E a greve virou poesia

E a greve virou poesia

Por: O Poder Popular ·

Atenágoras Oliveira - Professor da UFPE e militante do PCB de Pernambuco.

A greve de servidores das instituições federais de ensino (Universidades e Institutos Técnicos) segue forte em todo o país, mesmo em categorias docentes que sejam formal ou informalmente associadas ao PROIFES, uma federação sindical criada para apoiar os governos petistas. No caso da ADUFEPE, não existe uma vinculação formal. Oficialmente, a ADUFEPE continua sendo uma seção sindical do ANDES, embora não transfira os 20% das contribuições dos sindicalizados das quais a entidade local deveria ser “fiel depositária”. Contudo, na política, a lógica é a mesma, inclusive na escolha de tomar decisões através de plebiscitos virtuais. A ADUFEPE convocou uma assembleia para debater a deflagração da greve, em 17 de abril último, simultaneamente à realização de um plebiscito virtual, que custou R$ 16.500,00. Rejeitando todas as questões de ordem levantadas na assembleia do dia 17/04, a ADUFEPE conseguiu a façanha de iniciar o plebiscito sem que se tivesse sequer iniciado o debate sobre a greve. Divulgando material gráfico que dizia que apenas 18 universidades tinham aderido a greve, quando um número bem maior já tinha marcado o início da greve ou tinha marcado a assembleia para decidir, a diretoria da ADUFEPE assumiu um discurso dúbio. O resultado do plebiscito foi de 899 votos a favor da greve e 795 contra.

Com a greve em curso, a oposição à ADUFEPE, defensora do ANDES, assumiu a liderança e a maioria dos participantes do Comando Local de Greve. Contabilizando vários conflitos com a diretoria da ADUFEPE, ainda conseguiu sustentar uma assembleia 100% presencial que rejeitou quase que por unanimidade a segunda proposta do governo federal. Contudo, quando foi apresentada a terceira proposta, o CLG aprovou, contra o voto dos apoiadores da diretoria da ADUFEPE, uma nova assembleia 100% presencial para o dia 23/05. Só que desta vez a diretoria da ADUFEPE ignorou sua própria derrota e convocou uma assembleia híbrida, dia 24/05, iniciando de fato 9h, mas com decisão sobre a proposta definida por plebiscito 100% virtual, a partir de 10h, ou seja, destinando menos de 1 hora (toda assembleia tem informes) para o debate da terceira proposta do governo.

O CLG tinha incorporado em sua dinâmica de funcionamento a realização de visitas aos departamentos que ainda estavam funcionando parcialmente, ou que estavam em greve, mas não atuando na greve. O debate sobre a terceira proposta do governo, assim, ocorreu por fora de um momento centralizado. Em parte destes debates, a diretoria da ADUFEPE se fez presente. Reconhecia que a proposta era ruim, mas alegava que não tínhamos mais força de continuar a greve, e que o governo não tinha margem de recursos para atender nossa demanda. O CLG mostrou, didaticamente, não só que a greve estava forte em todo o país, com a óbvia e compreensível exceção do Rio Grande do Sul, mas que o governo tinha sim recursos para atender nossas demandas. Orçamentos federais, revisão de margens fiscais, aumento da arrecadação federal foram explorados na argumentação.

O resultado da ação sistemática do CLG foi que, apesar da decisão estar no campo virtual, o auditório do CCSA (Centro de Ciências Sociais Aplicadas) ficou bastante cheio de docentes, técnicos administrativos (também em greve) e estudantes. O debate de fato só começou após as 10h, ou seja, o plebiscito foi iniciado sem que se tivesse sequer começado o debate sobre a proposta. A oposição docente dominou as falas de uma maneira tal, em quantidade de oradores e em qualidade de argumentação, que quando a diretoria da ADUFEPE se manifestou, além de reconhecer que a proposta era ruim, como fazia até então, excluiu de sua argumentação a alegação que não havia recursos ou que a greve fosse fraca. Apesar de realizar poucas falas confusas e dúbias, ficou claro que a diretoria da ADUFEPE recuou de sua posição. A única fala em defesa da proposta do governo e a favor do fim da greve foi de um único professor, do CFCH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas), que tomou emprestado o discurso bolsonarista que o ANDES não fez greve durante o governo Bolsonaro. As falas seguintes mostraram o óbvio: como se poderia fazer greve com as universidades fechadas devido à pandemia que assolou o país e o mundo nos anos de 2020 e 2021? Ainda assim, o ANDES participou das manifestações de rua de 2019, que teve o protagonismo estudantil, e voltou a realizar manifestações de rua ainda em 2021, com máscaras e álcool nas mãos. Em 2022, as universidades estavam correndo atrás do tempo em que ficaram paradas, realizando 3 semestres letivos em um ano, e o movimento docente, por sua vez, estava engajado na disputa eleitoral para tirar Bolsonaro da presidência.

A oposição docente decidiu manter a assembleia até que fosse divulgado o resultado do plebiscito, às 14h. Além de muitas análises sobre a conjuntura local e nacional, além da denúncia do modelo econômico adotado no país, sobretudo com o sequestro dos recursos públicos pelos rentistas, o tempo de espera também foi tomado por cultura. Músicas políticas foram cantadas, poemas políticos declamados, e o espaço da fala também se tornou o espaço do som. Ao fim, o resultado do plebiscito chegou: 965 votos contra a terceira proposta do governo e 546 a favor. A assembleia foi encerrada ao canto de “O bêbado e o equilibrista”, sob o toque dos instrumentos (além do canto) dos membros da oposição.

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