Haiti, soberania violada
A República do Haiti, comumente conhecida como Haiti, foi o primeiro país da América Latina e Caribe a conquistar sua independência, com uma revolta de escravizados que começa em 1791 e se conclui em 1804, marcando a única revolução do continente feita integralmente por escravizados e libertos, sendo os primeiros líderes de governo da ilha todos ex-escravos. Inspirados pela Revolução Francesa, os haitianos levaram até o fim os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, e nunca seriam perdoados por isso.
Conquistada a independência da França, foi logo ela violada, pela imposição injusta de um bloqueio econômico que dura 60 anos, promovido por estadunidenses e europeus, temerosos que seus próprios escravizados se levantassem em nome das ideias que eles juraram defender apenas alguns anos antes, era a primeira face da reação, do esgotamento do espírito revolucionário burguês, a classe dominante agora não precisava do apoio dos populares.
Esse bloqueio só viria a acabar por iniciativa da própria ilha, sob liderança de Jean Pierre
Boyer, que acorda com a França uma indenização de150 milhões de francos, indenização que,
mesmo reduzida para 90 milhões, destruiria a economia do país. Nesta segunda violação de sua
soberania, o Haiti teve que pagar, literalmente, a sua alforria, agora com ouro, o que já tinha sido
quitado com sangue.
Agora sem bloqueios, o Haiti teria uma chance de olhar para o futuro, chance logo
suprimida pela ocupação estadunidense de 1915, que iria até 1934, com aplicação de lei marcial
para degolar qualquer oposição, inaugurando mais uma tragédia para a soberania caribenha, e mais
um período de instabilidade política para a ilha.
Essa instabilidade daria uma pausa em 1957, com a eleição de François Duvalier, famoso
Papa Doc, que daria início a uma feroz ditadura financiada pelos Estados Unidos, continuada pelo
seu filho Jean-Claude, o Baby Doc, após sua morte. O terror iria até 1986, quando em estado de
sítio, Baby Doc, com medo da reação popular, foge do país e são convocadas novas eleições,
marcadas por grande abstenção.
Viria então mais uma época de tensionamentos políticos, com uma disputa pelo poder capitaneada por Raoul Cédras e Jean-Bertrand Aristide, o primeiro daria um golpe de estado, forçando Aristide a se refugiar nos EUA, sendo somente reempossado por uma intervenção militar liderada pelos ianques em 1994. Aqui se abre uma pequena janela de progresso, encerrada pela deposição de Aristide e a invasão imperialista do país, disfarçada de missão de paz e apelidada de MINUSTAH.
Essa “missão de paz”, liderada pelo Brasil e protagonizada por nomes como General Augusto Heleno, fez de tudo, menos construir um processo de paz. Se alastrou o crime organizado, cresceu a violência, se organizaram massacres, se testaram táticas e técnicas de repressão de movimentos populares, os generais brasileiros tinham encontrado seu laboratório de violência, colocando o Brasil como principal violador da soberania da ilha.
Para além da interferência externa, os desastres naturais não dariam nenhuma brecha ao país, que experimentaria o terremoto mais destrutivo dos últimos cem anos, tendo até mesmo reconhecimento da ONU quanto a gravidade do acontecimento. Mas estaríamos nos enganando se pensássemos que foi o terremoto o causador da miséria, quando na verdade é a miséria generalizada que impede que a população do Haiti se recuperasse do desastre.
Em 2014 se encerraria a MINUSTAH, com nada para mostrar além de mortos e desaparecidos, e uma situação mais grave do que a anterior, e não poderia ser de outra forma, nada de bom poderia vir de uma intervenção militar imperialista, intervenção que já nasce equivocada ao se basear no militarismo, perpetuando a violência capitalista, sem oferecer saídas reais e nem criar bases para um processo de paz e progresso.
É pelo clima de violência generalizada, pobreza, miséria, e questões sociais não tratadas, que o assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse em 2021 configura mais uma novidade do que uma surpresa, a violência brutal que assola o país não poderia ficar para sempre contida nos becos e nas favelas, a erupção da violência política chegaria mais hora menos hora aos principais círculos do poder.
A surpresa vem na verdade de um pedido do primeiro-ministro do país no mês de outubro, que incapaz de lidar com as contradições internas de seu regime e da situação de calamidade do país, solicita intervenção estrangeira para repelir o crime organizado e retomar a “normalidade” no país. Tudo isso em meio a um surto de cólera, doença introduzida no país pelas próprias forças da paz da ONU, em 2010.
Apesar dos pedidos cínicos, a iniciativa fracassa, tanto pela indisposição dos EUA em assumir mais um fronte de combate quanto pela fragilização de sua hegemonia no cenário internacional. Já que mesmo após prometer armas e treinamento, não conseguiu encontrar voluntários para comandar a invasão.
A situação no país caribenho é de calamidade, há cólera, miséria e fome. Num país onde mais da metade da população e mais da metade da economia é rural, há de se importar mais de 80% das necessidades básicas de alimentação, enquanto se exporta manga e cacau, para os pequenos produtores, não há terra ou capital, enquanto a expropriação das riquezas do país segue solta.
Contudo, não é pela intervenção estrangeira que se constrói um futuro, e sim pela organização popular, pelo fortalecimento das forças do proletariado e do movimento popular, pela construção de um governo verdadeiramente democrático, e, por fim, pela edificação da revolução socialista.
Clamamos o fim de qualquer intervenção estrangeira no Haiti, a construção de uma alternativa socialista e soberana e que sejam pagas todas as dívidas históricas do imperialismo com o Haiti. Por um Haiti socialista e soberano. Fora ianques. Viva ao país dos jacobinos negros.
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