Movimento de Estudantes Indígenas da UFRGS ocupa prédio por moradia estudantil
Entrevista feita por Theo Dalla, secretário político do núcleo UFRGS da UJC e estudante de jornalismo, com edição do camarada Lucas Schneider, estudante de filosofia.
No domingo (6), começou uma mobilização do Coletivo de Estudantes Indígenas da UFRGS pela retomada de um prédio abandonado da Prefeitura de Porto Alegre, para que se construa uma Casa de Estudantes INDÍGENAS. As reivindicações por assistência estudantil que compreenda as necessidades específicas dos povos originários existem há anos, desde a implementação da política de cotas. O movimento de retomada acontece após anos de conversas e tentativas de conquistas pelas vias institucionais, que nunca resultaram em nada. O Jornal O Poder Popular conversou com duas estudantes indígenas, Viviane Kaingang, estudante de Direito e membra da Comissão Nacional de Estudantes Indígena, e Tailine Kaingang, estudante de Odontologia e membra do Coletivo Indígena da UFRGS. Confira a entrevista na íntegra.
Jornal O Poder Popular: Por que essa ocupação está acontecendo?
Viviane: Essa ocupação está acontecendo porque, desde a entrada dos primeiros estudantes indígenas na UFRGS, sentiu-se a necessidade de uma moradia específica para estudantes indígenas. Por que essa moradia? Essa moradia é muito importante porque dentro do espaço em que a gente reside hoje, que é a Casa do Estudante Universitário (CEU), que é de todo mundo, a gente não tem o nosso espaço indígena, a gente não é bem recebido como indígena nesse espaço. Uma das nossas principais críticas quanto a esse espaço é justamente porque as nossas mães não têm acesso a esse espaço com seus filhos. Há sempre essa condição de que você pode entrar, mas você não pode levar seus filhos. Isso limita muito a gente, porque não é da nossa cultura, não é nosso que a gente deixe as nossas crianças, nossos familiares, nossas lideranças, nossos kuiãs de fora desses espaços. A gente precisa da nossa comunidade, do contato com os nossos. Essa é a principal questão, mas também tem outras, como a gente já sofreu vários tipos de preconceito, discriminação, racismo, porque não é bem-visto nosso modo de viver coletivamente dentro da CEU. A gente não pode simplesmente conversar dentro do nosso quarto porque o nosso colega não entende que a gente precisa do nosso momento coletivo ali, ele vem, confronta a gente, humilha a gente de certa forma, e isso a gente já está cansada de ouvir, a gente já está cansado de esperar, esperar, e nunca ter uma resposta concreta.
Jornal O Poder Popular: Uma das principais reivindicações é sobre a questão das mães estudantes. Já aconteceu algum caso de violência contra mães indígenas nas casas de estudantes da UFRGS ou de outras universidades aqui do Rio Grande do Sul?
Viviane: Na maioria das universidades, por ser uma cultura completamente diferente, tem vários episódios. Mas aqui na UFRGS, que a gente tem um pouco mais de domínio para falar, recentemente, por exemplo, com essa volta parcial das aulas presenciais, a nossa colega voltou para Porto Alegre e ela dividia o quarto com uma colega branca, e essa colega branca não permitiu a entrada dela no quarto porque ela tinha o filho dela. Isso fez com que ela tivesse que procurar outro lugar, fora da UFRGS, com o seu próprio dinheiro, para poder se manter com seu filho. Esse foi um dos episódios, teve outros também. Uma outra nossa colega que estava grávida, a gente teve o momento de fazer nossa confraternização com a vinda do bebê, comemorar a vinda do bebê, e nesse mesmo dia a gente sofreu um embate direto com os nossos colegas, por causa da nossa junção, do nosso coletivo. Foi muito estressante, porque ela estava no final do período de gestação, foi muito crítico, ela sofreu muito. Foi uma situação horrível para ela. Dentre outras situações que as mães já vem presenciando desde as primeiras estudantes.
Jornal O Poder Popular: Por que ocuparam esse prédio aqui em específico?
Viviane: A gente tentou mapear a maioria dos prédios que estavam em domínio da UFRGS, desocupados, e esse seria um ponto estratégico por conta da visibilidade que ele traz, por conta de ser do lado da reitoria. A reitoria tem que nos ver. Hoje vivem dizendo “não é da UFRGS, é da Prefeitura, é da Prefeitura, não é da UFRGS”, mas a gente sabe que em algum momento passou pra UFRGS, e a UFRGS nem sequer cogitou talvez passar esse prédio pra gente. E não só isso, também dentre tantos que estão vazios e que não têm utilidade nenhuma para a UFRGS em si, e a UFRGS não pensa em disponibilizar esse espaço pra gente. Então foi um espaço estratégico justamente pela visibilidade, por ter esse embate direto com a reitoria, com o campus da reitoria que está aqui em frente.
Jornal O Poder Popular: E como o ensino remoto, todo esse período da pandemia, afetou especificamente os povos indígenas que são estudantes da universidade?
Tailine: Creio que a pandemia afetou todos nós de uma forma muito negativa. E também limitou todos nós como estudantes, principalmente pra gente seguir adiante com as nossas demandas do dia a dia na universidade. Por isso que a gente resolveu trazer essa demanda justamente agora, porque é uma necessidade extrema, tem muitas pessoas novas, tem muitas mães que estão retornando para a casa do estudante. Então a gente precisa desse espaço, a gente precisa que elas fiquem em um lugar seguro com seus filhos sem correr nenhum risco. Então afeta muito a pandemia também não só no nosso aprendizado mas também como na nossa vivência, pois a gente é acostumado a viver como um coletivo, com nossas crianças, com nossos anciãos, com todo mundo, a gente sempre vive reunido. Então nisso afetou muito a gente também. A CEU em si também limita esse convívio nosso juntamente pois a gente divide o espaço. Então por isso que a gente reivindica um espaço que seja só nosso, para a gente praticar nossa cultura, praticar nosso artesanato, receber nossas lideranças, receber nossos anciãos. Então não só a pandemia afeta, mas como o dia a dia na casa dos estudantes não indígenas afeta muito também.
Jornal O Poder Popular: Quem está organizando aqui a ocupação?
Tailine: É o Coletivo dos Estudantes Indígenas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A gente se uniu como coletivo e viu essa necessidade, pois já é de muitos anos. Então hoje a gente vai fazer essa retomada e a gente não vai sair daqui até que a gente tenha uma resposta concreta da universidade, pois já é uma demanda de muitos anos que só vem sendo falado e falado e nada vem sendo feito. Então a gente decidiu que a gente vai fazer essa ocupação e a gente não vai arredar o pé daqui até a gente ter uma resposta concreta da UFRGS. A gente necessita dessa resposta, porque a moradia é muito importante para a nossa permanência. Não adianta a universidade oferecer vagas pra nós e não dar meios para a nossa permanência.
Jornal O Poder Popular: Como é que o movimento avalia essa posição da reitoria, tanto dessa reitoria quanto das anteriores, de nunca ter dialogado com o movimento para ver quais são as demandas específicas dos povos indígenas? Até porque essa é uma demanda que existe há bastante tempo, não é de hoje.
Tailine: Sim, essa é uma demanda que existe desde os primeiros estudantes que entraram na UFRGS, pois sempre em sua maioria foram mulheres, mães que sempre lutaram por esse espaço e sempre foram levando e levando e nunca foi adiante. Mesmo tendo sido o reitor atual ou outros reitores, nunca foi levado, a gente nunca é recebido, com a CAF (Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas) a gente também não tem um bom diálogo, inclusive agora também a gente não tem muitas respostas. E a gente está procurando cada vez mais essas respostas. Então nenhum dos órgãos da UFRGS a gente tá aguardando, mas a gente nunca obteve um diálogo, porque se a gente obtesse a gente já teria uma casa do estudante há tanto tempo, desde que se iniciou as ações afirmativas aqui na UFRGS.
Jornal O Poder Popular: Como que o Coletivo, o Movimento, avalia que deve ser a universidade para compreender a cultura, as necessidades dos povos originários dentro da universidade?
Tailine: Uma universidade é para todos. Então a gente tem que respeitar o modo de vida e dar o suporte para que esses povos possam estar nesse meio juntamente, e que todos possam viver coletivamente bem, assim como nós indígenas, assim como os não indígenas. Então eu acredito que devam ser atendidas as demandas de cada um, pois são necessárias. A gente está aqui no contexto urbano, mas a gente ainda carrega conosco a nossa cultura que é muito importante para a nossa permanência aqui, pois vivendo como um coletivo é a nossa forma de permanecer dentro da universidade, pois com tanta descriminação, com tanto preconceito, a gente precisa dos nossos colegas, a gente precisa dos nossos filhos, a gente precisa das nossas lideranças para estarem dando esse apoio e esse suporte pra gente.
Jornal O Poder Popular: O que a ocupação está precisando agora? Para fazer um chamado mais geral para a população nesse momento.
Tailine: Toda forma de apoio, sendo aqui presencial, mandando doações, a gente tem chave PIX rolando, a gente precisa de doação de comida, de material de higiene, limpeza, fralda, a gente tem muitas crianças aqui junto pois eles também fazem parte dessa luta junto conosco e estão todos aqui conosco: nossas crianças, nossos anciãos. Cobertas, colchões, roupas, toda forma de ajuda é bem-vinda. E qualquer pessoa que vier aqui a gente vai receber muito bem e vai estar dialogando com todo mundo igualmente.
Viviane: A participação de vocês é muito importante nessa luta, porque, como a minha parente falou, é uma luta coletiva. Para a universidade ser plural de fato, ela precisa respeitar a diferença de todos os povos que nela estão.
Chave PIX para doações: 54996265542 (Viviane Belini Lopes)
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