Milton Ribeiro: um homem de Deus

Milton Ribeiro: um homem de Deus

Por: Redação ·

Por Ian Kelvin Mattos Costa, militante da UJC

Em janeiro de 2022 escrevi um pequeno artigo no qual cito que há uma disputa interna dentro do Estado brasileiro pelo controle de uma das mais importantes ferramentas da produção ideológica e de formação da consciência social: a educação. Está bastante evidente que dentro do Ministério da Educação há uma disputa por quem vai chegar primeiro na hora de cortar o bolo. Acurto prazo, essa disputa interna se dá nos processos cotidianos de distribuição de verba. Claro, estamos presenciando isso com o presidente e o ministro priorizando seus amigos da igreja. Mas reescrevo minha crítica após longas conversas com o camarada Leonardo de Andrade, onde convenceu-me de que a educação brasileira já não está mais sendo disputada na sua totalidade. O bloco educacional privado já dominao Estado. E mesmo que os setores neoconservadores, com o apoio das igrejas evangélicas, ainda busquemdeterminar pautas, a batalha já foi vencida pela iniciativa privada. Minha autocrítica é que não há um processo de disputa por dominar a educação enquanto ferramenta constitutiva do pensar social. Ela já está dominada. É um setor indispensável para a burguesia e por isso já é uma pautafechada.

Exemplo disso são as próprias temáticas educacionais defendidas pelos neoconservadores religiosos como o Escola Sem Partido ou o Ensino Domiciliar que viraram pautas mortas, fracassadas, porque não contribuem para o lucro do setor econômico educacional. A dominação do Ministério da Educação já está efetuada pelo setor privatista.Pode haver uma competição para ver quem é que convence o próximo governo a seguir algumas pautas mais superficiais-nas aparências- porque internamente, na essência do MEC, quem dita as regras é a burguesia educacional. E é nesse sentido que a bancada evangélica e militar não é antagônica ao setor privatista da educação como afirmei no artigo anterior citado.

O caso aqui, envolvendo o ministro da educação e os pastores, não expressa a “disputa por dominação” na educação, e sim algum tipo de conflito interno. Quem vazouo áudio do ministro teve aintenção de desestabilizar a pasta, para então ocupar o lugar dos pastores no recebimento de verbas?Pode ser a disputa pelo pedaço do bolo. Mas também pode ser só mais um circo para passar mudanças assim como passaram o Novo Enem, e nem percebemos. Pode ser um bocado de coisas, mas com certeza é mais um de tantos casos de corrupção no governo de Jair Bolsonaro e que deve ser tratado com atenção na sua totalidade. Pois enquanto nos concentramos em pequenos acontecimentos, o trator passa em silênciolá em Brasília.

Agora vamos aos fatos: na penúltima semana de março, o jornal Estado de São Paulo afirmoua existência de um "gabinete paralelo" de pastores, que não tem vínculo com a pasta institucional, e que mesmo assim são atuantes dentro do governo Bolsonaro. Em um áudio fabuloso, o pastor Ministro da Educação Milton Ribeiro afirma que o governo prioriza pedidos de verba para dois pastores - Gilmar Santos e Arilton Moura - que não são agentes públicos, porém, são “especiais” para o governo de Jair Bolsonaro.

O senhor pastor Arilton é secretário da entidade evangélica Convenção Nacional de Igrejas e Ministros da Assembleia de Deus no Brasil em Cristo para Todos. O senhor pastor Gilmar preside essa mesma instituição. Ambos trabalhavam ativamente, e provavelmente continuarão trabalhando, para conseguir reuniões entre prefeitos e o Ministério da Educação. A prefeita Marlene Miranda, da cidade de Bom Lugar no Maranhão, foi uma das pessoas a conseguir uma reunião através dos pastores. Ela teve seu pedido de verba atendido em 16 dias.

Os pastores atuantes como intermediários externos obtiveram aproximadamente 9.7 milhões de reais em verbas do Ministério da Educação. Um total de 48 municípios foram “agraciados” desde 2021, após fazerem parte das negociações comandadas pelos dois pastores. Só no mês dezembro foram acordados termos de compromissos (que antecedem a efetivação do contrato) entre 9 prefeituras e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) de 105 milhões de reais. Todos os contratos acordados foram acertados depois de encontros com os pastores.  Temos aqui prefeitos que se encontram com pastores que nada tem a ver com as instituições do Estado, mas que são amigos pessoais de Jair Bolsonaro. E a pedido do próprio Presidente da República deveriam ter os seus pedidos ao Ministério da Educação priorizados. Milton Ribeiro, como um bom cachorrinho da burguesia neopentecostal, aceitou o serviço.

Na gravação em que o pastor Ministro da educação conversa com os outros dois pastores “chegados” do presidente, o pastor Ministro diz que a sua prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam. Ora, que querido. Ele continua e diz que, "em segundo lugar, atender a todos que são amigos do Pastor Gilmar. Não tem nada com o Arilton, e tudo com o Gilmar. Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar", diz o nosso querido Milton Ribeiro. De acordo com o Correio Braziliense, "a fala teria sido dita durante uma reunião dentro do MEC e, no momento, Ribeiro falava sobre o orçamento da pasta, cortes de recursos da educação e a liberação de dinheiro para obras. Estavam presentes prefeitos, lideranças do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e os dois pastores."

Nada é tão ruim que não possa piorar. Logo após o áudio do ministro Milton com os pastores, surge outro escândalo. De acordo com o prefeito Gilberto Braga (PSDB) da cidade de Luis Domingues no Maranhão, em 2021 o mesmo pastor Arilton Moura pediu, pasmem, ouro como condição para liberar verbas do Ministério da Educação para a prefeitura construir creches e escolas. Sim, propina em ouro! A denúncia do prefeito Gilberto Braga só reafirma o caráter inescrupuloso e bandido de uma parcela desses senhores de Deus que vivem de mãos dadas com políticos conservadores, inseridos nas instituições do Estado, buscando tirar o maior proveito possível do dinheiro público com negociatas ilícitas promovidas pelo próprio Presidente Jair Bolsonaro e o Ministro Milton Ribeiro.

O pastor Arilton Moura disse ao prefeito: "Traz um quilo de ouro para mim". Para o jornal Estadão, o prefeito Gilberto Braga afirmou que além do pedido de propina, o pastor Arilton disse que precisava averiguar a demanda do prefeito: "de 10 milhões ou mais, tinha que dar 15 mil para ele só protocolar". Ou seja, seria preciso pagar 15 mil reais ao pastor para que ele protocolasse um pedido de verba no Ministério da Educação para a prefeitura. Continua o prefeito Gilberto Braga ao Estadão: "E na hora que o dinheiro já tivesse empenhado, era para dar um tanto, X. Para mim, como a minha região era de área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro".

Arilton, secretário da entidade evangélica Convenção Nacional de Igrejas e Ministros da Assembleia de Deus em Cristo para Todos está articulando há meses dentro do Ministério da Educação, sem ocupar nenhum cargo oficial, procurando prefeituras para garantir verba do ministério para construir escolas e creches em troca de propina - em dinheiro ou em ouro. Ouro este, aliás - agora palavras minhas - que provavelmente tem origem de garimpo em terras indígenas. Afinal, é sempre bom lembrar que o governo Bolsonaro defende de unhas e dentes a mineração. Lembremos do Projeto de Lei 191/2020 que possibilita mineração, agronegócio e obras de infraestruturaem terras indígenas.Ogoverno de Jair Bolsonaro que desde 2019 tenta abrir essas terras para a exploração de mineradoras, em 2021 solicitou a Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, prioridade na votação da PL. Brasília virou um palco para a destruição da terra e do povo brasileiro. Mineradoras e o garimpo, desmatamento para o agronegócio, a indústria dos fertilizantes revirando terras em busca de potássio e fosfato. Chegamos à conclusão de que o governo de Jair Bolsonaro (não digo em tom de novidade) é o governo do dinheiro, do lucro e do ouro em detrimento da saúde e da vida, da terra e povo.

Sem falar do papel das Forças Armadas, que enquanto instituição hoje é quase um partido político que lota o Governo Federal ocupando milhares de cargos estratégicos, e que na maior parte do tempo ignora as invasões em terras indígenas, os garimpos ilegais dentro da floresta amazônica. Gostaria de refrescar a memória da leitura novamente, lembrando aqui que o Exército é o único vendedor de bombas utilizadas pelos garimpeiros, os mesmos que em 2021 invadiram quatro comunidades Yanomami na região de Palimiu em Roraima com barcos, atirando contra a comunidade e usando bombas de gás lacrimogêneo. Lembram quando centenas de balsas de dragagem do garimpo que lotaram o rio Madeira e as Forças Armadas demoraram horas e horas para agir? Pois bem, faço questão de relembrar tudo isso.

Agora vamos voltar ao Ministério da Educação e aos grandesamigos do Milton Ribeiro e do Presidente Jair Bolsonaro. Se tudo aquilo ocorreu em abril de 2021, há quase um ano, imaginem vocês o que ocorre dentro dos corredores do governo de Jair Bolsonaro? Mas convenhamos, é engraçado o nome de "gabinete paralelo" que alguns jornais dão às pastas do Governo Federal. Engraçado pois simplesmente isso é o que o governo de Jair Bolsonaro sempre fez - não respeitam nem as regras das próprias instituições burguesas. Todas as pastas (provavelmente) mantêm uma equipe fora da formalidade institucional para obter vantagens para seus amigos.

O Ministério da Educação é só mais um caso. Pessoas que não são oficialmente agentes públicos concursados, eleitos ou nomeados atuando ativamente dentro do Estado. São militares, pastores e economistas compondo o MEC, dando as diretrizes e os rumos da educação brasileira. Não tem nada de paralelo pois não há outro ministério. Esse é, de fato, o ministério que temos. É um desprezo incalculável aos profissionais e a comunidade educacional como um todo. É uma afronta, uma vergonha e um total absurdo que um ministro faça uma de suas prioridades, "atender todos os que são amigos do pastor Gilmar".

Mas deveríamos mesmo nos surpreender? Lembrem-se que em 2021 o grandioso ministro Milton Ribeiro foi acusado de praticar tráfico de influência para defender a UniFil de Londrina, universidade presbiteriana - assim como o ministro. Grande homem religioso. Ele é acusado de ter procrastinado acerca de uma denúncia contra o centro universitário privado que foi acusado de fraude no Enade. É o mesmo Ministro da Educação que disse: "universidades deveriam, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade".

Querem lembrar mais? Milton Ribeiro também já disse que "o adolescente que opta por andar no caminho do homossexualismo vem de famílias desajustadas". Também falou que 12% das crianças PCD, que têm algum grau de deficiência, são de impossível convivência. Esse é o Ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro, o representante máximo da educação burguesa. Mais uma do grande Milton? Ele falou que ser professor é: "ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa". Vamos parar por aqui, esse é o nível do ser humano que é chefe do Ministério da Educação, o defensor do gabinete da bíblia, um senhor de Cristo.

E não se enganem! É o estado burguês que sustenta essas pessoas (pastores, militares e empresários) nas cúpulas do governo brasileiro, pois cumprem sua agenda neoliberal e neoconservadora. Condicionam a ferramenta mais importante da formação da consciência social, a educação, para ser uma arma pedagógica formadora de mão de obra barata e técnica quando necessário. É essa a educação do estado burguês e para isso que ela serve. Eu nem vou entrar no mérito da laicidade do Estado e toda essa questão, pois sinto que é uma pauta saturada e já sabida. Há uma precarização brutal das instituições educacionais e dos processos pedagógicos, opressores e tecnocratas.

De acordo com o IBGE, o ensino médio é a etapa educacional com mais evasão escolar - 11,8% de jovens de 15 a 17 anos estavam fora das instituições educacionais em 2018. Isso dá em torno de 1,2 milhões de jovens fora das escolas. Também podemos lembrar das Universidades Federais que perderam 12% dos seus recursos durante o governo de Jair Bolsonaro. Temos o ENEM, que já é problemático, e agora teve seus piores números e ainda vai passar por uma nova mudança que irá precarizar ainda mais o acesso do povo a universidade. Falando em reforma, a própria reforma do ensino médio aplica o pauperismo gigantesco no ensino crítico.

De onde escrevo, aqui no Rio Grande do Sul, o Cpers (Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul) está fazendo inúmeras denúncias sobre o descaso do governador Eduardo Leite para com as escolas estaduais. Problemas estruturais como falta de água, rachaduras, telhados quebrados, muros destruídos, falta de iluminação, entre outros, além, é claro, a ausência de professores. Vários diretores e diretoras estão postando vídeos demonstrando a realidade das escolas estaduais, mostrando também como o governador Eduardo Leite mente ao dizer que as escolas estão preparadas para voltar a atividade. Escola para quem, governador?

Alguns vereadores daqui de Pelotas também estão fiscalizando e expondo as condições precárias das escolas municipais, como a vereadora Fernanda Miranda (PSOL) e o vereador Jurandir Silva (PSOL), que postam a cada semana em seus Instagram o descaso da prefeitura da Paula Mascarenhas (PSDB) com a educação municipal e do Eduardo Leite com as escolas estaduais. É difícil saber qualé a linha que divide a ineficiência burocrática e o descaso proposital do município e do estado com a educação pública.

Voltando à totalidade: qual será a relação entre o Governo Federal, as prefeituras e as entidades evangélicas Convenção Nacional de Igrejas e Ministros da Assembleia de Deus Cristo para Todos? Quais são os propósitos dos pastores dentro das instituições de Estado? Qual o interesse de Jair Bolsonaro e Milton Ribeiro em manter esses dois indivíduos articulando dentro do Ministério da Educação? Pois, outra fala interessante de se analisar neste áudio é a fala do pastor Ministro da Educação Milton Ribeiro onde ele diz: "Apoio... Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível]... é apoio sobre construção das igrejas".

O que isso me parece é que o Ministério da Educação está servindo como bancada para fazer algumas trocas e negociações. A lógica parece ser a seguinte: o ministério libera a verba para as prefeituras e elas apoiam a construção de igrejas.  Será então que estão usando dinheiro público para construções de igrejas? Essa combina muito bem com algumas demandas da bancada da bíblia que Bolsonaro defende dentro do Palácio do Planalto. E para terminar, ouso brincar de prever o futuro: a argumentação (caso venham a dar alguma justificativa) que servidores do MEC, o Milton Ribeiro ou os pastores negociadores irão usar é que essas igrejas irão abrir escolas. E que essas escolas vão atender a sociedade - escolas essas que serão privadas e utilizarão o esquema de voucher, em que o estado burguês vai sustentar vagas e promover o lucro para esses senhores de Deus.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL), presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) disse que conversou com o ministro Milton Ribeiro sobre a atuação dos pastores que controlavam a verba dentro do MEC. Ele afirmou que está esperando explicações do ministro Milton e prometeu se pronunciar até hoje pela manhã (dia 23/03), mas até então nada. O ministro Milton teve a cara de pau de dizer que Bolsonaro não "ordenou" atendimento a ninguém, e negou favorecer os pastores. Disse que o presidente Jair Bolsonaro não solicitou atendimento para ninguém, e sim apenas "receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem". Esse é o Ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro. Um cara de pau, mentiroso e oportunista. Mal caráter. Digno representante de uma escória política e religiosa.

Odeputado presidente da FPE afirmaque o ministro não foi indicação da Frente, e que “nenhum dos ministros evangélicos do governo teve a indicação da FPE. Logo, se não temos indicação, não temos que pedir troca do que nunca indicamos". De acordo com o UOL Notícias, o excelentíssimo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) disse que “não pode haver dúvidas sobre o trabalho do ministro Milton Ribeiro.” Ainda por cima, Lira, (outro cara de pau) disse que não ouviu o áudio do Ministro da Educação atendendo os pastores. Não tenho palavras para descrever a repulsa que tenho desses atores políticos e religiosos que estão lotando as instituições e o governo brasileiro, completamente aliados à burguesia e suas exigências, condicionando todas as esferas públicas aos seus interesses, procurando a garantia de reprodução dos seus privilégios em detrimento proposital e muito bem planejado da vida do povo brasileiro. Reafirmo que a “disputa” é apenas na superficialidade política e institucional, entre empresas privadas neoliberais, neoconservadoras aliadas às igrejase vice-versa.

Precisamos combater com todas as forças essa pedagogia dos tolos, como diz o camarada Leonardo de Andrade. Não cansarei de repetir: devemos pautar e promover o debate crítico, expor essas contradições das condições concretas da vida do povo brasileiro. Não apenas sobre a educação, mas sobre todas as esferas institucionais, as quais determinam e interferem diretamente na nossa vida e no nosso processo histórico de desenvolvimento enquanto classe. Onde dominam como propriedade sua a produção e o suor da classe trabalhadora que cada vez tem menos acesso ao alimento, combustível, moradia decente, roupa, energia elétrica, transporte, segurança, educação, água potável. A própria paz de viver em sociedade, de ser.

Devemos instigar o debate público, puxar conversa com os amigos, dialogar. Devemos nos organizar politicamente cada vez mais, inserir-nos na vida cotidiana da classe trabalhadora e com o povo trabalhar em conjunto nesse processo de desmistificação e desnaturalização da ideologia neoliberal. Ideologia essaque a classe burguesa aliada à grande mídia, ao Partido Fardado, às igrejas evangélicas, às instituições de Estado e seus líderes como Jair Bolsonaro, Milton Ribeiro, Paulo Guedes, Eduardo Leite e Paula Mascarenhas estão trabalhando a todo vapor para garantir a manutenção e reprodução dos privilégios econômicos e da dominação de classe. São inimigos da classe trabalhadora e do povo brasileiro.

Compartilhe nas redes sociais