De verdadeiros amigos não nos despedimos: Camarada Francílio, presente! Hoje e sempre!
“A memória é contrária ao tempo. Enquanto o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente importa, eternizando momentos”. (Adélia Prado)
Deixou-nos fisicamente hoje Francílio Paes Leme, a minha amizade pessoal mais longeva e sólida. Conhecemo-nos aos 11 anos de idade, na turma do ensino ginasial do público e policlassista Colégio Pedro II, conhecido pela rebeldia de seus alunos, que marcou nossas vidas como militantes por um mundo em que todos possamos nos chamar de companheiros.
Aos poucos, evoluímos da infância para a juventude e da admiração pelas lutas dos veteranos para a participação nelas, influenciados por colegas que despertaram mais cedo como militantes socialistas, como Carlos Alberto Muniz, que teve peso importante, depois do golpe de 1964, no nosso recrutamento no MR-8, onde Francílio e eu militamos até aproximadamente 1974, quando resolvemos ingressar no PCB.
Compartilhamos a diretoria do Grêmio do Pedro II, o auge do movimento estudantil em 1968, a mesma célula no suporte desarmado à luta armada heroicamente travada pelos que se expuseram mais do que nós na frente militar, muitos dos quais pagaram com a própria vida.
Compartilhamos tensões e ousadias, depois do famigerado AI-5, em tarefas nas quais Francílio mostrou sua coragem, como ter abrigado o Comandante Carlos Lamarca, à época o inimigo número um da ditadura, em sua própria casa no subúrbio carioca do Engenho Novo.
Compartilhamos a reconstrução do PCB no final dos anos 70, após a prisão, tortura e assassinato de dezenas de camaradas, e do movimento sindical nos 80 (ele como Presidente do Sindicato dos Professores e eu dos Bancários do RJ) até que, no início dos 90, a crise que levou o PCB ao “racha” separou nossos caminhos partidários, mas sem afetar a amizade e o afeto que sempre desfrutamos. A partir de então, Francílio passou a militar no PT.
Mas não compartilhamos apenas militâncias, mas grandes amigos comuns até hoje, como Muniz e Godofredo Resende, e muitos momentos descontraídos e rebeldes. No Pedro II, muitas brincadeiras e algazarras, mas também muitas lutas específicas e gerais, paralisações de bondes, brigas com a polícia e o rival conservador Colégio Militar. Na vida social, muita paquera singela e sutil, namoros pudicos, festas com Cuba-Libre e rostinhos colados ao som de Ray Conniff e sua Orquestra.
Na fase adulta, com nossas companheiras e amigos, muitos encontros agradáveis em nossas casas, com cerveja e tira-gosto, Maracanã popular e democrático acessível aos mais pobres, curtição de bossa nova e MPB em geral, forró de Luiz Gonzaga na Ilha do Governador, teatro engajado durante a ditadura. E muitos sonhos e lutas por uma sociedade sem exploração e um mundo sem guerras!
Para que a dura e tensa luta não ofuscasse a alegria, houve momentos em que conseguimos harmonizar a militância e o lazer, como em uma memorável viagem ao Chile, ainda de Allende, em 1972, com nossas companheiras. Descrevi os momentos de prazer e medo que passamos nesta viagem, no texto “MR-8 no Chile ou Jango no Uruguai?”, um dos relatos que compõem o livro “68 – a geração que queria mudar o mundo”, organizado pela incansável Eliete Ferrer e editado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em 2011, no governo Dilma Rousseff.
Neste dia de lembranças e tristezas, deixo aqui meu abraço fraterno e afetuoso aos filhos e irmãos do meu grande e inesquecível amigo e camarada Francílio e rendo uma homenagem especial à nossa querida Cristina, sua sempre doce e solidária companheira de vida!
Ivan Pinheiro
Guapimirim (RJ), 27 de maio de 2022
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