Em defesa do Plano Diretor de Belo Horizonte e para além dele!
Por Ana Vieira, militante do PCB em Minas Gerais e Isabel Zerbinato, militante da UJC/UFMG e coordenadora do Diretório Acadêmico da Escola de Arquitetura e Design (DA.EAD)
Perspectivas sobre o direito à moradia e rumo à construção da Reforma Urbana popular.
Nos últimos meses, o empresariado dos setores imobiliário e da construção civil, junto a seus aliados parlamentares na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), têm orquestrado diversos ataques ao Plano Diretor de BH com o objetivo de cercear os espaços de debate popular sobre o desenvolvimento da cidade e flexibilizar a Lei em benefício do capital privado e em detrimento dos verdadeiros interesses da população belorizontina, que pouco encontram respaldo no âmbito do poder público e da institucionalidade burguesa.
As primeiras movimentações nesse sentido, ministradas pelo presidente da CMBH, Gabriel Azevedo (sem partido), junto à Federação de Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), podem ser acompanhadas na matéria Contra a intervenção do empresariado no novo Plano Diretor de BH! d’O Poder Popular MG. O texto apresentado à Câmara propõe revisões do funcionamento dos instrumentos urbanísticos de justiça social, historicamente conquistados por movimentos sociais urbanos, que disfarçadamente se inserem no chamado “pacote de medidas para o desenvolvimento” para a cidade, sob falsas alegações de “facilitar a construção de habitações de interesse social”. As consequências concretas dessas medidas, na realidade, apontam para o sentido oposto, uma vez que os seus propositores se aproveitam da fragilidade dos mecanismos previstos em lei para diminuir os custos da construção de moradias de alto padrão e para elevar os lucros imobiliários enquanto enfraquecem o Plano Diretor, legislação aprovada em 2019 após intensa mobilização popular.
Nos últimos três meses, uma série de mobilizações populares pressionou pela manutenção do texto original do Plano Diretor apontando a inconstitucionalidade da proposta, que atropela os espaços de debate participativos exigidos ante qualquer alteração nos planos diretores municipais, direito garantido pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257 de 2001). Em resposta, às ofensivas se intensificaram e, desta vez, assumem como estratégia outra manobra institucional: o Projeto de Lei apresentado pelo prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), em 06 de março (PL 508/2023), visa legitimar alterações no Plano, em favor dos interesses empresariais, não somente antes do prazo de 8 anos previsto pelo Estatuto da Cidade, bem como exclui a obrigatoriedade de discussão em espaço de Conferência Popular Urbana.
O PL 508 também prevê descontos (inclusive retroativos) de até 65% no valor cobrado das construtoras para edificações localizadas dentro da Av. do Contorno que excedam o máximo de área construída permitida pelo Coeficiente de Aproveitamento. O coeficiente é hoje igual para todos os terrenos em Belo Horizonte, sendo esse um outro avanço do Plano Diretor com relação às legislações anteriores que, ao serem menos restritivas com relação à construção em determinados bairros da cidade, eram determinantes para a valorização de algumas regiões em detrimento de outras. Historicamente, o Estado e o capital privado, enquanto agentes privilegiados na produção do espaço urbano, constroem uma cidade que é marcada pela segregação socioespacial em que as áreas centrais são duplamente valorizadas e, por consequência, inacessíveis para a classe trabalhadora enquanto local de moradia: de um lado, pela maior permissividade construtiva e, de outro, em razão de terem redes consolidadas de infraestrutura e serviços urbanos públicos. Para a maioria da população, restam as periferias da cidade e da Região Metropolitana, onde são acometidas por um violento processo de espoliação urbana, marcado por exaustivos e extensos deslocamentos entre casa e trabalho em redes de transporte coletivo cada vez mais deterioradas e com passagens mais caras, falta de acesso a equipamentos de saúde, educação, cultura, lazer e áreas verdes, tendo sua condição de vida extremamente precarizada.
Para além de transferir aos empresários a renda da terra valorizada através de investimentos públicos com essa isenção fiscal, a alteração tem como consequência que os fundos arrecadados pela Outorga — direcionados à realização de melhorias urbanas como a instalação de infraestrutura pública, ampliação das áreas verdes e, especialmente, a construção de habitação de interesse social — reduzam em até R$65 milhões de reais. É evidente que a flexibilização do potencial construtivo em sentido a um maior adensamento na região central de Belo Horizonte de forma alguma “facilita a construção de habitação de interesse social”, como falsamente alegam o prefeito e seus apoiadores no parlamento. Pelo contrário, privilegia as classes sociais mais abastadas e os grandes empresários e reduz drasticamente a verba pública voltada para moradia popular num cenário em que existe um déficit habitacional de mais de 70 mil moradias na capital mineira.1
A proposta de isenção fiscal a ser concedida ao empresariado apresenta um grave retrocesso no desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, revelando ser uma tática do setor privado de intervenção direta no direcionamento da verba pública em benefício próprio. A instrumentalização da Outorga se dá na medida em que seu propósito original, conforme defendido e arduamente conquistado pelas organizações populares em defesa da Reforma Urbana no Brasil — de retornar aos fundos públicos parte do investimento em infraestrutura urbana que valoriza terrenos privados e enriquece o grande capital, é invertido de forma a diminuir os custos de investimento das empresas e ampliar seus lucros através da valorização desses mesmos empreendimentos imobiliários.
A luta histórica e de caráter popular em torno da agenda da Reforma Urbana no Brasil travada desde a década de 1960, ainda que tenha tido conquistas no âmbito institucional no último período — a saber, a garantia da função social da propriedade e o caráter participativo das políticas urbanas à nível municipal contidas na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Cidade e nos planos diretores — se restringiu a elas. O assalto ao caráter de justiça social dos instrumentos urbanísticos e aos espaços populares de deliberação acometido por setores da burguesia na Câmara Municipal de Belo Horizonte expõe a fragilidade da institucionalidade quando da defesa dos interesses da classe trabalhadora no que diz respeito à política urbana e às suas condições de vida nas grandes cidades brasileiras.
A pauta da Reforma Urbana pode e deve retomar seus horizontes de luta a partir do conhecimento e apropriação da política de desenvolvimento urbano pela população, que é propositalmente excluída dos debates que se apresentam em roupagens tecnicistas e burocráticas. As mobilizações populares de defesa do Plano Diretor de Belo Horizonte continuam, inclusive realizando pressão popular na Câmara dos Vereadores de BH nesta segunda-feira (24) em que o PL 508/2023 estará em pauta em Audiência Pública, às 13h30. Mas é fundamental que nenhuma mobilização e organização popular se restrinja ao pouco que resguarda o Plano. É preciso que se aliem às demais lutas nas cidades, como contra o aumento do valor das passagens de ônibus aprovada nesta última quarta-feira (19) e as privatizações de serviços públicos como o Metrô de BH — que disputem os rumos das cidades assumindo a postura de intransigente defesa dos interesses da classe trabalhadora, rumo à construção do Poder Popular e ao Socialismo!
Por direito à moradia e vida digna nas cidades!
Pelo direito à cidade e rumo à construção da Reforma Urbana popular!
1 Dados numéricos extraídos da “NOTA TÉCNICA PLANO DIRETOR DE BH Estudo realizado por pesquisadores da temática urbana sobre o projeto de Lei 508 / 2023, que realiza alterações na Outorga Onerosa do Direito de Construir e afeta o Plano Diretor de Belo Horizonte.”
Publicado originalmente em: https://www.poderpopularmg.org/76939-2/
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