Manifestação brasileiro-palestina rechaça o Apartheid de Israel na Unicamp

Manifestação brasileiro-palestina rechaça o Apartheid de Israel na Unicamp

Por: O Poder Popular ·

UJC Unicamp

No dia 03/04/2023, estava marcada para acontecer a IV Feira das Universidades Israelenses na Unicamp, com a presença de instituições como a Universidade Bar Ilan, Universidade de Haifa, Universidade Hebraica de Jerusalém, Universidade de Tel Aviv e Technion – Israel Institute of Technology. O objetivo fundamental do evento era incentivar a parceria entre universidades brasileiras e israelenses e o intercâmbio de estudantes, intelectuais e pesquisadores brasileiros para Israel. Após um grande ato reunindo estudantes, professores, servidores e outros membros da comunidade acadêmica da Unicamp denunciando o papel dessas universidades no Apartheid e no extermínio do povo palestino, o evento foi cancelado pela reitoria da universidade.

A pretensão de realizar esse evento escancara a farsa do discurso oficial da reitoria e dos órgãos administrativos universitários, que coloca a Unicamp como uma instituição progressista, democrática e preocupada com a desigualdade e os Direitos Humanos. Se o tratamento que os trabalhadores da universidade recebem não fosse o suficiente para isso [link], as parcerias e relações que a universidade ainda mantém com o Estado genocida de Israel, por livre e espontânea vontade, deixam explícito que esse discurso é uma fachada.

A manifestação contra a feira, que construímos como UJC ao lado de outras organizações, entidades de estudantes e pós-graduandos, organizações palestino-brasileiras e muitos estudantes solidários à luta palestina, foi recebida com horror e tentativa de criminalização. Após trancar o espaço onde ocorreria a feira, impedindo a entrada de pessoas contrárias, e dar ordens para que os seguranças do local mantivessem todos os manifestantes afastados (utilizando inclusive de assédio moral), a reitoria acusou-nos de  ser “anti-democráticos”, “violentos” e “autoritários”; de tentar impedir a “livre manifestação” pacífica de ideias. O número de cartas, e-mails e notas de repúdio condenando o “radicalismo político” e alertando para a necessidade de “ouvir os dois lados” é prova de que fomos bem-sucedidos em colocar o boicote acadêmico à Israel e a solidariedade com o povo palestino no centro do debate universitário.

Os dois lados do Apartheid e da colonização

No vestibular de 2022 da Unicamp, uma questão da prova de inglês citava o poema “We teach life, sir” – “Nós ensinamos vida, senhor” – de Rafeef Ziadeh [1]. O poema reflete a angústia e exaustão que os palestinos sentem constantemente ao ter que convencer o público ocidental e a mídia burguesa de que sua opressão é real e de que sua luta é legítima. O aparato de propaganda sionista foi muito eficiente, ao longo de todos esses anos de ocupação e colonização, em convencer as pessoas de que há “um conflito” entre Israel e Palestina, que envolvem dois lados com igual poder e condições de enfrentamento.

A realidade é a da colonização e do extermínio. Israel é uma das maiores potências militares e tecnológicas do planeta, apoiada incondicionalmente pelo imperialismo estadunidense. Israel mantém uma ocupação militar ilegal de Gaza e da Cisjordânia [2]. Drena os recursos naturais desses territórios, limita o acesso à água potável e eletricidade, condena a população local à extrema pobreza e conduz ataques e bombardeios periódicos que massacram milhares de palestinos – com o intuito de ampliar a colonização dos territórios e de testar equipamento militar [3]. Dentro do território israelense propriamente dito, os cidadãos palestinos são segregados econômica e espacialmente e enfrentam uma série de leis que os colocam como cidadãos de segunda classe frente à população etnicamente judaica [4]. Mesmo as organizações e ONGs mais conservadoras declaram com firmeza que Israel sustenta um regime de Apartheid [5].

Enquanto isso, o povo palestino não possui Estado e território próprio; nem exército, nem a enormidade de recursos de que Israel dispõe. Apesar disso, a narrativa dos dois lados sobrevive à base de muito racismo anti-árabe, construindo ideologicamente os palestinos como terroristas perigosos [6]. Só esse fator explica por que as autoridades israelenses podem ir a público, dia após dia, declarar que o povo palestino “não existe” e pregar abertamente a favor de sua “eliminação” e, ainda assim, os adjetivos “terrorista”, “violento” e “perigoso” se aplicarem sempre somente ao outro lado [7].

Se existem “dois lados”, conforme o poema de Rafeef: “não são dois lados iguais: ocupador e ocupado”; um lado é o do colonizador e o outro é o lado do colonizado. De um lado está a opressão, o extermínio e o racismo; de outro, a luta pela libertação.

Ciência e tecnologia para o extermínio

As universidades israelenses são não apenas cúmplices do Apartheid e do colonialismo israelense, mas participantes e colaboradoras ativas, por escolha própria [8]. Todas elas possuem amplas parcerias com as Forças de Defesa Israelense (IDF) e desenvolvem tecnologia militar para Israel.

A automatização das famosas escavadeiras de combate D-9, utilizadas para demolir residências palestinas, é obra da Technion [9]. A Technion também é uma das principais colaboradoras da Elbit Systems, a maior empresa de produção de armamentos e drones militares de Israel; também conhecida pelo uso de seus equipamentos em um sem-número de ações ilegais, incluindo massacres de civis e assassinato de crianças [11]. Um laboratório conjunto de visão artificial Technion-Elbit desenvolve equipamentos de vigilância utilizados por drones nos muros de separação de territórios da Palestina ocupada. A Elbit financia oficialmente pesquisas de estudantes da universidade e altos funcionários da empresa ocupam postos no conselho executivo da Technion. A instituição também mantém vínculos com a Rafael Advanced Defense Systems Ltd., empresa estatal de tecnologia militar israelense. [12]

A Universidade de Tel Aviv possui parte dos seus campi construídos em cima das ruínas da antiga vila palestina de Sheikh Muwannis, destruída pela limpeza étnica. Essa mesma universidade abriga programas de treinamento militar para o IDF, e também é uma colaboradora próxima da Elbit Systems. A Universidade de Tel Aviv comporta o Instituto de Estudos de Segurança Nacional, um destino comum de generais aposentados e de reserva do IDF. É de lá que saem grande parte das doutrinas e táticas militares de Israel. O instituto fora central, por exemplo, na elaboração da chamada Doutrina Dahiya, que prega a destruição de residências e do máximo possível de infraestrutura civil como forma de “causar sofrimento a centenas de milhares” e impor vitórias militares pela asfixia material e pelo terror [13].

Além disso, as universidades de Israel cumprem um papel indispensável na legitimação da colonização da Palestina, formalizando a ideologia siomista, elaborando justificações e argumentos para a opressão. Elas mesmas agem como impositoras da segregação racial, discriminando estudantes palestinos e reprimindo suas manifestações e organizações [14].

O boicote acadêmico é uma forma de ferir Israel e explicitar como essas universidades colaboram diretamente com o extermínio do povo palestino. Faz parte de um esforço de desnormalizar e isolar Israel e suas instituições na opinião pública internacional, prejudicá-los materialmente e forçar a ampliação da pressão internacional contra o Apartheid. O boicote acadêmico tem como alvo não profissionais individuais, mas instituições e seus representantes oficiais.

O argumento de que ele é uma violação da “liberdade acadêmica” e “anti-democrático”, repetido à exaustão, é hipócrita e cínico. As universidades palestinas estão sujeitas diariamente à vigilância e intervenção israelense, seus intelectuais são frequentemente perseguidos e criminalizados [15]. Nunca, nem quando as instituições de ensino superior palestinas foram literalmente invadidas e atacadas pelo IDF durante as Intifadas, nunca, nem quando as instituições de ensino superior palestinas foram literalmente invadidas e atacadas pelo IDF durante as Intifadas, qualquer ato de solidariedade ou preocupação com a “liberdade acadêmica” saiu das universidades israelenses. Para apoiar bombardeios e massacres em Gaza, entretanto – incluindo a destruição de outras instituições acadêmicas –, a iniciativa é imediata [16]. Não há escapatória para o fato evidente de que a academia israelense é um dos braços da colonização.

E por que boicotar as universidades de Israel e não as dos EUA, França e inúmeros outros Estados genocidas e violadores do direito internacional? Primeiro porque o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) foi pensado como uma ferramenta de luta específica do povo palestino e que faz sentido para suas condições particulares, sobretudo a segregação racial e o Apartheid. A existência desse movimento e a escolha dessa tática não anulam as lutas contra outros tipos de opressão, que podem assumir outras formas. O boicote foi adotado na luta contra o Apartheid sul-africano e contra a segregação racial nos EUA para avançar as lutas específicas desses grupos oprimidos; o fato de que o boicote não se estendia a todos os regimes e empresas opressoras do planeta Terra não significava, evidentemente, a indiferença em relação a eles.

No fundo, esse argumento é uma grande tentativa de desviar a atenção e reverter a culpa para outro lugar. É como dizer “sim, Israel é horrível, mas esses outros países também são!”. Mas “Israel é horrível” já é uma confissão de culpa, e a preocupação com a violência dos tais “outros países” é quase sempre só um instrumento de retórica, não genuína. [17]

O que precisa ser dito é que o avanço científico e tecnológico israelense é construído sob corpos palestinos em espaços racialmente segregados (às vezes literalmente, como nas faculdades de medicina israelenses que armazenam corpos de pessoas palestinas). Ele é inseparável do sionismo e do projeto de limpeza étnica da Palestina.

Enquanto alguns se preocupam com a liberdade de contribuir para o extermínio, outros se preocupam em não ser exterminados. Só os últimos têm nossa solidariedade.

Liberdade e democracia para o racismo

O Brasil é um dos principais importadores de tecnologia militar de Israel. Com o governo Bolsonaro, essa relação histórica foi ainda mais ampliada, com mais convênios e acordos de cooperação militar e tecnológica [18] envolvendo empresas, o Exército e as polícias dos dois países. As mesmas armas de Israel, testadas no povo palestino e utilizadas para a manutenção do Apartheid, são utilizadas pela Polícia Militar brasileira para o genocídio da juventude negra nas periferias. O genocídio e o racismo anti-negro do Estado brasileiro é armado diariamente pelo genocídio e o racismo anti-árabe praticados pelo Estado de Israel.

Sionismo é racismo. Ele se baseia na desumanização do povo palestino e no direito da população etnicamente judaica de expulsá-los de seu próprio território. Seu objetivo final é, unicamente, a limpeza étnica e o genocídio palestinos. E isso as autoridades e líderes políticos israelenses, ao longo dos anos e independente de partido político, têm declarado abertamente. É também por esse motivo que as forças fascistas e de extrema-direita são seus aliados prioritários. A equalização de anti-sionismo e antissemitismo, tão difundida pela propaganda israelense, esconde a política de alianças com organizações e governos antissemitas que sempre foi característica do Estado de Israel [19].

Abrir as portas para Israel e para os sionistas é, sempre, atentar contra a vida e a segurança dos palestinos. Não há meio-termo. Não compartilhamos dessa concepção abstrata e ingênua de democracia e liberdade de expressão, que dá voz aos racistas e colonizadores como se sua própria existência não fosse violenta e opressora. Como se suas ideias não fossem em si anti-democráticas, como se sua ciência e sua tecnologia não fossem produzidas para eliminar aqueles que insistem em viver e resistir.

A “democracia” da Unicamp consegue conviver com as bombas sobre as crianças em Gaza, com a invasão e destruição militar das instituições acadêmicas palestinas, com a prisão e assassinato de intelectuais e ativistas palestinos e judeus anti-sionistas. É “ameaçada”, por outro lado, quando estudantes e funcionários denunciam a cumplicidade da administração da universidade com o racismo e o extermínio; com a precarização das relações de trabalho e da permanência estudantil.

Por mais progressista que a reitoria tente pintar a si mesma, ela está defendendo a liberdade de expressão para o colonialismo, o Apartheid, o racismo e o extermínio – assim como Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, o Departamento de Estado dos EUA, a OTAN e a extrema-direita mundial. Terroristas e violentas são essas ideias – não o nosso dever de silenciá-las.

Referências

https://traducaoliteraria.wordpress.com/2012/11/07/nos-ensinamos-vida-senhor-de-rafeef-ziadeh/

https://www.aljazeera.com/news/2023/3/21/arab-states-condemn-israeli-ministers-no-palestinians-remark

https://decolonizepalestine.com/intro/bds-101/

https://www.adalah.org/en/law/index

https://www.haaretz.com/2002-10-10/ty-article/study-israel-leads-in-ignoring-security-council-resolutions/0000017f-db7d-d3ff-a7ff-fbfd800b0000

https://archive.globalpolicy.org/component/content/article/189-israel-palestine/38055-academic-boycott-in-support-of-paris-vi.html

https://www.newarab.com/analysis/technion-elite-university-israeli-student-soldiers

https://bdsmovement.net/news/academia-weapons-and-occupation-how-tel-aviv-university-serves-interests-israeli-military-and

https://electronicintifada.net/blogs/ali-abunimah/israeli-universities-lend-support-gaza-massacre

https://www.brasildefato.com.br/2017/02/03/brasil-e-um-dos-principais-compradores-de-tecnologia-e-treinamento-militar-israelense

https://www.camara.leg.br/noticias/860888-PLENARIO-APROVA-COOPERACAO-EM-CIENCIA-E-TECNOLOGIA-COM-ISRAEL

https://www.brasildefato.com.br/2017/02/03/brasil-e-um-dos-principais-compradores-de-tecnologia-e-treinamento-militar-israelense

https://pcb.org.br/portal2/27293

Acompanhe todas as mídias do nosso jornal: https://linktr.ee/jornalopoderpopular e contribua pelo Pix jornalopoderpopular@gmail.com

Compartilhe nas redes sociais