Por uma juventude que entenda o hoje e queira o amanhã

Por Vitor Herculano, militante da UJC no núcleo UERJ

É de conhecimento público, ou pelo menos deveria ser, de que o estado do Rio de Janeiro é fortemente marcado pela - e não somente - violência policial. Diversas outras formas de violência são também bastantes presentes nesse território, mas essa em específico ganha contornos mais expressivos, sobretudo em regiões mais estigmatizadas, como a Zona Norte, Zona Oeste e a Baixada Fluminense, espaços em que a mão armada do Estado atua de modo muito mais “efetivo”.

São claras as consequências dessa violência no que tange à juventude, e, no caso desse texto, à infância. Quem vive ou já viveu em alguma favela do Rio, entende bem os efeitos que ela exerce nas crianças, sobretudo nos meninos, que desde muito novos aprendem a reconhecer sons de tiros, calibres e nomes de armas e a se acostumarem em ver armamentos bem de perto no seu dia a dia. Armamentos de uso militar, fornecidos pelas próprias forças armadas que são instruídas à “lutarem contra o tráfico e às drogas nessas regiões’’. A juventude convive com essa contradição e sente os efeitos dela, formando suas subjetividades, noções de pertencimento, vínculos afetivos etc.

Como diz Mano Brown em “Negro Drama”, do Racionais MC’s:

crime, futebol, música

caralho, eu também não consegui fugir disso aí

eu sou mais um.

E de fato não consegui. Também sou nascido e criado nesses espaços. Como morador do Complexo da Maré há 24 anos, vejo os efeitos dessa violência em mim, nos meus amigos, e agora, atuando como estagiário dando aula, percebo muito mais os efeitos disso nas crianças.

Atuo numa escola da Zona Norte, situada bem de frente pro Morro do Juramento, dando reforço de Língua Portuguesa. Escola pequena, de nível somente fundamental, atende crianças do sexto ao nono ano, e a maioria esmagadora delas moram ou no Morro ou em suas proximidades. Devido a isso, não são raras as vezes em que as aulas precisam ser canceladas por conta do confronto entre policiais e os traficantes que comandam a área. Não são raras as vezes em que as crianças precisam ser realocadas, dentro da escola, para se protegerem de tiros. A sala dos professores tem um buraco de bala na parede. Não é um local seguro, mas e daí? Onde elas moram também não é, e a normalização disso também não é. Digo também pra mim mesmo, que aprendi a conviver e normalizar esses tipos de absurdos.

Durante as aulas, é muito comum ouvir as conversas das crianças sobre o que anda rolando no Morro. Fulano morreu, outro foi preso. “Tio, odeio morar aqui. É guerra toda hora”. Mediante isso, fica o principal questionamento: como, efetivamente, tomar a atenção dessas crianças e, de forma eficaz, ensiná-las? E não me refiro somente a conteúdos formais, como português, matemática e geografia. De que forma tirar a mente dessas crianças de tanta agressividade e violência, e direcionar pra outras coisas, se agressividade e violência as cercam desse modo?  Enquanto militante, meu principal desejo, além de ensinar verbos e interpretação de textos, é fazer com que eles entendam que existem razões materiais e facilmente apontáveis pra que o cotidiano deles seja assim. Mais do que fomentar um pensamento pequeno-burguês de “estude, trabalhe, junte dinheiro e vá viver feliz longe da favela”, é necessário mostrar pra essas crianças que as coisas não são “porque são”, mas por conta de processos violentos do capital.

Dias atrás propus uma dinâmica, a clássica “o que quer ser quando crescer”, para alunos do sexto ano. Média de idade 11/12 anos. “Entregador de comida”, “uber”, “manicure” e “cabeleireira” foram as profissões que mais ouvi. Serviços dignos, óbvio, mas é evidente o “pensamento de serviço” já fomentado nessas crianças. Fora essas respostas, muitos outros simplesmente não souberam responder. Assim como eu, na idade deles, também não soube. Também não vislumbrava futuro; em ser algo; em poder ser algo.

Aos camaradas na sala de aula, fica a pergunta e a chamada pra ação. Como estimular essas crianças a romperem com a lógica de servidão e violência, reservada à elas desde que nasceram?

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