GENOCÍDIO NO CAMPO: fazendeiros ameaçam luta por direitos e sobrevivência de famílias Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul

GENOCÍDIO NO CAMPO: fazendeiros ameaçam luta por direitos e sobrevivência de famílias Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul

Por: O Poder Popular ·

Rita Barbosa - Militante do PCB - MS

Proprietários de terras sulmatogrossenses organizam e promovem ataques armados e ações genocidas contra comunidades Guarani e Kaiowá em áreas de retomada na região de Douradina - MS.


Durante a noite de domingo (04/08), em um território delimitado e reconhecido pelo estado brasileiro como terra indígena - hoje identificado como retomada Tekoha Yvy Ajhere -, ruralistas acampados avançaram com camionetes e armas de fogo contra famílias Guarani e Kaiowá, deixando pelo menos uma pessoa ferida. A investida faz parte de uma estratégia de coerção através do medo e da morte estruturada pelos fazendeiros da região, com apoio de parlamentares e de forças policiais, contra o povo indígena que resiste em seu território tradicional, a Terra Indígena Panambi Lagoa Rica, situada entre os municípios de Douradina e Itaporã, em Mato Grosso do Sul.

A situação no local é de verdadeiro desastre e crise humanitária, com ameaças diárias e graves à sobrevivência das pessoas indígenas na região. A cobertura midiática burguesa insiste em abordar a cena como um “conflito entre duas frentes”, discurso que se instala na opinião pública, conferindo uma falsa impressão de simetria ao cenário de perseguição armada, militarizada e financiada de uma elite agrária contra um povo tradicional que luta para resgate, demarcação e manutenção não só de seu território mas também de sua cosmovisão.

Desde o início do processo de retomada na região da TI Panambi Lagoa Rica, diversos ataques foram realizados de forma organizada não só contra o povo Guarani e Kaiowá como também contra pessoas, movimentos e organizações não-indígenas solidárias à luta indígena. A exemplo, no último sábado (03/08) foram registrados dois ataques: o primeiro em uma zona de retomada onde se concentravam crianças indígenas; o segundo ataque, com armas de fogo e incêndios criminosos, foi direcionado ao Acampamento Esperança do Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região de Dourados.

A forma mais primitiva de exploração e acumulação do capital advém da apropriação da terra como meio produtivo e, em sequência, da dominação e coerção da população do campo para que se converta em força de trabalho a ser explorada pelo binômio proprietário-arrendatário capitalista. Esse processo associado às dinâmicas violentas de colonização embasam a tentativa de desumanização dos povos originários, conforme a prática necropolítica, e favorecem, para além da exploração produtiva, a espetacularização sádica de terrorismo e extermínio destas pessoas e de seu ambiente. Compreender, acompanhar e apoiar cada cenário de luta indígena neste país, sobretudo em Mato Grosso do Sul - onde se concentra grande parte das oligarquias de fazendeiros -, faz-se indispensável para a verdadeira emancipação dos povos contra as amarras de um sistema capitalista colonialista e genocida.

CONTEXTO SOCIAL E HISTÓRICO

A Terra Indígena Panambi - Lagoa Rica é uma área Guarani-Kaiowá já avaliada e delimitada pela FUNAI desde 2011 conforme o Despacho 524 12/12/2011, localizada entre os municípios de Douradina e Itaporã, ambos no estado de Mato Grosso do Sul. Apesar do avanço no sentido de reconhecimento e delimitação, o processo efetivo de apropriação formal dos 12.196 hectares encontra-se estagnado há mais de dez anos, enfrentando entraves na justiça burguesa brasileira a qual é intimamente ligada e dependente das oligarquias agrárias locais.

Douradina é um município na região da Grande Dourados, sul de Mato Grosso do Sul, a aprox. 180km da capital Campo Grande. Conforme CENSO/IBGE de 2020, possui 5975 habitantes e faz fronteira com os municípios de Rio Brilhante, ao norte, Dourados, ao sul e a leste, e Itaporã a oeste. Foi fundado em 20 de dezembro de 1956 por um grupo de proprietários de lotes rurais do antigo núcleo colonial de Dourados. Não é surpresa que um estudo de 2013 tenha identificado que 56,10% da área do município era dedicada à cultura temporária, sendo 94% desse cultivo concentrado em milho e soja.

Tendo em vista a morosidade proposital e o avanço de pautas etnocidas como o Marco Temporal, em 13 de julho de 2024 o povo Guarani e Kaiowá iniciou o processo de autodemarcação de seu território envolvendo sete áreas de retomada, dentre elas o Tekoha Yvy Ajhere. Tekoha é uma palavra guarani composta pelo prefixo Teko-, indicando “a vida e os modos de viver”, e o sufixo -ha, que traz a noção de lugar - ou seja, Tekoha é a forma de nomeação e reconhecimento do território que possibilita a vida e os modos de viver do povo Guarani e Kaiowá.

No dia 17 de julho, Lana Ferreira Lins Lima e Laisa Ferreira Lins Lima, proprietárias do sítio José Dias Lima, moveram ação que culminou com uma ordem de despejo contra a retomada. O advogado envolvido na ação, Wellington Morais Salazar, também está envolvido com a defesa de outros ruralistas em outros processos de retomada na região. Além disso, o juiz da 2ª vara federal de Dourados, Rubens Petrucci Junior, responsável pelo mandado de reintegração de posse emitido, está envolvido pelo menos desde 2018 com decisões favoráveis às elites agrárias sulmatogrossenses, sendo inclusive o responsável por uma ordem de prisão preventiva de oito pessoas indígenas em uma zona de retomada em 2023.

Uma comissão emergencial formada por colaboradores de diversos setores e organizações, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento Negro Unificado (MNU), Unidade Popular (UP) e Partido Comunista Brasileiro (PCB), promoveu uma caravana com intuito de transporte de suprimentos básicos para a retomada Tekoha Yvy Ajhere. Com partida na madrugada da segunda-feira (29/07) e retorno na tarde da terça-feira (30/07), aproximadamente trinta pessoas se deslocaram com doações e recursos humanos para suporte local. Dentro da caravana, foi estabelecida uma comissão de saúde, com intuito de acolhimento de eventuais casos com necessidade de atenção imediata à saúde e de avaliação situacional em saúde no território. As informações abaixo são fruto da avaliação desta comissão.

O TEKOHA YVY AJHERE

A aproximadamente 30 quilômetros das principais rodovias, o Tekoha Yvy Ajhere está localizado nas margens de uma estrada vicinal de terra, sobre uma extensa plantação de milho, aparentemente com colheita recente, visto o nível baixo/caído da vegetação. A plantação se estende por quilômetros à vista no horizonte, sendo limitada à distância por algumas zonas de mata alta. O acesso a madeira para lenha é dificultado por essa distância e a extensão da monocultura, sobretudo em pós-colheita, garante um aspecto semi-desértico à paisagem, sem qualquer sinal de biodiversidade e com restrita presença de alguns poucos espécimes de aves nos céus.

Nesses campos vastos de terra vermelha se levantam barracões de lona preta, estrutura muito simples, onde vivem as pessoas indígenas envolvidas no processo de retomada. Tais barracas situam-se em torno do Yvyra’i, o marco sagrado na terra, construído a partir de bastões de madeira, um símbolo de afirmação e forte conexão espiritual-territorial do povo Guarani e Kaiowá. Não há rede de energia elétrica, rede hidráulica ou estrutura de saneamento. As comidas são feitas em fogueiras improvisadas, a água potável é restrita às garrafas de doação, não há estrutura adequada para proteção do calor, sol, ventos ou chuva. Múltiplos cachorros e uns poucos gatos vivem junto à comunidade na área de retomada, em geral todos com múltiplas feridas de pele.

A partir do Yvyra’i, aproximadamente 200 metros de terra sem tendas se estende na direção sul até um outro polo de acampamento. Este polo mais bem equipado, com duas lonas grandes e de boa qualidade, presença de churrasqueira, tratores e muitas camionetes - é o acampamento dos fazendeiros que diariamente faz práticas de terrorismo contra a população do Tekoha Yvy Ajhere. A cerca de 800 metros do Tekoha, no sentido norte, existem poucas casas, com acesso limitado a energia elétrica e água de poços para uso em limpeza e higiene pessoal.

A uma distância não especificada porém descrita como “distante demais para se locomover a pé” existe uma unidade de saúde/atenção primária da Secretaria de Saúde Indígena/SESAI. Não foram identificados especificamente o nome, endereço/localização, CNES e composição completa das equipes da unidade. Possuem veículo próprio para transporte de funcionários e de cidadãos indígenas para consultas na unidade. Foi mencionado que há equipe com médico, enfermeira, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde - todavia, pessoas da comunidade local mencionaram que carecem ações comunitárias ou em território, porque apenas os profissionais indígenas da unidade (dois agentes comunitários de saúde) se deslocam até a população. Um ACS informou que casos de urgência são atendidos por ambulância de Douradina e direcionados para atendimento no município. Também foi relatado que há uma escola indígena na região para as crianças e adolescentes, sendo inclusive fonte de renda/trabalho para algumas pessoas da comunidade.

O POVO GUARANI E KAIOWÁ

Em contagem informal foi estimada a presença de aproximadamente 50 a 70 pessoas indígenas no local onde estávamos. Destas, 25 eram crianças e aproximadamente 35 eram mulheres entre adultas e nhandesys (anciãs). A princípio, lideranças locais negaram a presença de pessoas gestantes no território.

Foi realizado mutirão para aferição de pressão arterial e acolhimento inicial em saúde, sendo acolhidas queixas agudas, comorbidades, uso de medicações, saúde mental, dentre outros aspectos conforme as demandas de cada pessoa avaliada. Foram identificados ao menos 10 pessoas com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS), 04 pessoas com diabetes mellitus (DM) sendo 01 pessoa insulino-dependente, 01 pessoa com asma, 01 pessoa com câncer de útero e 02 pessoas com queixa de dor crônica - a maioria destas em uso irregular das medicações, sem exames de rotina para hipertensos e diabéticos realizados nos últimos doze meses. Uma das pessoas avaliadas trouxe queixa de parestesia em membros inferiores, sendo constatada hipoestesia e anestesia plantar bilateralmente, possivelmente associada a um quadro de neuropatia periférica diabética.

Foi relatado pela comunidade um episódio recente de resfriado generalizado, ocasionando exacerbação de doenças pulmonares e cardiovasculares. Muitas pessoas relataram sintomas depressivos/ansiosos, associados aos barulhos de rojões, de tiros, de tratores e de drones, utilizados como forma de coerção e indução de pânico pelos latifundiários. Sintomas como humor deprimido, pensamento de morte, insônia ou taquipsiquismo foram relatados. Também foi observada grande prevalência de tabagismo entre a população adulta.

Observam-se diversas barreiras ao acesso à saúde, incluindo barreiras geográficas (condições locais, área remota, difícil acesso), barreiras sanitárias (ausência de água potável, saneamento e eletricidade), barreiras políticas (toda a inércia do Estado em fornecer condições minimamente dignas de vivência para a comunidade, além dos pactos políticos firmados com a elite agrária) e barreiras socioculturais (profissionais não indígenas que não se deslocam até o território, revitimização e violência nos atendimentos de urgência).

VIOLÊNCIAS

Diariamente a população indígena na retomada é assolada por drones sobrevoando seus acampamentos. Chegam a reconhecer só pelo barulho que a máquina está no ar. Esses drones são controlados pelos fazendeiros acampados, e não se sabe se geram imagens ou gravam áudios - ou mesmo se possuem qualquer capacidade/utilidade bélica.

A devastação da mata local pelo extenso plantio de milho dificulta acesso a lenha e, assim, ao fogo - essencial para combate ao frio, para cozinhar, iluminar, dentre outras funções. Além disso, o deslocamento necessário para coleta de lenha expõe indígenas e apoiadores não-indígenas a violências graves pelos fazendeiros. Durante nossa estadia, um pesquisador não-indígena foi vítima de agressões físicas e disparo de bala de borracha durante uma coleta de lenha.

Durante o dia, mais e mais camionetes chegam ao acampamento dos fazendeiros. Ao início do dia haviam 02 a 03 carros, evoluindo progressivamente para 07, 09, 12 e até 15 veículos. Eventualmente chegam tratores, os quais são utilizados para avançar nos 200 metros de terra “neutra” em direção ao Tekoha. Registros dos ataques do último domingo (04) mostraram o avanço dos tratores para dentro do território do Tekoha, destruindo o Yvyra’i e o xiru, símbolos de proteção e demarcação indígenas. Os fazendeiros se regozijam como cavaleiros do Estado burguês enquanto avançam em direção ao acampamento indígena como forma de ameaça - o povo indígena por sua vez recorre a seus rituais ancestrais para proteção e resistência.

Durante a noite, muitos indígenas reclamam de grande dificuldade para dormir pela luminosidade e principalmente pelo medo do que chamam de “O Farol”, que consiste basicamente em um paredão de luz LED branca dos tratores alinhados em direção ao acampamento indígena. Além das luzes, buzinas e rojões são sons rotineiramente ouvidos à noite, segundo relatos, o que praticamente impede qualquer dignidade de repouso ou decanso dos indígenas.

Além disso, a presença de forças policiais/militares no local com sua suposta função de “manutenção da paz” apresenta por vezes diálogo muito mais intimista com os fazendeiros do que com o povo indígena, sendo presenciado alguns momentos, ações e falas que denotavam graves falhas na competência cultural que se faz indispensável em uma abordagem humanitária com povos tradicionais.

É necessário mencionar que alguns dos apoiadores não-indígenas retornaram a Campo Grande durante a noite da segunda-feira (29/07), sendo surpreendidos por uma abordagem violenta por efetivos da DOF (Departamento de Operações da Fronteira), os quais não se identificaram e confiscaram temporariamente documentos pessoais - inclusive, fotografaram esses documentos - e proferiram ameaças de prisão a professores e integrantes do MST, em um contexto de missão humanitária.

Estes integrantes do MST pertencem ao Acampamento Esperança, que foi vítima de ataque terrorista pela organização paramilitar de fazendeiros neste fim de semana com armas de fogo e incêndios criminosos. Essa situação expõe o uso dos aparelhos de repressão do Estado completamente alinhado aos propósitos sádicos da elite agrária sulmatogrossense, formando um verdadeiro cerco militar que restringe e intimida indígenas e seus colaboradores não-indígenas, dificultando até mesmo os processos de transporte de mantimentos para o povo Guarani e Kaiowá.

Desde a última sexta-feira (02/08), pelo menos três ataques foram registrados contra zonas de retomada e contra apoiadores não-indígenas. Pelo menos dez pessoas no total ficaram feridas, sendo três levados em estado grave para o Hospital da Vida em Dourados - um deles com traumatismo crânio-encefálico por arma de fogo. Até o momento da publicação deste texto, nenhum evento fatal foi registrado - todavia, os mecanismos e sítios das lesões não deixam dúvida do intuito homicida das agressões.

Não se pode deixar de reforçar o papel também violento das mídias, tanto a nível local quanto nacional, que não realizam os devidos recortes contextuais, tentando noticiar um falsa ocasião de “conflito”. Quase nenhum dos portais de grande circulação abordou com a devida seriedade a violência, a perseguição e o terrorismo praticados contra os indígenas Guarani e Kaiowá - ao omitir esse tipo de informação, são coniventes com a narrativa ruralista de uma “disputa de território” em curso, direcionando a opinião pública a favor de uma visão distorcida e atenuada do cenário de terror que se constrói na Terra Indígena Panambi - Lagoa Rica.


O ESTADO A FAVOR DA BURGUESIA

Desde o início do processo de retomada de sua área legitimamente delimitada e reconhecida, as famílias Guarani e Kaiowá enfrentam não só os jagunços terroristas como também o próprio Estado brasileiro, cujos representantes atuam com diferentes formas de violência contra os povos tradicionais. Por um lado, uma coalizão entre ruralistas principalmente filiados ao Partido Liberal (PL) de Mato Grosso do Sulse articula no controle da mídia e no incentivo direto às ofensivas terroristas contra as famílias Guarani e Kaiowá.

Do outro lado, a gestão neoliberal burguesa do Governo Lulatem reforçado sua agenda de pactuação e conciliação com a burguesia do campo. A negligência com a crise humanitária que assola a comunidade Guarani e Kaiowá é cruel e o governo tem no Ministério dos Povos Indígenas (MPI)um dos principais focos de violência institucional. O MPI esteve na retomada Yvy Ajhere no último domingo (04/08) e sua visita não foi isenta de violência. “Vocês precisam ser mais pacíficos” disse uma representante do MPI às famílias das vítimas agredidas pelos ruralistas.

Na segunda-feira (05/08) foi publicada imagem na conta oficial do MPI no Instagram descrevendo uma suposta “visita articulada pelo MPI em Corumbá” que ocorreu no dia 30 de julho deste ano. A verdade é que essa visita foi propiciada e organizada pelo MST, em parceria e solidariedade à luta Guarani e Kaiowá, após o início dos ataques contra os indígenas. Ao roubar o protagonismo dos movimentos e organizações sociais, com nítido intuito de autopromoção, o governo ativamente induz o apagamento da união das forças populares - sobretudo indígenas - como fundamento da frente política de resistência à barbárie.

Os deputados federais Marcos Pollon(PL-MS), fundador do movimento armamentista PROARMAS,  e Rodolfo Nogueira(PL-MS) têm feito diversas publicações em suas redes sociais convocando ruralistas para se organizarem e atuarem contra os indígenas na região de Douradina - além, obviamente, de disseminar mentiras e falácias sobre o povo Guarani e Kaiowá. Em Dourados, Mato Grosso do Sul, o pré-candidato a vereador Sargento Prates (PL-MS) também vem utilizando das redes sociais para alavancar declarações extremistas contra os povos indígenas

Durante todo o período de crise humanitária, apesar de ter afirmado em Brasília que se empenha de maneira “extremamente acentuada”, o governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB-MS), não esteve presente na Terra Indígena Panambi Lagoa Rica em nenhum momento desde o início dos ataques dos ruralistas. Da mesma forma, o secretário estadual de saúde de Mato Grosso do Sul, Maurício Simões, também não esteve presente delegando quase que exclusivamente à Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) e ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) qualquer tipo de ação de vigilância, prevenção e assistência em saúde às comunidades indígenas afetadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não restam dúvidas de que o cenário é catastrófico e condizente com situação de grave crise humanitária, com privação de abrigo, água, alimento, saúde, saneamento e segurança local, inclusive com dificuldade de transporte seguro de mantimentos e pessoas para a região em decorrência de um cerco da organização paramilitar dos fazendeiros e do DOF;

Não existe um conflito entre duas forças - e insistir nesse discurso é legitimar o massacre genocida praticado pelas elites capitalistas e ruralistas. O que existe é um povo ancestral em retomada de terra após negligência intencional do Estado por mais de uma década, e que resiste às ações genocidas de uma organização paramilitar agrária latifundiária. É essencial reconhecer e nomear as ações dessa elite burguesa ruralista como TERRORISTAS, fruto da ganância de quem enxerga no povo Guarani e Kaiowá, e em toda sua ancestralidade e cosmosfera, uma mera inconveniência para seu contínuo processo de exploração da terra, devastação ambiental e acumulação de capital.

É emergencialmente necessária uma avaliação estruturada, para efetivo diagnóstico situacional em saúde pela perspectiva de crise humanitária, sendo indispensável o mapeamento detalhado da Rede de Assistência em Saúde do território, com CNES dos estabelecimentos envolvidos e detalhamento das equipes e das ações realizadas.

É muito grave a ausência de suporte psicológico tanto para as pessoas indígenas quanto para pessoas apoiadoras não-indígenas. Também é igualmente grave e violenta a ausência de territorialização e abordagens comunitárias em saúde pelas equipes médica e de enfermagem da unidade de atenção primária local.

Indica-se a elaboração de estratégias para otimizar fiscalização e formas de denúncia de maus tratos e revitimização de pessoas indígenas atendidas em regime de urgência em municípios próximos. Incentiva-se o rastramento específico quanto ao acesso a contracepção/planejamento familiar/autonomia reprodutiva, tendo foco especial para abordagem de prevenção, reconhecimento precoce e acolhimento adequado de casos de violência sexual e de gênero.

Nesse sentido, também é evidente o risco de desnutrição, desidratação, descompensação de morbidades cardiovasculares e pulmonares, desenvolvimento e agudização de transtornos psíquicos-comportamentais, violência e doenças infecto-parasitárias, e, portanto, as entidades sanitárias dentro do Sistema Único de Saúde devem se mobilizar para reduzir danos e ocupar-se com a garantia de dignidade às populações da região. Ademais, urge a estruturação de um Plano de Contingência, que envolva estratégias de prevenção da escalada, mitigação dos danos e devido manejo em caso de escalonamento das agressões praticadas pelos fazendeiros.

Finalmente, consideramos indispensável a formação de uma comissão inter-agencial entre movimentos, organizações e instituições juntos às lideranças locais para mapeamento e condução das demandas em uma perspectiva de prevenção, promoção e mitigação em saúde, associadas a uma prática interprofisisonal e interssetorial, culturalmente competente, que possa garantir saúde e segurança para um povo tradicional que luta não só pelo seu próprio território mas pelo cuidado com toda a cosmosfera. É nessa perspectiva que, em Mato Grosso do Sul, o Partido Comunista Brasileiro e seus membros se firmam como apoiadores e parceiros solidários à luta Guarani e Kaiowá, sob orientação das lideranças indígenas para fortalecer a frente de resistência ao terrorismo ruralista genocida.

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