus desejos de aumentar de forma indefinida os poderes da PM paulista, mesmo que passe por cima das demais instituições policiais.

Vale aqui até contar um causo pessoal. Em 2018, fui o único candidato da esquerda convidado para um evento organizado pelo sindicato e pela associação de delegados de polícia de SP. Minha presença não agradou muito o restante dos candidatos, inclusive de Telhada, que me interrompeu querendo que eu fosse retirado do evento.

Aparentemente, entre os cerca de 40 candidatos, eu tinha sido o único a ler o termo de compromisso redigido pelas associações. Um dos tópicos me chamou a atenção: os delegados defendiam o ciclo completo de policiamento, desde que ele fosse discutido junto com a desmilitarização. Quando apontei para todos na sala a existência deste tópico, os discursos mudaram. Em sua fala, Telhada declarou aos delegados que assinaria o documento em partes, porque discordava de alguns pontos.

Outra visão pessoal envolve a GCM, mas não é exatamente um causo. Sabendo que integrei os grupos de segurança pública das últimas campanhas municipais do PSOL em SP, amigos de esquerda me perguntavam se valorizar e aumentar o efetivo da GCM não seria uma proposta de direita. Aos mais chegados, eu respondia: “se é uma proposta de direita, porque a direita não a fez em 8 anos?”

Era uma pergunta retórica. Eu e muitos outros sabemos bem por que isso nunca foi feito pela direita em SP. Há um lobby enorme da PM paulista para que os municípios continuem realizando as “Operações Delegadas”, ou seja, a contratação de policiais militares de folga para realizar a segurança municipal das cidades em troca de um belo adicional.

Em outras palavras, o sucateamento e o baixo efetivo das Guardas Civis Municipais permitem a continuidade deste sistema de “bico oficial” para toda a cadeia hierárquica da PM paulista por meio das “Operações Delegadas”, ampliando o poder da PM nas cidades e ainda lhes garantindo um bom financiamento extra.

Aqui me dou o direito de uma pequena previsão: na próxima gestão Nunes, com o Coronel de vice, não esperem um grande aumento do efetivo da GCM. Aliás, acho importante dizer que Nunes está terminando a sua gestão com um efetivo de cerca de 7 mil Guardas Municipais, número um pouco maior do que os 6 mil e poucos Guardas entregues por Marta Suplicy quase 20 anos atrás.

O concurso de 2 mil novos Guardas realizado por Nunes no 1º mandato praticamente só recompôs a perda de efetivo ao longo de 4 anos. Ao mesmo tempo, Nunes aumentou de 1 mil para cerca de 2.500 o número de Policiais Militares realizando “Operação Delegada” na cidade. Com um fuzil aqui, um blindado ali, Nunes talvez até dê um afago à GCM, mas sua promessa sempre foi mesmo a de aumentar o número de PMs realizando o “bico oficial” da atividade delegada em SP.

Duas situações que expus aqui para mostrar que este grupo político da PM paulista tem projeto próprio. E esse projeto se fortaleceu a partir do momento em que Tarcísio eliminou intermediários civis e colocou um Capitão da ROTA para chefiar a Secretaria de Segurança Pública de SP.

Em 22 de fevereiro a Ponte me entrevistou para analisar as mudanças que Derrite estava promovendo no alto escalão da PM paulista, trocando 34 de 63 coronéis em posições de destaque. À época, eu respondi:

Eu diria que é um modus operandi para você trocar um comando em uma estrutura que é muito hierarquizada, como é a Polícia Militar. Com a troca de posições, esses militares perdem as funções de comando. Eles não chegam a sair da corporação, mas isso pode gerar um descontentamento em coronéis que já estão no fim de carreira. É muito provável que esses coronéis possam acabar, a partir de uma desmoralização com a tropa por essa perda do cargo, indo para a reserva. Se eles forem para a reserva, isso abre espaço para que Tarcísio e Derrite possam fazer as promoções dos militares que sejam mais próximos à política deles”.

Nesse movimento, Derrite e Tarcísio rebaixaram coronéis que eram favoráveis ao uso de câmeras corporais e contrários à “Operação Escudo”, premiando seus coronéis mais chegados. Pouco tempo depois, em 1º de abril deste ano, a Folha noticiou que Derrite e Tarcísio preparavam um projeto que poderia aposentar compulsoriamente até 40% da atual cúpula da PM. Recuaram com a má repercussão.

Com isso, vemos que a PM paulista tem mostrado uma habilidade absurda de se movimentar, tanto internamente, quanto externamente. Colada ao nome de Tarcísio de Freitas, preferido da mídia tradicional como virtual candidato a presidente da República em 2026, essa bancada policial-militar, que tem em Derrite seu principal nome, vem agindo para expandir o seu poder e, cada vez mais, inflar o seu papel na produção de fatos e “verdades” políticas.

A declaração sobre o “salve eleitoral” prejudicando Guilherme Boulos, vinda diretamente da Central de Inteligência da PM, foi apenas uma amostra. Se a “República de Curitiba”, com seus juízes e promotores, já jogou o país no buraco uma vez, é difícil imaginar o tamanho do estrago que a “República Militar do Pequeno Exército Paulista” pode fazer ao país.

Notas:

1 https://ponte.org/artigo-os-perigos-da-nova-lei-organica-da-policia-militar-para-a-democracia/

2 https://ponte.org/artigo-guilherme-derrite-o-anti-secretario-da-seguranca-publica/

3 Em meu livro “História da Polícia no Brasil”, cito o excelente estudo de Thiago da Silva Pacheco sobre inteligência policial

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