Por Ian Kelvin Mattos Costa
Busco fazer uma breve explanação sobre como o tema educação foi abordado no primeiro debate presidencial de 2022 que aconteceu no dia 28 de agosto - tendo em vista além disso a exclusão da candidata comunista Sofia Manzano pelo PCB. Aquele show de horrores onde os candidatos não apresentaram nenhuma proposta concreta para a classe trabalhadora, ignoraram assuntos necessários e promoveram apenas discursos de senso comum (imersos no passado ou em um mundo mágico), despolitizante e acrítico. Não abordaram temas concretos do cotidiano, apenas números, porcentagens e estatísticas ilusórias e muitas vezes mentirosas. Após a fala do ex-presidente Lula (PT) sobre o ProUni ter revolucionado a educação no Brasil, decidi escrever esse texto.
A pauta educação rendeu algumas pérolas bizarras neste debate. Começamos com a jornalista da Band afirmando em uma questão para os candidatos Lula e Ciro (PDT) que a educação brasileira está nas últimas posições nos testes internacionais de avaliação da qualidade do ensino. A jornalista disse que com a pandemia houve um retrocesso de quinze anos no aprendizado de matemática e dez anos para o aprendizado de português. Ela trouxe na pergunta aos candidatos o conceito “geração covid” para classificar as crianças “condenadas” a baixos salários e subempregos por causa do “retrocesso” causado na pandemia.
Ou seja, a classe trabalhadora que foi prejudicada pelo pauperismo da educação pública promovida pelo Estado Burguês estaria condenada a um “fracasso”. Veja como a mídia burguesa alimenta um discurso pronto, que começa pelo uso de parâmetros internacionais para analisar a realidade concreta brasileira sem pesquisa no território nacional. Cabe perguntar: como foi feita essa análise sobre o tal retrocesso de quinze anos no aprendizado? Como se educação não fosse um processo contínuo de desenvolvimento e aprendizado, como se não existissem pessoas com 80 anos que depois de 60 anos sem estudar, voltam e entram para cursos superiores e se formam tranquilamente. Ninguém está condenado ao fracasso educacional.
Mas vamos elaborar, primeiro ponto sobre essa suposta condenação ao fracasso: quem sofreu durante a pandemia e ainda sofre com o empobrecimento das instituições públicas de educação é a classe trabalhadora. Segundo, as pessoas são levadas a um tipo de "fracasso" pelo processo de socialização na sociedade capitalista. O que é esse fracasso? É não tornar-se uma unidade de mão de obra para alimentar o capital? Entretanto, só existe esse processo de condenação ao fracasso nos moldes da sociedade capitalista. Esse fracasso é promovido pelo processo sistemático, desde a desigualdade brutal no acesso à educação, passando pelo pauperismo estrutural das instituições de ensino até o tal fracasso de não conseguir emprego por causa da escolaridade, por exemplo. Mas ainda com todos os obstáculos que limitam o desenvolvimento do ser social dentro da estrutura capitalista, não existe ninguém condenado ao fracasso por causa do “atraso” gerado pela pandemia. Até porque quem gerou e gera esse suposto problema de desenvolvimento intelectual e social de uma classe em específico não é um vírus e sim a própria sociedade burguesa e o sistema capitalista em sua socialização.
Sobre essa questão, o candidato Lula afirma que não tem informação do MEC para saber os níveis de educação atualmente. Também disse que existem dois tipos de estudante: os que tiveram acesso a computador e estudaram durante a pandemia e os que não tiveram acesso a essas infovias e não conseguiram estudar. Também citou a evasão no Ensino Médio e disse que no seu governo ele “quintuplicou os gastos com educação”. Na verdade existem dados sim, informações de pesquisas das próprias Universidades Públicas onde afirmam que em torno de 7 milhões de crianças foram excluídas das escolas e proibidas de participarem de quaisquer processos de educação durante a pandemia por dificuldade de acesso a ferramentas como celular, tablet, computador e internet. Sendo esse problema de responsabilidade total do Estado brasileiro. Outro ponto, Lula afirma que quintuplicou a verba para educação, como um bom liberal, fala uma coisa e esconde outra. Lula só esqueceu de citar que a maior parte desse repasse de verba agraciou mais as instituições privadas com ProUni e FIES e não a educação pública.
Já Ciro Gomes, ao falar sobre educação, afirma que o Ceará tem a melhor educação pública do Brasil e que ele ajudou a produzir isso. Afirmou que das 100 melhores escolas públicas do Brasil, 79 ficam no Ceará. Disse que os problemas da educação brasileira não começaram agora (com razão), afirmou que o descuido no trato da educação brasileira é um projeto de governo. Ciro disse que é preciso mudar o padrão pedagógico, trocar o “decoreba por ensino emancipador que os tempos digitais pedem” (?) e reforçar estruturalmente o financiamento da educação brasileira. Ciro não mentiu quando afirmou que o Ceará lidera o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), também tem 9 das 10 melhores escolas no IDEB.
De acordo com o pedagogo e professor de história Leonardo de Andrade, a região do estado do Ceará e o nordeste por si mesmo tem uma cultura educacional e pedagógica bastante diferenciada do resto do Brasil. Parcialmente, ligado ao trabalho do patrono da educação brasileira, há uma influência histórica da pedagogia emancipatória de Paulo Freire em grande parte dessa região, não só no currículo educacional mas também na gestão democrática e nos movimentos estudantis em si. Outra questão histórica que conta para a cultura educacional da região também é o histórico colonial, o que no sul e sudeste abarca uma cultura pedagógica jesuítica muito forte. Essa cultura educacional histórica é fundamental para o que Ciro cita como sucesso político.
Seguindo no debate sobre educação, o candidato (ultra mega) liberal Felipe D'ávila (NOVO), o que chamou a Lei Maria da Penha de “Maria da Paz”, ao fazer uma questão para Ciro, afirma que se não houver uma “melhoria real na educação não haverá um aumento de produtividade e sem produtividade o Brasil não consegue crescer e gerar emprego nesta era do conhecimento”. Além disso, afirmou que o Brasil gasta 5,8% do PIB com educação há tanto tempo e as “crianças continuam não aprendendo, os professores continuam não ensinando”. O candidato faz jus ao seu partido. Dotado de conceitos como produtividade e era do conhecimento para abordar educação. Primeiro, cidadãos como este enxergam a educação como ferramenta para criação de mão de obra em seus variados níveis de formação. Para esses neoliberais, deve-se formar uma massa de sujeitos conformados com o estado de coisas presentes na sociedade capitalista, legitimando suas formas de ser e de ver o mundo, até sujeitos especializados em formações intelectuais um pouco mais complexas para serem administradores do Estado Burguês e as suas instituições - que são instrumentos de garantia da segurança da propriedade privada, da acumulação de riqueza feita através da exploração e da reprodução deste processo. Isso é educação para os liberais.
Segundo ponto, o candidato do NOVO fala que o Brasil gasta 5,8% do PIB, insinuando que o Estado brasileiro gasta muito com educação, vamos sempre lembrar do repasse de verba pública para o “mercado educacional”, financiando esse setor privado com dinheiro público. O candidato também cita a “era do conhecimento”, conceito pós-moderno onde há uma valorização do sujeito e que este deve “investir” em si, na sua autonomia, na sua criatividade e no seu talento. É a alimentação da ideologia burguesa, o individualismo e o empreendedorismo do sujeito que deve buscar o seu sucesso em um campo competitivo, a ideologia que busca a morte do ser social em coletivo. Buscam uma educação a serviço da reprodução do capitalismo, uma educação tecnicista que transforma o sujeito em “um capital humano”, o indivíduo com acesso à educação deve tornar-se apenas ferramenta de produtividade. Além disso, o candidato tem a pachorra de afirmar que as crianças continuam não aprendendo e os professores continuam não ensinando. Desonesto, brutalmente desonesto ao falar sobre o “fracasso da educação” sem apontar, criticamente, a estrutura social, econômica e política que promove esse “fracasso”, que é justamente o que o candidato defende, o capitalismo e suas modalidades de socialização.
Após isso, a resposta de Ciro traz uma baita contradição no discurso, quando fala coisas como “pedagogia da teoria digital, do mundo digital, do mundo do conhecimento” (Cirão tá maluco) ao mesmo tempo que utiliza conceitos e termos da pedagogia emancipatória de Paulo Freire. Há um conflito interno entre o Ciro liberal que finge ser o centro democrático e a enraizada influência pedagógica desenvolvida historicamente na região, como citamos anteriormente. Outra coisa, a aplicação de uma “pedagogia atrasada” é fruto do pauperismo gerado pelo capitalismo sob a educação pública e suas instituições. A grande maioria dos professores trabalham excessivamente, há uma precariedade nas estruturas físicas das escolas, além da ausência de equipamentos e materiais, falta de concurso e contratação de professores, pagamento do piso salarial etc. Como querem que apliquem uma educação e uma pedagogia dignamente se toda estrutura que deveria garantir isso está em frangalhos propositalmente?
Ciro também disse que o Brasil gasta per capita menos que o padrão da Europa e os EUA gastam e que estamos obrigados a competir com eles no mercado. Na tréplica, o candidato do NOVO afirma que o Brasil "desperdiça dinheiro público com a máquina pública”. Notem esse trecho, camaradas. Se o Brasil desperdiça dinheiro público na máquina pública, tem que gastar onde? Na máquina privada, é claro! É claro que a máquina pública a serviço do Estado Burguês para a reprodução e manutenção do capitalismo vai limitar o desenvolvimento de uma escola e uma pedagogia emancipatória para a classe trabalhadora, é claro que o liberal reacionário vai defender o repasse de verba pública para o setor privado. Mas cuidado, não é só o ultra liberalóide do Partido NOVO que defende esse processo, já já falaremos sobre o ProUni.
Felipe D’ávila afirma que deve-se investir na carreira do professor, que o “professor precisa aprender a dar aula, o curso de pedagogia precisa mudar completamente, é completamente arcaico” (nem vou comentar), disse que precisamos investir no ensino profissionalizante para “reter os jovens na escola” e mensurar o aprendizado do aluno e não ficar gastando dinheiro público na máquina pública. Felipe D’ávila mente ao afirmar que no “governo do PT teve muito gasto com educação, mas 50% das crianças não estavam não estavam devidamente alfabetizadas aos seis anos”. Quando Dilma saiu do governo, a taxa de não alfabetização infantil estava em 24,4%, em 2021 bateu os 40,8%.Os governos do PT aumentaram as taxas de alfabetização como nunca antes na história do Brasil, não o suficiente, mas elevou sim. Felipe D’avila também se engana ao bater nos cursos de pedagogia chamando-os de desatualizados. O que é falso, os currículos na sua grande maioria são bons, o problema é a aplicabilidade na educação pública precarizada pelo Estado Burguês, onde sequer pagam o piso salarial para os professores. Por fim, Ciro traz um ponto importante sobre a valorização profissional do magistério e erra ao tratar o professor como um técnico que deve ser treinado, Ciro também lembra que os governos do PT repassaram 40 bilhões de reais para o setor privado educacional, além de provocar dívidas do Fies. O que é verdade. Mas até agora, não há nenhum projeto concreto sobre educação para a classe trabalhadora.
Vamos seguir no debate entre os presidenciáveis, Simone Tebet (MDB) faz uma pergunta para a Soraya Thronicke (União Brasil) sobre educação. Soraya diz que a “primeira proposta é revolucionária"(que mania, hein?) seria isentar do imposto de renda todos os professores. Proposta horrorosa e superficial. Tanta coisa que podemos pontuar para resolver questões da classe docente e ela sugere isenção no imposto de renda, sério? Continuando, falou da valorização da profissão, disse que tem proposta em relação ao analfabetismo funcional, proposta de “metodologia autodidata”. Peraí, como se fosse possível construir uma metodologia autodidata, sendo que o processo de aprendizagem autodidata é o processo individual de desenvolvimento de uma metodologia particular, vinculada às suas individualidades, é um processo interno, não externo. Por isso não há como criar uma metodologia autodidata para as pessoas aprenderem sozinhas.
É incrível a ausência de análise sobre a realidade concreta para elaborar essas “propostas”. A candidata também falou sobre o uso da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) como meio de comunicação do Estado para passar aulas na TV e que só está sendo usada para propaganda eleitoral do governo federal. Outra proposta da candidata é “trazer a iniciativa privada para dentro da educação pública para ajudar”, claro. O neoliberalismo foi a única coisa que apareceu nesse debate, além do mundo mágico, do senso comum e da despolitização.
Tebet volta a falar sobre valorização do professor, sobre ensinar o professor a educar e ensinar, ou seja, já deu pra perceber que os candidatos querem um processo de domesticação do profissional da educação. Parece que toda culpa do “fracasso” da educação é do professor e não da estrutura gerada e administrada pela sociedade burguesa e pelo empobrecimento estrutural das instituições públicas promovidas pelo capital através do Estado para alavancar a presença e a dominação do setor privado. Voltando ao debate, a candidata disse que vai atacar o maior problema que é a evasão do Ensino Médio, tornando-o mais técnico e vai criar uma “poupança jovem” que no final do terceiro ano do médio o sujeito terá um dinheiro e vai poder “dar entrada em uma moto ou um celular” (para o jovem trabalhar de iFood?). Que proposta é essa de criar um fundo para os alunos do Ensino Médio? É uma ilusão, boba, infantil e fora da realidade concreta da educação brasileira, além de resolver zero dos problemas reais da classe trabalhadora.
Lula retoma a pauta da educação ao afirmar que quem criou o piso escolar foi ele. O que é verdade, foi ele que sancionou. Também afirma que aumentou o número de pessoas na universidade, o que é verdade. Afirma também que o ProUni foi uma revolução na educação brasileira. Não, o ProUni não é revolucionário e a proposta real desse texto é pra falar sobre isso. O ProUni foi uma medida de inserção da classe trabalhadora no ensino superior? Sim. É inegável. Mais pessoas tiveram acesso ao ensino superior? Sim. Porém, precisamos analisar de maneira mais ampla e não apenas o final da equação. O ProUni é uma medida problemática na medida em que o dinheiro público que deveria ser usado nas instituições públicas de educação e ciência passa a financiar grupos privados do setor educacional, ou melhor, do mercado educacional.
Faço graduação em Sociologia, sou bolsista 100% ProUni e afirmo: não tem nada de revolucionário. Tornou as Universidades Públicas ainda mais elitistas. É uma medida liberal que nos governos do PT abriu as portas da educação brasileira para o tal mercado educacional. Ao invés de promover a expansão democrática e acessível para a classe trabalhadora nas instituições públicas, foi escolhido o projeto que apreciava a burguesia nacional e internacional desses conglomerados do setor privado da educação. Financiando esses tubarões do mercado educacional com verba pública através do ProUni e Fies, automaticamente promoveu continuamente a deterioração da estrutura das instituições públicas, elitizando, pois, quem passou a entrar nas Universidades Públicas são aqueles que tem disponibilidade de tempo para estudar, quem não precisa trabalhar e quem teve uma escolarização formal de qualidade para entrar numa Universidade Pública dado o fato que o ENEM serve como filtro.
Esse processo causou e causa um empobrecimento ainda maior do ensino e da ciência no Brasil, pois essas instituições privadas não têm no seu horizonte a produção de ciência, aprimoramento do ensino e da pesquisa. Apenas querem promover seus lucros através da educação, ou seja, educação tornou-se mercadoria financiada pelo Estado através de repasse de verba pública para essas instituições privadas. Além disso, essa abertura que o PT fez para grande mercado da educação privada possibilitou a inserção desses grupos através de instituições e ongs dentro do Estado brasileiro, tomando as rédeas da educação brasileira como um todo, tomando as decisões sobre elaboração e aplicação de políticas públicas e de Estado para a educação brasileira, obviamente empobrecendo e prejudicando cada vez mais a educação pública e suas instituições em favorecimento do setor privado.
Nenhuma medida liberal é revolucionária, primeiro ponto: as instituições privadas não servem nem focam no estudo, pesquisa e produção científica. Vive apenas de aparência, pois sua essência é a promoção do lucro para esse mercado. Segundo: o ProUni é uma resolução do problema de acesso ao ensino superior totalmente superficial, que ignora todo processo que estou tentando explicar. Para além do que já foi dito sobre o financiamento deste setor privado, o ensino-aprendizagem, a socialização, pesquisa e produção científica é praticamente fictícia nessas instituições.
Outro ponto, dizem que os trabalhadores não têm tempo para estar nas Universidades Públicas, que elas são para a elite e por isso o ProUni é ótimo. Meus queridos leitores que pensam isso, por favor, vamos fazer um esforço dialético. É claro que a classe trabalhadora tem dificuldade de acesso às instituições públicas de ensino superior. Primeiro: porque sua escolarização é precária por causa dos ataques do Estado Burguês às instituições públicas de educação básica, é uma precarização forçada, é proposital para isso mesmo, para legitimar medidas como as compras de vagas com verba pública em instituições privadas.
Vamos dar uma pausa e fazer um exercício de imaginação: pensa-se na pandemia, no uso de leitos de hospitais. Quando ocupou as vagas de todo setor público, o Estado precisou utilizar do setor privado, por isso aluga leitos e manda os doentes do SUS para os leitos privados alugados, correto? O ProUni aparenta essa situação, a construção do discurso é o mesmo, não tem vaga nas Universidades Públicas, então vamos comprar vagas nas instituições privadas. Mas diferente da saúde e de uma pandemia que é um caso urgente que requer ação a curtíssimo prazo, o ensino superior público tem toda possibilidade de expansão de vagas e de estrutura física! Não há necessidade alguma do Estado financiar instituições privadas de ensino superior com dinheiro público com a desculpa de que precisa abrir vagas pra classe trabalhadora. Deve-se expandir as Universidades Públicas e colocá-las aos interesses da classe trabalhadora, isso sim.
Continuamos, segundo: uma educação básica pauperizada é para limitar o desenvolvimento da consciência crítica, do ver e pensar o mundo da classe trabalhadora, conformar o povo a um modo de ser e de agir, manter o mínimo do básico de uma educação para a criação de mão de obra e um exército industrial de reserva. Precisamos analisar a questão desde sua base, não do seu meio. O vestibular como o ENEM é outra medida para barrar a inserção dos mais prejudicados pelo processo educacional citado acima, se sua educação foi precária, sua nota no ENEM será baixa e você não vai conseguir entrar numa Universidade Pública (o que aconteceu comigo). Quem vai entrar pra Universidade Pública? Apenas aqueles que tiveram uma escolarização digna, com tempo para ler, estudar e pesquisar, quem teve acesso a uma escola com estrutura e professores sem atraso de pagamento, quem não precisou parar de estudar para trabalhar. O ENEM é mais uma forma de elitizar a instituição. Os horários dos cursos das Universidades Públicas não são feitos para a classe trabalhadora, mas não porque a classe trabalhadora não tem tempo. Mas para barrar o acesso mesmo. A questão é, porque a classe que produz a riqueza não tem tempo para estudar o que bem entender? Porque os jovens trabalhadores precisam decidir entre estudar ou trabalhar? Claro, nesse sentido abre-se a legitimação para as instituições privadas, flexíveis, fácil acesso, quiçá precisa ir uma vez por mês e em 4 anos tem um diploma válido.
Mas esse discurso é justamente a legitimação do pauperismo que a classe trabalhadora é submetida em todas as áreas. A Universidade Pública deveria atender todas as demandas necessárias para a classe trabalhadora. É uma falsa resolução de problema do acesso ao ensino superior com programas com um discurso de que é um projeto revolucionário para a educação, sendo que este processo todo é prejudicial para a educação e para a sociedade no geral, pois o ensino-aprendizagem é péssimo, a maioria das pessoas não tem tempo nem estrutura para se dedicar à pesquisa e a produção científica ou para desenvolver qualquer particularidade que esteja a fim. Qual é o papel da formação de ensino superior? Ser apenas um profissional especializado em produtividade? Qual é o papel das instituições de ensino superior? As Universidades Públicas devem estar alinhadas aos interesses da classe trabalhadora, aprimorando o ensino-aprendizagem, promovendo a pesquisa e a produção científica para o próprio interesse dessa classe. A Universidade, o ensino e a educação no geral, não devem ser partes de uma máquina de gerar lucro.
A classe trabalhadora deve ter direito ao tempo, tempo para sentar e estudar, tempo para ler e aprimorar suas individualidades, quaisquer que sejam. Tempo para se dedicar à pesquisa, tempo para fazer ciência, esse é o direito que o povo deve ter, acesso às estruturas públicas, alimentação, transporte e moradia digna. Acesso a livros, infovias para fazer pesquisa e estudar. O ProUni resolve o problema do acesso ao ensino superior? Parcialmente sim, de forma superficial e fraquíssima. Legitima o discurso de que a classe trabalhadora não tem tempo para estudar e precisa das instituições privadas de ensino, enquanto na verdade o que deve ser questionado é o motivo pela qual a classe trabalhadora não tem tempo e liberdade de estar na Universidade Pública, o que deve ser questionado é o motivo pelo qual as Universidades Públicas não são alinhadas aos interesses do povo. O que deve ser questionado é o motivo pelo qual os governos não resolveram o problema desde a sua raíz: expandindo as Universidades Públicas aos moldes e aos interesses da classe trabalhadora, reduzindo a jornada de trabalho para dar a liberdade do povo trabalhador escolher dedicar-se a outras funções ao seu desejo.
Notem, a quantidade de recursos públicos enviados às instituições privadas poderiam muito bem servir para expandir e inserir todos os estudantes que utilizaram o ProUni nas Universidades Públicas e assim também não encheria os bolsos do mercado educacional. Hoje, anualmente, um aluno da Universidade Federal custa em média R$ 32 mil à R$ 40 mil, o ProUni colocou 1,2 milhões de pessoas no ensino superior. Se pegarmos o custo anual do aluno da Universidade Pública e multiplicamos pela quantidade de aluno inserido nas instituições privadas através do ProUni, o cálculo dá quase de R$ 4 bilhões, o que é muito menos do que foi repassado de verba pública através ProUni e Fies para o mercado educacional. Por que não pegar esse recurso dado às instituições privadas e financiar a expansão da estrutura, ampliação de curso e possibilitando a inserção da classe trabalhadora na Universidade Pública?
Mas isso requer políticas de permanência desses estudantes da classe trabalhadora, moradia, alimentação, transporte e redução da jornada de trabalho. Para assim o trabalhador ter tempo e disposição para se inserir na socialização dentro das Universidades Públicas, para fazer ciência e pesquisa de verdade, caso queira. Por isso o ProUni é uma medida de curto prazo e fraca, pois apenas insere no ensino superior e não permite uma socialização cotidiana de estudo, de pesquisa, normalmente essas universidades são EAD, o desenvolvimento de pesquisa e produção científica são praticamente nulas, promovem apenas a reprodução de papers e provas objetivas. Quase não tem um ambiente social, de interação, de produção de conhecimento e saberes coletivos. E repito, seu foco não é a produção de ciência e saberes e sim a promoção do lucro e do acúmulo através da educação.
O ProUni não é revolucionário, é um projeto liberal de financiamento de um setor privado, enchendo os bolsos dos donos desses conglomerados do mercado educacional com dinheiro público. É preciso reverter essa privatização da educação e da ciência, barrar e retroceder o crescimento do setor privado da educação. Educação e ciência não são produtos. As Universidades Públicas devem estar condicionadas aos interesses do povo trabalhador, que devem ter acesso irrestrito e um projeto popular, no seu horizonte ter educação e ciência crítica. Universidades Populares, feita pela e para a classe trabalhadora, utilizando dos mecanismos de produção científica, ensino e pesquisa para buscar a emancipação dessa classe.
Esse debate expressou diretamente o trato neoliberal sobre pautas imaginárias, de Lula a Felipe D’avila. A ausência de propostas concretas reais para a classe trabalhadora foi gritante, principalmente para a educação, a exclusão da candidata camarada Sofia Manzano do PCB e do candidato da Leo Péricles da UP aumentou ainda mais a superficialidade do debate, assuntos imersos no senso comum do mundo neoliberal com toques de fascismo com Jair Bolsonaro, o qual é claro não falou de educação, até porque ia falar sobre o que? Sobre bíblias sendo distribuídas no MEC? Sobre os amigos pastores e as barras de ouro que valem mais do que dinheiro? Ou sobre os quatro ministros incríveis que Jair escolheu para o MEC durante sua gestão?
Bom, eu fico com o Programa Político do PCB, onde para a educação está proposta a revogação da Reforma do Ensino Médio e da lei das escolas cívico militares. Criação de um programa nacional de alimentação escolar para toda a educação básica. Fim do vestibular e estatização das instituições de ensino superior. (O que é maravilhoso) Construção de creches nas universidades públicas federais. Destinação da maioria das vagas das universidades públicas para os alunos de escolas públicas, principalmente os de baixa renda. Viram só? Nesse pequeno trecho podemos apreender propostas reais e concretas para a classe trabalhadora, sem mistério. Viva as candidaturas comunistas.
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